Há um certo tipo de humor escondido pelos cantos de Rosario, filme de terror do diretor Felipe Vargas, que faz dele uma experiência infinitamente mais interessante. O longa começa a mostrar suas garras cômicas quando a personagem título (Emeraude Toubia) chega ao apartamento da avó, numa noite de nevasca em Nova York, após receber uma ligação do síndico do prédio (Paul Ben-Victor), que a encontrou morta no local.
O edifício, é claro, está caindo aos pedaços. O elevador não funciona; o senhorio está sempre mexendo em alguma caixa de energia que solta faíscas; acumulações assustadoras de mofo se escondem nas sombras dos tetos excessivamente altos; portas emperradas se mostram impossíveis de abrir; janelas emperradas se mostram impossíveis de fechar. Para completar, o vizinho da falecida é um cara que parece perpetuamente doente (David Dastmalchian).
Enfim: Vargas e o seu roteirista, Alan Trezza (Enterrando Minha Ex), se divertem à beça brincando com os arquétipos de precariedade da metrópole pela qual claramente são apaixonados. É um tipo de escárnio que vem de uma vivência real, mas também de certo carinho - uma autoconsciência venenosa que nunca ultrapassa o limite do cínico.
Embora tenha sido filmado na Colômbia (como o diretor contou em entrevista ao Omelete), Rosario é um filme marcadamente nova-iorquino em sua autodepreciação urbana. Melhor ainda é perceber que, nesse pique, a protagonista Emeraude Toubia (a eterna Isabelle de Shadowhunters) entrega uma performance que não deixa de lado o bom humor conforme Rosario vai se envolvendo nas práticas ocultas de sua falecida abuela.
Nas mãos dela, a personagem-título é muito mais heroína de ação do que scream queen - ela nunca perde a pose, e muito menos a oportunidade de dizer alguma frase de efeito antes de dar na cara do monstrengo da vez. Há fisicalidade na performance, é claro, mas também uma flutuação rápida de tom que também é da comédia. Toubia encontra o ponto certo das duas coisas com desenvoltura.
Por trás das câmeras, Vargas respeita essa agilidade, mas também injeta energia na elaboração do terror. Rosario é inventivo com os aspectos mais artesanais do gênero, seja na construção visual de suas criaturas e cenários (pedaços expostos de arame e carne, superfícies cobertas de sujeira em crostas endurecidas) ou em como apresenta as situações que definem os confrontos deles com a protagonista. Inspirada na religião afro-latina palo, a mitologia do filme se destaca no mar de terror baseado em simbologia cristã ou pagã, apresentando novas regras e conceitos para o espectador e explorando os desafios que eles representam.
É verdade que o paralelo entre a palo e o histórico imigratório dos personagens de origem latina, na forma como o roteiro de Trazza o desenha, é tênue. Dentro da pouco mais de 1h20 de Rosario, no entanto, ele se sustenta até razoavelmente bem como um estofo dramático do qual o filme mal necessita. No fundo, o exercício de gênero bem humorado que ele faz importa mais do que os desenhos alegóricos do texto, e tanto Vargas quanto Toubia parecem entender isso muito bem.
Talvez não seja o bastante para escapar de certa superficialidade, é claro. Em alguns momentos - principalmente nos últimos minutos, que subvertem desnecessariamente ideias que o filme passou o resto do tempo construindo -, essa fraqueza narrativa fica bem mais exposta. É uma precariedade que diverte bem menos do que a do prédio da falecida vovozinha.