Muita gente vai achar a trama de Ruídos curiosamente familiar – isso porque, pouco menos de três meses atrás, a Netflix lançou basicamente o mesmo filme. Meus 84 m², que morou no top 10 da plataforma durante suas primeiras semanas no catálogo, acompanhava um jovem trabalhador que, após alcançar o sonho da casa própria, se via atormentado durante a noite por barulhos infernais de vizinhos que não conseguia identificar. Troque o gênero do protagonista, inclua na narrativa um pendor ao sobrenatural, e pronto: você tem Ruídos.
Acontece, é claro, que Ruídos saiu um mês antes de Meus 84 m² nos cinemas sul-coreanos, o que significa – no mínimo – que essa cadeia de imitado e imitador é mais difícil de estabelecer do que parece. Mais provável, é claro, que os roteiristas de ambos os longas tenham identificado a mesma mazela da vida urbana contemporânea na Coreia do Sul, e escolhido abordá-la de maneira semelhante. As diferenças de tom e de estrutura entre Ruídos e sua contraparte Netflix só fazem corroborar essa possibilidade.
Neste longa assinado pelo estreante Kim Soo-jin, a protagonista é Joo-young (Lee Sun-bin, vista recentemente no k-drama Amor e Batatas), uma jovem surda cuja irmã desaparece misteriosamente após reclamar de barulho excessivo no apartamento que as duas costumavam dividir até pouco tempo atrás. Decidida a resolver este enigma, Joo-young se muda de volta para o prédio a fim de investigar, com a ajuda de Ki-hoon (Kim Min-seok, de Descendentes do Sol), colega de trabalho e namorado da irmã.
Como Meus 84 m², Ruídos aos poucos mergulha na teia cínica de relações de poder que se estabelecem nos condomínios da Seul contemporânea. Os proprietários de apartamentos no prédio culpam os problemas nos locatários, e os funcionários se acovardam diante da chefia, escondendo toneladas (às vezes, literalmente) de sujeira embaixo do tapete. Enquanto isso, a necessidade de manter uma reputação impecável a fim de atrair mais moradores, e assim pleitear com a prefeitura por uma reconstrução que melhore os problemas estruturais do prédio, é um imperativo que suplanta regras de boa vizinhança.
Tudo isso é território familiar, e o roteiro de Ruídos ainda o explora sem muita energia. Assinado pelo também estreante Lee Je-hui, o texto não acha espaço para construir o ecossistema do condomínio de forma integral, limitando as interações de Joo-young a dois ou três vizinhos que vão se revezando, pouco convincentemente, como suspeitos principais do desaparecimento da irmã. A impressão que fica, com o passar da metragem, é que Ruídos não foi pensado com muito cuidado para além da premissa, e todos os seus elementos mais interessantes – como a deficiência auditiva de Joo-young afeta a trama? onde a hierarquia de poder do prédio se manifesta dentro do mistério? - não se costuram uns aos outros para formar um todo convincente.
Sobra ao diretor Kim, portanto, a missão de ao menos construir uma atmosfera de terror envolvente para embrulhar esse pacote. E, veja bem, não é que ele não o faça. Ruídos é fluente na linguagem do gênero, e tem ideias bacanas sobre ritmo, quase sempre optando por provocar um arrepio na espinha ao invés de um pulo da cadeira. Mas falta atenção, por exemplo, à geografia do cenário e à concepção estética dele – Kim por vezes repete tomadas e recursos, principalmente aquelas que são emblemáticas de um terror social barato. Sua câmera parece querer mostrar a miséria e a dilapidação do viver na metrópole, mas não encontra maneiras originais ou eloquentes de fazê-lo.
Ao invés disso, Ruídos é melhor em planos fechados, onde a assombração se sobrepõe ao cenário. De certa forma, é uma lição valiosa para o horror contemporâneo: não fosse essa vontade de tatear um tema social relevante sobre o qual tem pouco espaço para falar, este poderia ter sido um filme muito melhor.
*Já em cartaz nos cinemas comerciais, Ruídos também foi exibido no KOFF - Korean Film Festival 2025, que aconteceu em São Paulo entre os dias 2 e 8 de outubro.