The Gifted | Primeiro episódio da série dos X-Men acerta o tom ao levar os mutantes para TV
Ainda que atração não apresente grandes inovações, conquista por apostar em trama simples
Após anos restritos ao cinema, as versões live-action dos mutantes da Marvel estão invadindo a televisão: depois de Legion e pouco antes de Manto e Adaga, a nova série The Gifted estreia em 3 de outubro no Brasil, um dia após o lançamento norte-americano. A trama gira em torno da família Strucker, cuja vida vira de cabeça para baixo após a descoberta de que os filhos adolescentes são mutantes em um período político extremamente hostil em relação a pessoas com poderes. Além disso, o pai dos jovens trabalha caçando mutantes e precisa rever os próprios conceitos ao ver os filhos sendo caçados pelos ideais nos quais depositava a própria fé.
A série se passa em um momento em que os X-Men estão desaparecidos - provavelmente foragidos por conta das leis anti-mutantes terem se tornado mais rígidas - e não há nenhuma menção direta à escola de Charles Xavier. Curiosamente, um dos trunfos da trama está justamente no processo de aprendizado dos jovens. Uma das melhores cenas do episódio de estreia mostra Lauren (Natalie Alyn Lind) usando uma vending machine para ajudar o irmão a treinar os poderes recém-descobertos. As habilidades dos mutantes não florescem em paralelo à puberdade gratuitamente: a falta de controle com as mudanças inevitáveis são uma alegoria sobre a adolescência e é essa sensação de falta de controle que gera, em certa parte, a empatia e a identificação do público com os dilemas dos jovens mutantes.
Além disso, The Gifted aborda bem a questão da tolerância, grande fio condutor da narrativa dos X-Men. Até o evento que revela os poderes de Andy (Percy Hynes White), os Strucker são uma família comum, que, sem se questionar, reproduz o preconceito sobre aquilo que não faz parte da sua realidade. Não só o patriarca Reed (Stephen Moyer, em uma atuação bem sofrida) trabalha combatendo mutantes sem abrir espaço para uma reflexão ética e moral de suas atividades como o próprio Andy usa termos pejorativos para se referir a eles, gerando um embate entre o rapaz e sua irmã.
Contudo, as coisas mudam de figura quando os poderes de Andy afloram de uma forma perigosa, colocando a vida de vários jovens em perigo. A cena da descoberta de que o caçula Strucker é um mutante e de Lauren saindo do armário após três anos escondendo os poderes é algo que reflete a essência dos X-Men. Reed e Kate (Amy Acker) só se permitem enxergar a forma absurda como mutantes são tratados quando as pessoas que eles amam estão prestes a se tornarem alvos desses tratamentos. Não é X-Men de verdade se não tiver uma mensagem forte de aceitação e respeito às diferenças e The Gifted acerta nisso.
Há também paralelos políticos interessantes. Na série, os personagens consideram a possibilidade de fugir para o México em função do país ter leis anti-mutantes mais brandas. A forma como os X-Men historicamente lidam em todas as plataformas de atuação com questões geopolíticas contemporâneas é bem peculiar e a escolha do México, alvo frequente da xenofobia de extremistas norte-americanos, não soa gratuita nessa pequena passagem. Mas, ainda que esbarre nas discussões filosóficas universais ao universo dos X-Men, a trama é bem simples e evita a complexidade de sua série-prima sobre David Haller - usando como base apenas o episódio de estreia de The Gifted, Legion continua sendo a melhor adaptação dos mutantes para a televisão.
Os efeitos da série são satisfatórios levando em conta o padrão das séries de super-heróis da televisão americana. Vários deles acertam, como os portais de Blink (Jamie Chung), a manipulação eletromagnética de Polaris (Emma Dumont) ou o controle de fótons por parte de Eclipse (Sean Teale) - há, inclusive, um momento interessante desse último personagem nesse sentido, quando ele leva um tiro e, ao invés de sangue, a ferida transborda luz. Há, é claro, alguns excessos típicos da televisão, como a quantidade de faíscas pouco convincentes que pulam de todos os lados sempre que algo explode e há também coisas que precisam ser melhor trabalhadas, como a interação de Lauren com seus campos de força.
O núcleo de personagens da resistência também é bem interessante: apesar do visual apenas parcialmente fiel aos quadrinhos, Dumont e Chung agradam como, respectivamente, Polaris e Blink do mesmo modo que Eclipse, criado especialmente para a série, dá indícios de ser uma aquisição interessante para o universo dos mutantes. Seria interessante ver a Sentinel Services, personificação vilanesca e corporativista das Sentinelas dos quadrinhos, mais imponentes - mas, mesmo com as limitações comuns da televisão, o órgão governamental de combate aos mutantes cumpre bem seu papel.
The Gifted obviamente não tem os recursos cinematográficos para construir o universo dos mutantes com efeitos mais impressionantes, mas tem o trunfo de ter mais tempo para permitir que os mutantes construam narrativas mais pontuadas pelos detalhes, como nos quadrinhos. Pelo episódio de estreia, a série não soa como uma atração com a pretensão de dar passos maiores que as pernas - ainda que Bryan Singer esteja entre os nomes da produção executiva e assine a direção do episódio - e deixa o espectador com uma vontade genuína de acompanhar a saga dos jovens mutantes acuados por uma sociedade intolerante. E, é claro, para os fãs dos quadrinhos, há também a clássica e icônica participação de Stan Lee, que por si só já faz a experiência valer a pena.
The Gifted será transmitida pelo canal pago Fox no Brasil, e tem estreia marcada para 3 de outubro, às 22h30.