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Crítica

Crítica: Montanha de Abandono

Filme sul-coreano consegue acompanhar o drama infantil de conhecer o mundo por conta própria

06.11.2009, às 10H00.
Atualizada em 06.11.2016, ÀS 02H04

A sul-coreana Kim So-yong forma com o seu marido, o estadunidense Bradley Rust Gray, uma das parcerias mais interessantes do cinema atualmente. Ela produziu o primeiro longa dele, Salt (2003), e produziu e montou o segundo, The Exploding Girl (2009) - ambos exibidos na Mostra. Já Gray coescreveu e produziu o primeiro filme dela, In Between Days (2006), e monta e produz o segundo, Montanha de Abandono.

Ainda que falem línguas distintas e se passem em hemisférios opostos, esses filmes têm em comum a procura do olhar - depreender o que acontece ao redor por meio das reações nos rostos dos personagens. É um cinema que confia pesado nas interpretações de seus protagonistas, e em Montanha de Abandono é de espantar que as duas meninas Kim Song-hee e Kim Hee-yeon, respectivamente de três e seis anos, se saiam tão bem.

Elas não são irmãs nem parentes da diretora. No caso de Hee-yeon, a mais velha, também chama atenção que este seja o seu primeiro filme. A câmera já começa grudada nela. A personagem, Jin, está saturada com informações que surgem de todos os lados - na escola, não parece entender muito do que a professora fala, na rua, segue desatenta e olhando para o alto, em casa, continua fazendo xixi na cama, apesar de já ter seis anos.

Mas Jin rapidamente terá que aprender a cuidar de si e de sua irmã mais nova, Bin (Song-hee), porque a mãe decide partir sozinha atrás do marido que a abandonara com as filhas. Jin e Bin trocam, à força, a vida corrida em Seul pelo marasmo da casa de uma tia, no interior. A mãe promete voltar para buscá-las quando Jin e Bin encherem um cofre-porquinho rosa, de plástico, com moedas, que elas ganharão da tia sempre que a obedecerem.

Premissa assim sugere um típico dramalhão asiático, com as meninas abraçadas ao porquinho de um lado para o outro... Mas não é o caso. Kim está mais interessada em contar como, a partir de uma situação de carência, as duas crianças começam a compensar a falta da mãe. A boa tradução em português do título deixa claro que assistiremos a um acúmulo de abandonos, mas na verdade o que importa é o acúmulo de experiências.

E aí é vital a opção que se faz pela câmera intimista. A diretora de fotografia Anne Misawa a todo momento pega Jin no close-up, mas sem ser invasiva. Na primeira vez que a menina chora alto, por exemplo, ela está de costas para a câmera, e some da nossa vista quando se senta no chão. Esse longo processo em que capturamos e retemos da menina toda a sua descoberta do mundo nunca é, no filme, uma relação de exploração.

Nesse sentido, o extracampo (toda a ação que ocorre fora do enquadramento) interpreta papel importante em Montanha de Abandono, o de preencher lacunas. Onde há tanta informação visual que seria até impossível pegar tudo, como em Seul, a câmera se fecha mais em Jin e o que recebemos são os sons do que acontece ao redor. Já na cidade pequena, a câmera se distancia um pouco mais da menina. Na fazenda, o plano geral abre de vez, e a paisagem se revela também para o espectador.

Aliás, o conceito de distanciamento é fundamental também no drama das meninas. É tocante, por exemplo, que Jin mantenha-se longe, no extremo esquerdo do quadro, quando a avó, no extremo direito, a chama para "ver uma coisa". Jin entende, depois do acúmulo de abandonos, o preço sentimental pago por se aproximar demais das pessoas.

É tamanho o êxito do filme nesse trabalho de se aproximar/distanciar das meninas que até se perdoa a mensagem primitivista que Montanha do Abandono quer passar - a de que a criação e a educação plena estão não na metrópole saturada, mas na pequena vila. E uma pureza primeva que corre o risco de se extinguir, porque os caminhões e as escavadeiras que fecham o filme não foram enquadrados a esmo. Nada nos filmes de Kim e Rust Gray é enquadrado por acaso.

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Nota do Crítico
Ótimo