Love Sux, de Avril Lavigne, sabe que você não quer (e não precisa) crescer

Créditos da imagem: Avril Lavigne em foto promocional de Love Sux (Reprodução)

Música

Crítica

Love Sux, de Avril Lavigne, sabe que você não quer (e não precisa) crescer

Ícone do pop punk faz a ponte entre nostalgia e maturidade em disco certeiro

Omelete
5 min de leitura
25.02.2022, às 09H00.

Não é segredo nenhum (e nem motivo de vergonha) que o Love Sux, novo álbum de Avril Lavigne, foi feito sob medida para capitalizar na nostalgia por uma era específica do pop rock, da qual a artista foi parte importante. O sucesso de músicos jovens como Olivia Rodrigo, Willow e Tomorrow X Together, que canibalizam (esse é o termo certo, tendo em vista os samples e parcerias que eles realizam) o pop punk e o emocore para alimentar as suas alquimias pop, mostrou que havia apetite para uma viagem no tempo exatamente como aquela que o novo disco da autora de “Sk8er Boi” e “Complicated” faz.

O surpreendente mesmo é notar, durante as 12 faixas do Love Sux, como Avril e seus parceiros de composição e produção tiram da cartola referências não à obra da própria artista, mas a uma paisagem musical muito mais ampla que se desenrolou ao redor dela durante o início dos anos 2000. Isso porque, na cena da época, Avril sempre foi muito mais uma figura representativa do que uma definidora de sonoridade - suas baladas poderosas e até suas faixas mais eufóricas, calcadas no punk, fizeram uma ponte importante entre o trabalho de seus colegas de gênero e o establishment do pop. Não é uma crítica: foi assim que ela se tornou um ícone, e foi em grande parte por causa dela que o resgate que vemos hoje se tornou possível.

Daí que faixas como “Cannonball”, que abre o disco, lembram mais a sonoridade dos primeiros álbuns do Green Day do que qualquer coisa que a própria Avril já fez. A artista, que escreve ao lado de Mod Sun e John Feldmann, nomes consagrados do pop punk, impõe uma estrutura simples de composição (começando pelo refrão, e desdobrando versos e pontes a partir dele) e produção (guitarra primeiro, entrada de bateria e baixo conforme a canção prossegue) que pouco tem a ver com os épicos radiofônicos que ela criava 20 anos atrás.

O trabalho de Travis Barker na produção de algumas canções, enquanto isso, faz a ponte com o som da banda dele, o Blink-182. Além do destaque óbvio à bateria estridente do próprio Barker (de novo, não é uma crítica, mas um reconhecimento da assinatura que ele traz às canções), faixas como o single “Bite Me” e “F.U.” carregam o inconfundível hábito do Blink de usar uma queda de instrumental drástica como arma para marcar a ponte melódica e, portanto, a entrada bombástica do último refrão. É um truque essencialmente pop, e que muitas vezes passa despercebido, mas que marca como poucos a sonoridade característica da era que o Love Sux quer resgatar.

Quase tão bacana quanto a visão ampla que Avril e cia. têm da nostalgia que querem inspirar é a consciência que a equipe por trás do álbum demonstra do fato de que 20 anos se passaram desde então. Daí a conexão com colaboradores como blackbear, que traz o seu emo rap (subgênero onde a influência do emocore foi resgatada muito antes da renascença mainstream que vemos hoje) para o Love Sux no dueto “Love It When You Hate Me”, que não foi lançado como single por acaso - a sonoridade mais francamente sintetizada, quase aproximada do R&B, encarna perfeitamente o tipo de mistura para a qual a cena está se abrindo nos últimos anos.

Essa dualidade entre resgate e atualização do emocore e do pop punk é bem encarnada em “Déjà Vu”, a melhor faixa do disco. Com um refrão que parece tirado, agora sim, diretamente de um álbum antigo de Avril (provavelmente o Under My Skin), a canção também incorpora com sutileza baterias eletrônicas e uma confiança melódica que é emblemática do pop. Note como o segundo refrão é cantado por Avril em cima apenas da percussão, sem a assistência das guitarras, a ênfase que a produção dá ao gancho melódico do último pós-refrão, e a repetição efetiva do over and over againna letra.

Por falar em letra, o Love Sux embala a sua viagem no tempo sonora em criações líricas particularmente espertas. Este não seria um flashback emo sem aquele sentimento de angústia adolescente, afinal, e Avril sabe muito bem como evocá-lo de forma saborosa: ela canta que está fugindo de uma avalanche” (em “Avalanche”), pede para que o seu amado a beije como se o mundo estivesse acabando” (em “Kiss Me Like The World is Ending”), esbraveja sobre a “cidade que sempre odiou” (em “All I Wanted”, parceria com Mark Hoppus) e faz brincadeiras semânticas juvenis (“farei todos os meus ex’s dizerem ‘oh’, na faixa título, é referência aos X e O’s de um jogo da velha).

Ao mesmo tempo, a cantora é uma mulher de 37 anos que já abordou temas densos de superação pessoal e obsessão romântica em seu último álbum, Head Above Water. Ela já provou, contra todas as expectativas de quem a via como um eterno ícone teen, que sabe escrever canções maduras, confessionais - independente do que você ache da qualidade delas. Essa Avril aparece modestamente no Love Sux, especialmente na bela composição solo “Dare to Love Me”, mas o disco é largamente uma conciliação entre essa maturidade e o legado da artista que, até pouco tempo atrás, estava propondo um brinde a nunca crescer.

Não é por acaso, inclusive, que “Dare to Love Me” é seguida no álbum justamente por “Break of a Heartache”, paulada pop punk de menos de 2 minutos de duração em que Avril declama versos intrincados de decepção romântica em ritmo frenético. Há uma consciência muito aguda no Love Sux sobre o tipo de público com o qual ele está conversando, e sobre o momento cultural que esse público está atravessando.

Mergulhado em nostalgia para fugir de um mundo que faz cada vez menos sentido (porque os ultrapassou culturalmente, mas também porque está desmoronando política e economicamente de uma forma que parece irreparável), este público não quer ouvir que é hora de crescer - não na cultura pop, que se tornou um eficiente refúgio da realidade. Avril está aqui para dizer que, nesse cenário, talvez não seja preciso mesmo, ao menos não de forma tão radical. O Love Sux conjuga sentimentos familiares e novos para propor, com gentileza insuspeita para a sua sonoridade pesada, que é perfeitamente possível usar o passado para navegar o presente.

Nota do Crítico
Ótimo
Love Sux
Avril Lavigne
Love Sux
Avril Lavigne

Ano: 2022

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