No último sábado (22), o rapper canadense bbno$ realizou o seu primeiro show no Brasil, marcando sua primeira performance na América do Sul.
Com ingressos esgotados, o artista incendiou o palco com sua energia e carisma inesgotáveis. Antes disso, porém, ele concedeu uma entrevista ao Omelete, na qual falou sobre música, carreira e a importância da autenticidade na era da internet.
Exalando uma calma e tranquilidade que pareciam contrastar com sua persona artística, o rapper se apresentou como Alex — seu nome verdadeiro — com um aperto de mão. Em uma sala sem a presença de assessores ou agentes, a conversa teve início (e seguiu, até o fim) de forma descontraída e relaxada.
Alex esclareceu que já queria visitar o Brasil há anos, mas nunca teve a oportunidade, até agora. “Sabe, nunca quiseram me dar um show aqui e eu dizia, ‘eu sinto que tenho certa popularidade por lá’ e agora eu pude mostrar que estavam errados, o que é ótimo”, disse o rapper. Segundo ele, o apoio dos fãs brasileiros já existe há muito tempo: “Quando lancei ‘Lalala’ seis anos atrás, metade da minha base de fãs era do Brasil e eu pensava ‘okay, preciso ir pro Brasil’, era óbvio. E nunca aconteceu. Mas estou aqui agora e é incrível. O Brasil é muito legal, um ótimo lugar. É super vibrante.”
Antes de chegar ao Brasil, a turnê de bbno$ passou pela Austrália, Nova Zelândia, Singapura, Taiwan, Coreia do Sul e Japão, com muitas apresentações ainda por vir na América do Norte e Europa. Ao falar sobre o maior destaque da turnê até então, ele escolheu seu show na Austrália. “Fiz o maior show da minha vida lá. Foi um desses momentos em que você percebe que o que você está fazendo é real, é de verdade. Eu pensei, ‘Não acredito que estou nessa posição de poder fazer tanta gente feliz’, e sabe, criar um meio de fazer com que meus fãs se divirtam. Foi lindo”, explicou sobre a escolha e complementou: “Provavelmente foi o meu show preferido. Estou muito feliz com o que estou fazendo. Estou muito cansado, mas muito feliz, de qualquer forma.”
Júlia Henn
Diversão realmente é a palavra-chave ao se referir às músicas de bbno$. Suas criações são conhecidas pelo ritmo acelerado e pelo foco quase exclusivo na melodia, deixando as letras em segundo plano. Questionado sobre seu método criativo, ele explicou sua lógica e deu uma dica sobre o que vem por aí, no futuro. “Eu não ouço músicas pela letra”, disse, “Então, eu só tento emular o que eu verdadeiramente gosto. Não sei se isso vai mudar em algum momento. Meu objetivo é fazer um projeto de baladas, com apenas composições mais detalhadas. Não sei quando isso vai sair, mas é meu próximo projeto. Vai ser uma grande mudança desse lançamento mais recente que é super divertido. O próximo vai ser mais introspectivo, sobre estar na casa dos 30, sabe. Uma exploração do quão tumultuoso é ter 30 anos e adentrar uma nova etapa da vida.”
Enquanto este projeto não é lançado, os fãs podem aproveitar tudo o que o artista já tem a oferecer atualmente. Dentre as faixas presentes em seu álbum mais recente, “come to brazil” e “estrella” são as mais interessantes para os públicos brasileiro e latino, por conta das inspirações por trás delas. “Come to brazil é só um grande meme”, compartilhou bbno$, “Vocês são muito barulhentos na internet, e eu sabia que precisava fazer uma música sobre o Brasil. Afinal, o público brasileiro tem sido uma parte considerável da minha audiência por muito tempo. Então eu falei, ‘Vamos fazer!’ e foi isso.”
