Depois de dar o que falar no Festival de Cannes 2024, A Substância está finalmente chegando aos cinemas brasileiros - mais especificamente, o longa estrelado por Demi Moore entra em cartaz no próximo dia 19 de setembro.
Na trama, Moore é uma apresentadora de TV que se vê em declínio profissional com o envelhecimento. É quando ela descobre a tal substância, que promete criar "uma versão melhor de você" - o que se traduz meio literalmente, no caso da protagonista, uma vez que ela se vê subitamente em um corpo mais jovem (Margaret Qualley) e de volta à crista da onda do showbusiness.
Dirigido e escrito por Coralie Fargeat (Vingança), A Substância se aproxima do subgênero de terror conhecido como body horror, brincando com nossas ansiedades em relação ao corpo e às possíveis distorções dele. É uma tradição longa dentro do cinema de horror - por isso, neste mês de setembro, o Omelete resolveu indicar um filme por dia para quem quer mergulhar nesse universo.
Vem com a gente!
*Esta lista será atualizada diariamente entre os dias 1º e 30 de setembro.
Titane
Onde ver: Disponível para streaming na MUBI.
Vamos começar, por que não, com um descendente direto de A Substância. Vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes 2021, Titane expande o pendor da diretora francesa Julia Ducournau ao body horror com a história de uma mulher cuja fisiologia vai aos poucos se misturando com a de um carro. Muito mais surtado e explícito do que o filme anterior da cineasta, e muito mais conectado a chavões recorrentes do subgênero - como as transformações da gravidez e as perversões contemporâneas do sexo -, este épico com tintas de surrealismo faz uma boa sessão dupla com A Substância até por representar um bem-vindo ponto de vista feminino sobre o body horror.
Do Além
Onde ver: Disponível somente em mídia física.
O grande clássico do currículo do diretor Stuart Gordon talvez seja Re-Animator (1985) - mas, um ano depois, ele fez o que é provavelmente a sua obra-prima do horror. Do Além reúne o cineasta com os parceiros de crime Brian Yuzna e Dennis Paoli (e com dois astros de Re-Animator, Jeffrey Combs e Barbara Crampton) para adaptar outra história de H.P. Lovecraft em um filme mais nojento, mais perverso, mais sexy e mais perturbador do que o seu predecessor. Com alguns dos melhores efeitos práticos da história do cinema, Do Além vai te divertir, te incomodar, te arrepiar e te lembrar dos bons tempos em que o cinema de horror era um caos (pouquíssimo) controlado, ao invés de um ativo essencial (e super protegido) da indústria.
A Cor que Caiu do Espaço
Onde ver: Disponível somente em mídia física.
Para uma abordagem mais moderna do lado body horror das histórias de Lovecraft, uma boa pedida é A Cor que Caiu do Espaço, estrelado por Nicolas Cage em 2019. Apoiado na quebra da normalidade idílica de uma família que vive em área rural dos EUA, o filme de Richard Stanley (A Ilha do Dr. Moreau) se preocupa com as neuroses escondidas por trás do sonho americano, mas também se delicia com as possibilidades perturbadoras da distorção física lovecraftiana, especialmente em um terceiro ato agonizantemente prolongado, que só vai ficando mais insano a cada minuto. Uma das pedras fundadoras da Cage-ssance, e um dos filmes de horror mais inquietantes dos últimos anos.
Alien - O 8º Passageiro
Onde ver: Disponível para streaming no Disney+.
É curioso pensar em Alien - O 8º Passageiro como uma peça subversiva de body horror hoje em dia, quando o longa de Ridley Scott se desdobrou em inúmeras sequências e spin-offs - uma delas, inclusive, em exibição nos cinemas atualmente. Mas basta rever o filme de 1979 para entender que Scott estava trafegando com franqueza nos chavões deste subgênero, fixado nas mudanças corporais trazidas pelo parasitismo do xenomorfo, elaborando uma metáfora sobre abuso sexual com seus personagens escalados sem distinção de gênero, e se aproveitando dos designs incômodos de H.R. Giger para criar uma variedade de criaturas que dão arrepios pelos motivos mais oblíquos possíveis.
