DreamWorks/Divulgação

Filmes

Crítica

Por necessidade ou decisão artística, novo Spirit escolhe o retrô e convence

Filme inscreve seu nome na moda das animações 3D com cara de 2D, na base da pechincha

11.06.2021, às 14H08.
Atualizada em 11.06.2021, ÀS 14H19

Fala-se muito sobre a precarização do trabalho na indústria dos games, do regime radical de horas extras trabalhadas para entregar um jogo a tempo, mas no mundo do cinema, sempre envolta na mítica da “fábrica de sonhos”, essas questões escapam da pauta dominante. É curioso ver um filme todo produzido durante a pandemia, como este Spirit - O Indomável, por exemplo, e notar como o acabamento da computação gráfica pode indicar uma produção barateada pelas circunstâncias.

O longa dirigido pelos estreantes Elaine Bogan e Ennio Torresan Jr. revisita o Spirit de 2002, uma das primeiras produções da DreamWorks Animation, lançada um ano depois do Shrek original. Se aquele Spirit de 2002 era uma bem-sucedida animação em técnica tradicional com discretos elementos desenvolvidos em 3D, o Spirit de 2021 faz o contrário: é uma animação toda em computação gráfica que recorre pontualmente ao 2D - ou pelo menos à estética chapada do 2D, como se faz habitualmente na renderização com técnicas de cel shading.

O resultado é um filme que parece mais barato do que o CGI padrão do mercado, porque as texturas são menos salientes do que num longa normal da Pixar, por exemplo. E de fato Spirit - O Indomável é mais barato; seu orçamento de US$ 30 milhões foi direcionado para a Jellyfish Pictures, que realizou o longa fora das estruturas da DreamWorks (terceirização que o estúdio já havia usado em As Aventuras do Capitão Cueca). Na tela, parece às vezes que este Spirit foi lançado sem estar totalmente renderizado.

Obviamente há toda uma discussão possível aí acerca dos modos de produção da indústria, mas o fato é que a relativa precariedade de Spirit - O Indomável combina com o filme. Da sua trama absolutamente linear e descomplicada, ao elogio que se faz da vida mundana do campo (em oposição às proteções dos casarões da aristocracia), tudo aqui parece se harmonizar muito bem com a simplicidade visual. O resgate da animação tradicional é uma tendência no cinema para injetar vitalidade na computação gráfica (basta ver como a Sony mescla 2D e 3D em Aranhaverso ou Família Mitchell) e, de certa forma, talvez na base da pechincha, este novo Spirit arrumou para si um espacinho nessa tendência. 

Quem espera um épico equestre cheio de reviravoltas talvez se desaponte, portanto, com essa história ligeira que marca a volta do corcel caramelo; não é preciso reassistir o filme de 2001 para entender o novo, mesmo porque o parentesco imediato é com a série da Netflix de 2017, Spirit Riding Free, cujos personagens humanos e suas histórias são recontados aqui em forma de longa-metragem. Na onda das produções com consciência social, Spirit - o Indomável coloca uma garota no papel principal, que fala inglês e espanhol e tem uma amiga negra. (A regra discutível de desenhar protagonistas como figuras magérrimas cercadas de personagens mais cheinhos continua inabalável, porém.)

De Bogan e Torresan, vale dizer que esta estreia na direção acontece sem muitos percalços. A dupla tem a preocupação de trabalhar a câmera sempre em função da ação (com planos aéreos que situam o espectador dentro do espaço, como nas tomadas que localizam vagões do trem antes de uma nova cena de perseguição começar) e isso já é bastante louvável. O público não se perde na correria e consegue aproveitar aquilo que o filme se propõe a oferecer, que é uma narrativa do essencial (o que aliás todo western clássico também almejava ser). Comparar este filme quase contemplativo com um Família Mitchell, por exemplo, com sua exaustão sensorial e de informações, é outro indicío de que Spirit mirou no retrô e não errou o alvo.

 

Nota do Crítico
Ótimo