Sobre “estrella” e a influência de ritmos latinos em sua composição, o rapper revelou que se sente atraído por elementos latinos em canções. “Eu não ouço muita música, no geral. Então, quando eu ouço, eu fico pensando sobre o motivo para ela ser popular”, explicou. “Mas eu gosto muito de música latina, sinto que eu sou puxado em direção a trompetes e sons metálicos, no geral. Crescendo em Vancouver, eu não tive essa influência, não existe uma cena cultural latina ou hispânica muito desenvolvida por lá. É uma cidade multicultural, mas mais voltada ao demográfico asiático. Na minha opinião, minha voz soa bem em sons latinos e eu ouço alguns artistas latinos. Enfim, acho que é um bom som”, resumiu ele.
Independentemente da influência utilizada por trás de cada faixa, o maior objetivo de bbno$ com suas músicas sempre é divertir o seu público e esta missão se estende até o palco. “Fiz uma porção significativa deste álbum em uma intervalo de seis dias, eu só queria fazer algo muito pra cima, muito divertido, com que o público possa se conectar”, destacou o artista. “Eu acho que minha música é feita para ser recebida ao vivo, para a turnê eu fiz remixes das canções mais lentas, elevando elas. Esse show é uma performance contagiante. Sei que o público não sabe o que esperar, por eu nunca ter me apresentado aqui antes, mas sei que vai ser muito legal.”
A previsão do rapper se concretizou em um show que manteve o nível de energia no alto do início ao fim. A forma como ele consegue angariar um público tão fiel tem muito a ver com a maneira como ele administra suas redes sociais e a imagem que transmite online aos seus fãs. Com mais de 8,8 milhões de seguidores no TikTok, 4,4 milhões no Instagram e quase 4 milhões de inscritos no Youtube, bbno$ construiu sua carreira não apenas como artista musical, mas como influencer. Seus vídeos nas redes sociais viralizam pelo bom humor e servem como alavanca de suas músicas, que são a trilha sonora exclusiva de suas publicações.
Júlia Henn
Ao ser questionado sobre de que forma os seus públicos em diferentes redes sociais se interseccionam, o rapper disse: “Não consigo medir a realidade das coisas de uma forma exata ou métrica. Qual é o ponto de corte entre meus seguidores em cada uma dessas plataformas? Não sei. Mas eu sempre uso apenas as minhas músicas nas minhas redes sociais, então, quem estiver lá, vai acabar escutando minha música, se quiser. Se não quiser, não ligo e só vou promover apenas minha música porque ela é a fundação essencial do meu negócio. E claro, eu crio conteúdo. Conteúdo bobo e fácil, mas é só uma medida adicional para criar um mundo de bbno$ para pessoas que gostam de mim… E também para quem me odeia.”
Além do conteúdo bobo mencionado acima pelo próprio artista, bbno$ também utiliza suas redes sociais para defender o que acredita publicamente. Desde defender os direitos das pessoas trans e imigrantes até criticar o uso de inteligência artificial, inclusive contratando animadores menos conhecidos ou amadores para animar seus clipes, ele mantém claros os seus posicionamentos sobre tópicos relevantes na atualidade. Questionado sobre o assunto, o rapper explicou como decidiu expor suas visões políticas e de mundo.
“Originalmente, eu acreditava que não precisava ser político e blá-blá-blá. Mas cresci em um lar muito amoroso e mente aberta, então sempre tive a mesma moral e perspectivas que tenho e exponho na internet”, contextualizou. “Quando comecei a tomar antidepressivos, eu simplesmente deixei de me importar sobre o que as pessoas pensariam das minhas opiniões e comecei a compartilhá-las. Algumas pessoas realmente não gostam delas, mas outras gostam. E não importa, porque eu não estou tentando fazer todo mundo gostar de mim. É necessário ser polarizador, é necessário ter opiniões. No fim das contas, você precisa defender o que é certo. Você precisa estar em uma posição de influência para pedir por mudanças, então não quero cultivar uma audiência que não seja progressista ou positiva.”