Primavera
Onde ver: Disponível somente em mídia física.
Um body horror que dobra como cinema cartão-postal, e ainda faz jornada tripla como um belo drama indie sobre reencontrar a possibilidade de vida diante do luto e da morte, Primavera ainda é o melhor filme da dupla Justin Benson e Aaron Moorhead (mas Resolution, O Culto e Synchronic também são excelentes). Do lado do terror corporal, essa história sobre um americano (Lou Taylor Pucci, o eterno “Jesus of Suburbia”) que viaja para a Itália e se apaixona pela bela Louise (Nadia Hilker), larga tudo por ela, mas logo percebe que a beldade esconde um segredo arrepiante. Efeitos práticos chocantes estão no cardápio, é claro, mas eis aqui um filme mais gentil, sentimental, para quem quer começar a explorar o subgênero.
Crash: Estranhos Prazeres
Onde ver: Disponível para streaming no Oldflix.
Não dá para indicar outro body horror neste 6/9, o Dia do Sexo. Crash: Estranhos Prazeres escancarou a sensualidade do subgênero pelas mãos do seu mestre, David Cronenberg (espere mais alguns filmes dele por aqui!), ao contar a história de um produtor de TV (James Spader) que se envolve com um culto fetichista que tira prazer sexual das imagens geradas por acidentes de carro - e as deformações corporais causadas por eles. Nessa conjunção perturbadora e transgressiva de violência, sangue e sexo, o filme de 1996 de Cronenberg o sagrou como um dos artistas mais subversivos e fascinantes de sua época, um herói cult que, inevitavelmente, nunca seria amado por Hollywood.
Cisne Negro
Onde ver: Disponível para streaming no Disney+.
Muito se fala neste marcante filme de Darren Aronofsky como um thriller psicológico, mas ele carrega mais do que uma pitada de body horror em sua receita. A transformação de Nina (Natalie Portman) na protagonista dupla de O Lago dos Cisnes frisa o sacrifício físico do ballet, e os reflexos corporais da ansiedade paranóide na qual a personagem vai caindo, com muita frequência e muita eficiência - aquela cena do banheiro que o diga. E o final, quando Nina troca braços por asas e olhos humanos por animais, é material primário dos pesadelos do subgênero.
Aniquilação
Onde ver: Disponível para streaming na Netflix.
Agora, se você é fã de Natalie Portman, mas está procurando uma abordagem mais tradicional do body horror, Aniquilação é a pedida certa. Quando um time de cientistas adentra uma área misteriosa de floresta na qual as leis da natureza são distorcidas, o cineasta Alex Garland (Ex Machina, Men, Guerra Civil) mergulha em um território de distorção corporal, reclamação da natureza e perturbação cósmica que é o arroz-e-feijão do subgênero - e faz isso muitíssimo bem, obrigado. Subestimado diante da popularidade das outras obras do diretor, é um filme que merece ser redescoberto.
A Mosca
Onde ver: Disponível para streaming no Disney+.
Voltamos a nossa programação normal - ou seja, filmes de David Cronenberg. De certa forma, no entanto, A Mosca é o body horror do grande cineasta canadense, eternizando o seu domínio absoluto do subgênero ao resgatar um conto de terror sobre um cientista (Jeff Goldblum) que, na ânsia de criar um dispositivo de teletransporte, acaba misturando o seu DNA com o de uma mosca - com resultados obviamente arrepiantes. A história já tinha virado filme nos anos 1950, mas a junção de dois artistas audaciosos como Cronenberg e Goldblum, além dos magos da maquiagem Chris Walas e Stephan Dupuis (que venceram um Oscar merecido pelo trabalho) resultou em um clássico absoluto.
Grave
Onde ver: Disponível somente em mídia física.
