Vá em shows o bastante e você vai notar: a maior parte dos músicos só estão ali mesmo para tocar as novas - o resto, o desfile de hits, as canções que fazem o público pular de verdade... é tudo protocolo ou tentativa de ressignificação. Mas essa tensão fundamental, entre o que a plateia quer ouvir e o que o artista quer apresentar, se evaporou durante a apresentação de Avril Lavigne no Espaço Unimed nesta quarta-feira (7).
A canadense de 37 anos não tem mais a energia de uma adolescente, é claro, e isso se reflete de maneiras múltiplas no show: desde a duração, de apenas uma hora, até a presença mais sisuda de Avril. Ela deixou os pulos para a plateia, e tampouco correu de um lado para o outro do palco no embalo da bateria pop punk de seus hits atuais e de outrora.
Ao invés disso, Avril agiu como se fosse uma princesa, e o Espaço Unimed fosse o seu reino particular. Logo no primeiro bloco do show, em "What the Hell", ela estava ao microfone com as mãos estendidas na direção da plateia, movendo-se na cadência inconfundível de um maestro regendo uma orquestra - e os fãs obedeciam, navegando a melodia ascendente complicada do refrão com a mesma destreza que a cantora.
Que Avril Lavigne tem aquele algo a mais, aquela qualidade de estrela que a faz ir além da competência básica dos seus vocais (mais puxados para o grave com a idade, e mais desgastados para o final do show, especialmente em "Sk8er Boi") e da sua banda, não é novidade. A indústria fonográfica viu esse potencial 20 anos atrás, e o mundo inteiro concordou.
Mais interessante, no entanto, é observar como o tempo aparou as arestas da Avril estrela e a transformou na Avril ícone, e o quanto do segredo de como chegar de um lugar para o outro é simplesmente... amar a própria música. Porque é claro que a cantora se esbalda com as canções do Love Sux, disco que a devolveu para o ambiente do pop punk na condição merecida de embaixadora original dele - mas aqui não há desgosto, relutância ou reimaginação dos hits de outras eras.
"Girlfriend", por exemplo, ganha uma bridge alongada para que o público cante junto; "Losing Grip" é o momento de maior entrega vocal e emoção do show; "Smile" é cantada com requintes de interpretação sarcástica; até "Hello Kitty", no passado motivo de escárnio, ganha espaço em um interlúdio instrumental. Enquanto isso, imagens de arquivo da cantora e reedições de sua estética "princesinha punk" desfilam pelo telão, uma bagunça deliciosa de vermelho, preto, rosa, verde e cinza.
É tudo calculado para provocar nostalgia, sim, mas a falta de firulas dramáticas no resgate dos hits agrada. E, no centro de tudo, está uma Avril que dispensa histrionismo e bajulação, confortável e claramente feliz por estar no pedestal em que toda uma geração a colocou.