Ainda sobre a positividade que busca em seu público, ele disse: “Só quero positividade em meus shows. Sempre encontro fãs que me contam que fizeram amigos nos meus shows e é isso que eu quero. Criar um espaço onde as pessoas possam se divertir e saber que não existe julgamento, que você pode ser quem você quiser com a gente. Por exemplo, eu sempre tive a opinião de que, por acaso, pessoas LGBTQIA+ atrapalham a minha vida? De forma alguma! Pessoas LGBTQIA+ arrasam? Com certeza! Então por que eu não as defenderia? Acho que, se você não tem algo legal a dizer, não diga. E se tiver algo legal a dizer, diga, porque todo mundo gosta da positividade. É interessante que tantas pessoas escolham a rota negativa. Eu entendo, porque existe lucro na negatividade, afinal, tantos líderes mundiais optam por isso. O mundo tá f*dido. Então, eu só tento não ferrar com ele ainda mais.”
Em meio aos conteúdos compartilhados por bbno$ com sua audiência, estão as colaborações com outros criadores de conteúdo. De parcerias musicais frequentes com Yung Gravy, até aparições em canais populares no Youtube, o artista já conheceu muitos colegas pelo mundo. Quando perguntado sobre quais seriam colaborações que gostaria de fazer, ele explicou que sente já ter conhecido quase todo mundo com quem sonharia em trabalhar, “De verdade, não sei. Sinto que já fiz parcerias com todo mundo que cresci assistindo. Bom, o Markiplier seria muito legal. Criei um meme sobre ser ignorado por ele nas minhas redes sociais, inclusive.”
Júlia Henn
“Sabe quem eu adoraria conhecer? Tem um canal no Youtube chamado Outdoor Boys”, relembrou. “Eu fui escoteiro por uns 14 anos, e o que ele faz é, ele vai acampar sozinho em uns climas malucos. Você morreria se não soubesse o que está fazendo. E é tão relaxante. Ele senta lá e fala com a câmera. Ele é uma lenda, seria muito legal. Ele parece um cara bacana, ele deu uma pausa porque estava ficando muito famoso e a família dele estava sendo reconhecida, mas é isso. Ele parece um cara muito legal e um ótimo pai.”
Os cosplays também são uma parte integral do conteúdo do rapper em suas redes sociais. Com um currículo que inclui Hatsune Miku, Mira e Baby Saja de Guerreiras do K-Pop, Viktor de Arcane, Gojo Satoru de Jujutsu Kaisen, entre outros, ele tem muito orgulho de seus cosplays, da equipe que lhe ajuda com eles e o que essa arte significa. Perguntado sobre como ocorre o processo de decisão sobre seus próximos cosplays e referências que serão publicadas em suas redes, ele compartilhou o seu processo: “Eu cresci na internet, então eu entendo como ela funciona. Sobre os fandoms, eu tenho vários amigos que são fãs de várias coisas, somos um monte de nerds, eu sou um grande nerd. Então, é isso, eu vejo algo, penso que é incrível e decido fazer. E aí eu tenho o meu time responsável pelos cosplays em Los Angeles. Eu pergunto, ‘Vamos fazer?’ e eles falam, ‘Claro que sim!’ e fazemos. A Stella e a Jessica são minhas mães do cosplay, elas são as melhores.”
Sobre o significado do cosplay em sua vida, ele disse: “Acho que a ênfase em ser você mesmo fica ainda mais expressiva no cosplay. Porque, claro que você tá vestido de outra pessoa, mas está sendo você mesmo. Você está se permitindo aquela expressão. Cosplayers são como drag queens, por exemplo. São geniais. O esforço e habilidade que eles colocam em sua arte deveria ser mais comentado. O ato de fazer cosplay não é valorizado o suficiente, mas esse ano eu percebi que se popularizou muito mais. Eu amo fazer cosplay. É tão divertido. E é só isso que importa.”
O impacto da arte e da cultura pop na vida do rapper pode ser comparado ao impacto que ele mesmo está tendo na vida de pessoas ao redor do mundo. Ao falar sobre o sentimento de ver pessoas em diversos continentes ansiosas por seus shows, bbno$ focou na responsabilidade que sente para com elas e como o reconhecimento afetou sua vida.
