Filmes

Entrevista

Sébastien Laudenbach, diretor da animação A Menina Sem Mãos, vem ao Brasil para festival no Recife

Longa que se inspira nos irmãos Grimm é o destaque do Animage - Festival de Animação de Pernambuco

06.11.2016, às 13H30.
Atualizada em 06.11.2016, ÀS 15H01

Experiência narrativa entre desenho, pintura e cinema, baseada nos contos de fadas dos Irmãos Grimm e laureada com o Prêmio Especial do Júri no Festival de Annecy (o maior do mundo no terreno da animação), a produção francesa A Menina Sem Mãos (La Jeune Fille Sans Mains) vai marcar a vinda ao Brasil de um dos mais aclamados desenhistas e animadores da França na atualidade: Sébastien Laudenbach.

Ele vem para exibir o longa-metragem no Animage – Festival de Animação de Pernambuco, agendado de 22 a 27 de novembro, em nove espaços de exibição no Recife (como o Cine São Luiz e a Caixa Cultural), onde ele ministrará uma masterclass e integrará o júri da competição oficial. Antes de passar por Recife, o filme será exibido na capital da República, lá no DF, onde será projetado com o título de As Mãos Daquela Menina, com sessões neste domingo, às 18h30m, e na quarta, às 20h30, no Cine Brasília, e nesta segunda, às 14h, no Cine Cultura Liberty Mall.

Construí a narrativa desenhando em papel e fui compartilhando a experiência em um blog, hoje privado, com os esboços deste projeto, que me perseguiu durante anos, mesmo quando eu não tinha a verba necessária para fazê-lo”, diz ao Omelete por email Laudenbach, conhecido por curtas como Des Câlins dans les Cuisines (2004), Journal (1998) e Vasco (2010). “Fiquei sete aos fazendo storyboards e tratamentos de roteiro para uma versão bem diferente desta que vocês vão ver, e que não pude realizar por não encontrar a verba necessária. Cheguei a pensar em narrar esta história na forma de uma HQ ou até de um filme com atores. Mas, depois que minha mulher ganhou uma bolsa de estudos em Roma, com a qual poderia se manter, pude me dedicar ao projeto, não mais sozinho, mas em parceria com um estúdio, o Folimage. Fizemos o filme com € 409 mil, com pouca gente na equipe e liberdade total, animando entre dez e 15 segundos do filme por dia, durante um ano e meio”.  

Previsto para estrear na França no dia 14 de dezembro, A Menina Sem Mãos é uma reflexão fabular sobre a condição feminina a partir das angústias de uma garota cuja alma é negociada com o Diabo, quando ela ainda é criança. Seu pai negocia o espírito da filha com o Trem Ruim em troca de recursos para sair da miséria. Em decorrência disso, ela é privada de seus punhos. Mas a chegada de um amor pode mudar sua realidade.  

“Tomei contato com esse enredo há cerca de 15 anos, num papo com um produtor, que queria transformá-la em uma peça de teatro. Fiquei encantado com a ideia de falar de uma mulher que precisa viver em isolamento, distante de um mundo regrado pelos homens, para poder viver com alguma plenitude”, diz o animador. “Como os contos dos Grimm são relatos orais, muito do que sabemos das histórias deles são versões, que mudam de tempo em tempo e de país em país. Mas eu tentei preservar a ideia de crueldade e de mistério que está no cerne desta fábula, fazendo um filme que não se preocupa em explicar muito certas situações. Eu me expresso a partir de metáforas, que alimentam a força sensorial desta história. Não por acaso, as cores do filme estão muito ligadas aos sentimentos que eu quero transmitir, influenciadas pela paleta de alguns pintores como Maurice Denis e Bonnard. Na França, quem viu o filme, falou da influência de Matisse”.  

Embora ressalte a dimensão feminina do filme, Laudenbach enxerga na perda das mãos de sua protagonista um simbolismo que vai além de gêneros. “A questão do corpo feminino e sua submissão à opressão masculina é um tema pouco explorado pela animação, mas, aqui, há uma outra camada: há a percepção de que somos todos um pouco mutilados”, diz o cineasta. “Todos lidamos com mutilações existenciais quando crescemos sem conhecer o mundo, isolados”.                              

Numa análise da animação da França, Laudenbach avalia que é recente a consolidação em seu país de uma indústria de longas-metragens animados. Em solo francês, toda a experimentação nesse terreno era limitada aos curtas, o que vem mudando, sob o estímulo do sucesso mundial de filmes estrangeiros mais autorais, incluindo uma certa produção  brasileira indicada ao Oscar. “O Menino e o Mundo, de Alê Abreu, é um exemplo de como a animação está se abrindo para o desconhecido, da mesma forma como podemos ver nos filmes da diretora romena Anca Damian, como Crulic, e em experiências do meu conterrâneo Michel Gondry, como É Feliz o Homem Que é Alto? – Conversações com Noam Chomsky”, diz o animador. “Estamos vivendo um momento de novas propostas. Que bom fazer parte disso”.   

Além de A Menina Sem Mãos, o Animage levará ao Recife produções esperadas como o premiado longa A Tartaruga Vermelha, de Michael Dudok de Wit, e curtas laureados como Até a China, de MarãoO Ex-Mágico, de Maurício Nunes e Olímpio Costa; e Quando os Dias Eram Eternos, de Marcus Vinícius Vasconcelos