Planeta DC - a última tentativa da Abril com os super-heróis |
Love Hina |
Dr. Slump |
Superman Premium |
O cancelamento dos super-heróis na Editora Abril não causa muita surpresa a quem tem acompanhado o mercado de quadrinhos como um todo nos últimos anos. A crise criativa dos quadrinhos americanos tem sido grande, e os editores de lá vivem com dores de cabeça, tentando melhorar as vendas. Constantes reformulações, mega-eventos sem sentido e supervalorização da imagem em detrimento do conteúdo fizeram cair as vendas dos quadrinhos de super-heróis em seu próprio país de origem.
Com esse mesmo material sendo escoado para o Brasil, os heróis de colante enfrentaram ainda outro desafio em tempos recentes, além da forte crise econômica que obriga os leitores a selecionarem melhor suas compras.
A entrada pesada dos mangás foi e tem sido o grande rival em bancas dos heróis do Tio Sam. O público de mangá é amplo e atinge ambos os sexos, o que não acontece com os heróis americanos, consumidos primariamente pelo público masculino. Até por quê a temática dos mangás é variada, atingindo a todo tipo de gosto. Entre Love Hina (comédia romântica), Vagabond (drama épico sobre samurais) e Dr.Slump (comédia de fantasia), praticamente não existe nenhuma semelhança. Mas eles têm, certamente, identidades estruturais comuns ao mercado de onde vieram. E talvez aí esteja o segredo de seu sucesso, que tem se espalhado do Japão para o mundo todo.
FORMATO EDITORIAL
Além de todo um conjunto de características estéticas, uma das grandes diferenças que o mangá traz é o formato adotado. Editar quadrinhos em formatinho, em papel jornal e em preto-e-branco é tudo o que a Abril tentou apagar com suas pretensiosas edições Premium e é tudo o que se vê em termos de mangás editados por aqui. Quadrinhos de luxo para leitores exigentes é o que a Abril quis firmar nos últimos dois anos. Na verdade, o que se viu foi uma iniciativa de se ganhar o máximo de dinheiro possível às custas de cada vez menos colecionadores. No entanto, editar lixo em papel luxuoso e cores vistosas não é algo que se sustenta por muito tempo. Passada a novidade e o deslumbre do formato especial, o leitor passa a se concentrar mais na história e a exigir qualidade. Todavia, com a já citada crise criativa do quadrinho americano de linha, isso estava um pouco difícil de se conseguir.
Além disso, os mangás têm oferecido muitas páginas de leitura (mais de 100) a preços baixos (entre R$ 2,90 e R$ 3,50). Comparando isso com revistas de 160 páginas a R$ 10,00, a relação custo-benefício pende para o lado dos quadrinhos nipônicos, mesmo com um formato mais humilde e sem pompa. E isso quebrou alguns mitos tidos verdades absolutas no mercado nacional.
Dizia-se que quadrinho em preto-e-branco não vendia. Porém, todos os mangás são editados assim. Da mesma forma, dizia-se que o formatinho estava acabado. Todos os mangás saem em formatinho, que é o mesmo empregado para compilações de séries no Japão. Mais barato, diversificado e com mais conteúdo, o mangá busca a popularização, ao contrário do quadrinho americano, cada vez mais restrito e segmentado.
SEGMENTAÇÃO OU POPULARIZAÇÃO?
Buscar só os leitores mais fanáticos não gera um grande mercado para quase nada. Principalmente com revistas a R$ 10,00. Quantos colecionadores fiéis compravam todos os títulos da Abril, com a crise que galopa no país?
Faltou buscar o leitor do material de linha, o consumidor do arroz-com-feijão e que busca diversão ligeira, pois é isso o que movimenta o mercado. Esse grande público é sensível às ondas de consumo e é decisivo no sucesso comercial de qualquer coisa. Porém, fisgar esse comprador não é tão fácil quanto pode parecer. Alguém achou que o enorme público que viu o Homem-Aranha nos cinemas compraria o gibi do Escalador de Paredes? Bom, talvez alguns até tenham tentado. E teriam procurado mais se o gibi fosse como o filme, sem saga dos clones e outras bobagens que os editores do Aranha têm empurrado goela abaixo dos leitores. Se para os fãs já é difícil engolir os intrincados lances cronológicos que exigem a leitura de inúmeras revistas ao longo de muitos anos, o que dizer do leitor esporádico que apenas viu o filme e resolveu comprar o gibi para se divertir um pouco mais? O infeliz ficou perdido, de saco cheio e deixou o gibi de lado.
Já um fã do novo desenho da Liga da Justiça que tenha comprado uma revista da equipe editada recentemente, pode ter se deparado com uma longa e chatíssima história que explica pela enésima vez a complicada origem da Mulher Maravilha. Com longos textos, o roteirista tentou relacionar a atual personagem com a heroína original da Segunda Guerra, num enredo confuso e forçado que exige muito conhecimento prévio do Universo DC. No quadrinho americano obcecado por cronologia, justificar situações acaba sendo mais importante do que contar boas histórias.