“É uma loucura, nunca pensei que estaria nessa posição”, confessou. “É uma prova do trabalho duro, porque eu nunca quis isso, eu só queria fazer música, porque é a minha coisa preferida na vida. Não me importo se gostam ou não da minha música, eu gosto de sentar e montar esse quebra-cabeça. Eu sempre falei pra mim mesmo que, se chegasse a mudar a minha vida, foi uma decisão minha. Já passei por situações em que estava com a minha família e pessoas queriam tirar fotos comigo, então agora eu tento ser discreto quando saio com eles. É um pouco assustador, mas tirar uma foto com essas pessoas só vai fazer o dia deles melhor. É o mínimo que posso fazer e é ótimo, é lindo. Eu fui reconhecido andando pelas ruas do Brasil, sabe? O que eu amo no meu trabalho é que eu posso ir para qualquer lugar, publicar um story perguntando se alguém quer sair e conhecer pessoas muito legais, sair com elas, descobrir uma cidade nova. E toda vez que volto, posso encontrar com essas pessoas de novo. É muito bom, conheci muita gente legal assim.”
Júlia Henn
Ao final da conversa, a última pergunta foi feita com o objetivo de entender o quanto de Alex é bbno$ e o quanto de bbno$ é Alex. O questionamento parece ter levado tanto artista quanto persona artística a refletirem sobre o assunto. “É uma ótima pergunta”, respondeu o rapper. “Eu uso bbno$ como uma forma mais excêntrica de mim mesmo. Para ser honesto, eu sou um cara muito tranquilo. Eu gosto da normalidade e de sair para jantar com a minha família, é uma das minhas coisas preferidas. Eu não sei. Não sei dizer matematicamente o quanto do bbno$ é o Alex, ou vice-versa. Mas eu sempre gostei de me divertir. É a única missão que temos na vida, porque todos vamos morrer. E eu estou acelerando minha mortalidade pelo tanto que eu trabalho, mas ao mesmo tempo estou permitindo que as pessoas sejam elas mesmas. Porque, por algum motivo, tem gente que me admira, o que é maluquice.”
“Eu lembro que, em 2017, eu fui pra China pela primeira vez e alguém me mandou mensagem mostrando que tinha feito uma tatuagem do bbno$ no pescoço”, revelou o artista. “Nesse momento eu percebi que era pra valer, que eu fiz algo que afetou tanto alguém a esse ponto, para mostrar dedicação à minha arte. E percebi que precisava ser uma força positiva para as pessoas. Ser um bom exemplo. E eu sempre quis ser a melhor pessoa que poderia ser e isso acelerou a jornada de me tornar isso. Eu tenho os meios para fazer o que quiser, então por que não ser a pessoa mais gentil que sou capaz de ser? Então, as pessoas podem gostar de mim ou me detestar por não ser problemático.”
“Não sei se isso responde a sua pergunta. Eu sou o bbno$. E o bbno$ é o Alex”, refletiu. “Mas eu gosto de não ficar olhando o celular o tempo todo, sem trabalhar quando tô com a minha família, apesar de ser viciado no celular, como todos somos. É uma ótima pergunta, não penso sobre isso frequentemente. Não acho que eu tenha algum transtorno de personalidade. Já conheci artistas que não tinham nenhuma separação, que são a mesma pessoa dentro ou fora do palco. Eu tenho uma relação muito saudável com o que eu faço. Eu sei o que estou fazendo, mas eu não… É tão difícil explicar. É uma ótima pergunta. Eu sou a Hannah Montana, é isso.”
Ao fim da meia hora de conversa, com apenas uma hora restante para o show, nos despedimos com um “boa sorte” que não precisava ser dito. Afinal, o talento e a genuína alegria de bbno$ em cima do palco provaram que ele conhece sua música melhor do que ninguém: ela foi feita para performances ao vivo e o público brasileiro correspondeu suas expectativas à altura.
Giovanna Orlando
Júlia Henn entrevista bbno$ antes de seu show.