Filmes

Entrevista

J.P. Cuenca referencia a si mesmo em A Morte de J.P. Cuenca

Primeiro longa do romancista mescla realidade e ficção

08.10.2015, às 11H00.
Atualizada em 28.11.2016, ÀS 15H05

Romances como Corpo Presente O Dia Mastroianni fizeram do carioca J. P. Cuenca um dos escritores mais festejados na ala contemporânea de ficcionistas da literatura brasileira, seara da qual ele parte para fazer cinema, na condição de realizador. Nesta quinta, a Première Brasil do Festival do Rio 2015 recebe em sua mostra paralela (competitiva) Novos Rumos o primeiro longa-metragem dirigido pelo romancista de 37 anos: o thriller A Morte de J. P. Cuenca, cujo título já evidencia a autorreferência e a metalinguagem que lhe são características. A trama mescla realidade e fabulação a partir de um fato: em 2008, um cadáver foi encontrado com a identidade do autor, no esqueleto de um edifício nas cercanias do Centro do Rio. Esse achado deflagra uma narrativa de suspense digna dos longas de Roman Polanskià la O Inquilino (1976). Na entrevista a seguir, Cuenca, que hoje é colunista da Folha de S. Paulo, comenta essa experiência nas raias da invenção cinematográfica. 

De que maneira a Morte no seu filme pode ser vista como crítica à própria cultura da celebridade que hoje cerca a cultura no Brasil? 
J.P. CUENCA:
 Sobre cultura da celebridade, posso dizer que, como escritor ativo em certo circuito de festivais literários no país e fora dele, desconfio de que, nos últimos dez anos, tive mais espectadores que leitores. A impressão é que parte do público troca a experiência de leitura pelo discurso do escritor sobre sua obra. Ou seja: compram a performance do escritor, mas não sua escrita. O processo parece mais atraente. Minha morte foi a desculpa perfeita para girar a chave dessa performance e oferecê-la num outro registro. Ou seja: levar ao paroxismo algo que me incomodava profundamente. E transmitir esse desconforto, transformando-o em uma questão estética. 

Até que ponto este seria um filme sobre identidade?
CUENCA: A identidade do sujeito e a da própria cidade está no centro desse trabalho. Até que ponto continuamos a ser nós mesmos depois de certas demolições? Que identidades estão sendo construídas e destruídas todos os dias no Rio de Janeiro? O que faz essa história digna de ser contada é o fato de que o palco do meu roubo de identidade está no centro da crise de identidade do Rio. 

Que influências narrativas serviram de base a seu olhar, talhado na literatura, para formal sua musculatura como cineasta? O que há do escritor Cuenca no cineasta Cuenca?
CUENCA: Pensei muito em filmes como O Inquilino, do Polanski, e A Lira do Delírio, do Walter Lima Jr., quando estava rodando A Morte.... Mas acho que, acima de tudo, há um desejo de envolver o espectador num jogo de investigação que não termina com o filme. Ao contrário, começa com ele. Acredito que essa opção pelo irresoluto encontra eco nos meus livros. E também a superposição radical de registros: há planos rigidamente formais e outro completamente subversivos e debochados. Essa tensão formal eu também acredito que exista nos meus romances. De resto, sou um escritor que gosta de riscos e de caminhar na sombra, sem prever muito os próximos passos, mesmo dentro de um capítulo. Conseguir transmitir essa dinâmica algo explosiva para um set de filmagem, valorizando o instante acima de tudo, foi para mim o grande desafio do processo.

O personagem mais importante de A Morte de J. P. Cuenca é a cidade do Rio de Janeiro. De que maneira você a enxerga a partir do filme?
CUENCA: Eu a enxergo como um organismo em permanente decomposição e reconstrução, sendo demolida e eviscerada ao mesmo tempo em que é posta de pé, costurada em remendos. A cidade está na maca de autópsia do necrotério. A cidade está parindo a si mesma. Está viva e está morta.

Por que fazer cinema, em meio a uma trajetória literária de consagração?
CUENCA: Não chamaria minha trajetória literária como de "consagração". Acredito mais é na construção. O cinema faz parte desse processo. Sempre quis dar esse passo, desde antes de publicar meu primeiro livro, mas no meu caso foi tão difícil que tive que morrer para isso. 


Quais são seus futuros passos na Literatura?
CUENCA: Depois do Festival do Rio viajo para Portugal para o lançamento de Descobri que estava morto, pela editora Caminho. O livro é complementar ao filme e sai primeiro por lá. No Brasil, o lançamento vai ser apenas em 2016.