É o problema de ter que se conhecer muita coisa para acompanhar uma história da Marvel ou da DC. Diversas sagas também envolvem longos planejamentos com equipes de diferentes revistas, abalando o trabalho isolado dos autores e produzindo colchas de retalhos. A própria palavra autor acaba tendo um significado diferente no mangá, onde este é o criador da personagem e quem vai assinar os rumos da história do começo ao fim.
O PESO DOS AUTORES
Um mau quadrinho japonês ainda assim é um bom quadrinho de autor. O autor é quem cuida dos rumos da personagem e sua assinatura confunde-se com a história. No Japão, o autor normalmente faz o roteiro e o desenho a lápis (e em alguns casos a arte-final) das personagens. Geralmente, cenários são esboçados de leve para que a equipe de assistentes complete os fundos, dê acabamento e aplique efeitos gráficos. É uma linha de produção que padroniza muita coisa, mas preserva o roteiro, a narrativa e os componentes principais do trabalho do autor.
Dragon Ball Z |
A Fênix Negra, em um dos melhores momentos dos X-Men de Claremont & Byrne |
Mesmo sucumbindo a pressões editoriais por determinados rumos nas histórias, os autores são associados às suas personagens por toda a vida. Não se concebe ler Dragon Ball escrito e desenhado por outro autor que não seja Akira Toriyama, por exemplo. E qual é a identidade dos heróis americanos? Como franquias, são controlados por diferentes pessoas e obedecem a interesses corporativos. Como marcas fortes, os heróis principais jamais terão sua produção encerrada, sendo constantemente reformulados e atualizados. Ou alguém achou que a morte do Super-Homem era pra valer?
A liberdade dos autores sempre passa pela mesa de executivos. Isso também ocorre no Japão, mas se lá o autor não concordar com o rumo pedido pelo editor, ele não será substituído por outro desenhista ou escritor.
Se tivesse sido criado no Japão, teria existido um último capítulo para os X-Men e somente Bob Kane teria feito Batman, dando um fim ao herói quando julgasse oportuno. Claro que isso teria nos privado de obras-primas como Asilo Arkham e Cavaleiro das Trevas, mas graphic novels não são revistas de linha. Os gibis de todo mês é que sustentam o mercado. Lampejos de trabalho autoral em bases regulares foram vistos poucas vezes na indústria americana de super-heróis. Os X-Men de Chris Claremont & John Byrne, o Demolidor de Frank Miller, a Liga da Justiça de J.M. de Matteis, Keith Giffen & Kevin McGuire são algumas exceções, não a regra. Mesmo assim, nenhum destes foi o criador das personagens citadas e nem continuou nas revistas até se chegar a um final definitivo.
FORMATINHO
No desespero de recuperar o terreno perdido para os mangás, a Abril resolveu ressuscitar o formatinho, mas já era tarde. Os leitores que ainda gostavam de quadrinhos já haviam migrado para os gibis japoneses e os que voltaram depararam-se com obras de gosto duvidoso como a saga Mundos em guerra. Isso quando a Abril anunciou que a saga Terceira guerra mundial, escrita por Grant Morrison, não seria publicada por ser considerada de baixa qualidade. Não li a tal saga, mas seria ela tão precária quanto a que nos foi apresentada? Mesmo que fosse boa, conseguiria alavancar as vendas para além do gueto?
Estas sagas costumam exigir a leitura de várias revistas inter-relacionadas, o que normalmente incomoda qualquer leitor. E também, como é de praxe, requerem muito conhecimento prévio.
E assim, com todos esses problemas, alguns vindos dos Estados Unidos e outros próprios daqui, a publicação de heróis regularmente pela Editora Abril chegou a um fim.
O FUTURO
Com o espólio da Abril dividido entre outras editoras, a tendência é que os super-heróis formem de vez um mercado fechado, somente para iniciados, deixando mais caminho livre para os mangás. Um caminho parecido pode se formar para os heróis Marvel no futuro, caso a Panini não tenha aprendido com os erros da Abril.
Claro que o mangá tem suas limitações e defeitos e não representa a salvação dos quadrinhos. Por outro lado, é inegável que a multiplicidade de temas, respeito ao autor e atenção ao grande público são lições importantes a serem observadas. E que, se um povo acostumado com alta tecnologia como é o japonês lê gibis em preto-e-branco editados em papel jornal sem preconceitos, talvez o problema não seja falta de requinte na apresentação do produto. Quem sabe a questão toda esteja em torno do conteúdo e do preço que se pede por ele.
A solução talvez seja voltar ao básico, tratando quadrinhos não como peças para colecionadores, mas como uma forma de entretenimento barato. Uma lição a ser estudada por editores e empresários.