E, se voltamos para Cronenberg, também podemos voltar para Julia Ducournau. A cineasta francesa explodiu no mundinho cinéfilo com este longa incômodo e temperamental sobre uma universitária vegetariana que, após ser obrigada a comer carne no trote, começa a desenvolver comportamentos… digamos, curiosos. Amarrando as explorações do body horror ao descobrimento da sexualidade, Ducournau fala da repressão social ao libido feminino, e das sombras nas quais essa voracidade é obrigada a se esconder, com muita audácia visual e narrativa. E aquele final é inesquecível.
Desejo e Obsessão
Onde ver: Somente mídia física.
Engana-se, é claro, quem acha que Julia Ducournau - ou Coralie Fargeat, aliás - foi a primeira cineasta do sexo feminino a se apropriar dos chavões do body horror. Em Desejo e Obsessão, a fantástica Claire Denis deixou as suas usuais preocupações físicas extrapolarem em um conto paranoico de terror sobre maridos abusivos, repressão da libido feminina, e a conexão íntima entre sexo e violência dentro da estrutura social na qual vivemos. Extremo em seu gore, mas temperamental e oblíquo em seu ritmo que se aproxima mais do cinema arthouse francês do que das prateleiras mais baixas do gênero, Desejo e Obsessão é body horror para a turminha erudita.
Possessão
Onde ver: Disponível somente em mídia física.
No mesmo pique de distorção feminina, e no mesmo métier de cinema cult, Possessão ocupa um lugar de honra na coleção de curiosidades de qualquer cinéfilo. Com uma das performances femininas mais viscerais da história do cinema, entregue por Isabelle Adjani, a produção foi a forma que o cineasta polonês Andrzej Żuławski encontrou de exorcizar os demônios de seu divórcio em uma história de horror corporal e marital perturbadora. Trafegando nos chavões mais incômodos do gênero - de doppelgangers a sexo com monstros - e se recusando a simplificar suas abstrações para o espectador, é uma obra de estranheza ímpar.
O Enigma do Horizonte
Onde ver: Disponível para aluguel e compra no Prime Video e Apple TV+.
Em 1997, Paul W.S. Anderson era só “o cara do Mortal Kombat”, o que fez sua escolha de próximo projeto bastante curiosa. O Enigma do Horizonte mistura horror cósmico e corporal - esse é outro para os fãs das adaptações de Lovecraft que apareceram no começo da nossa lista - ao contar a história de um grupo de astronautas que, ao tentar resgatar os colegas de uma outra nave, esbarram com um portal interdimensional do qual visões horrendas de todos os tipos começam a brotar. Anderson, sempre um autor vulgar de primeira linha, trafega nos chavões mais básicos do sci-fi de horror com um prazer óbvio, que vai divertir principalmente os fãs mais obcecados pelos dois gêneros.
Seres Rastejantes
Onde ver: Disponível para aluguel e compra no Prime Video e Apple TV+.
Muito antes de ser nome forte do cinema de super-heróis - mas um pouco depois de fazer o seu nome como roteirista de Scooby-Doo -, James Gunn trafegou no body horror sem se esquecer do seu pendor para a comédia. Seres Rastejantes se aproveita muito do arrepio natural que todo ser humano sente ao ver corpos modificados por organismos invasores (e também do nosso asco por insetos e larvas) para criar uma aventura explícita, sangrenta - mas, ainda assim, bastante divertida - sobre invasão extraterrestre, vínculos afetivos e impulsos de sobrevivência. Para quem quer conhecer o lado B de Gunn, é a pedida certa.
Tusk: A Transformação
Onde ver: Disponível para streaming na Max.
Outro cineasta conhecido do público nerd, Kevin Smith, teve sua própria “recaída” no body horror com este curioso filme de 2014, em que Justin Long interpreta um apresentador de podcast que é atraído para a mansão de um ricaço que pretende transformá-lo em uma morsa - é isso mesmo que você leu, juro! A tal transformação, que também está no titulo, é realizada com efeitos de maquiagem impressionantes para o orçamento modestíssimo do filme (foram US$ 3 milhões!), e o tom sempre autoirônico de Smith garante que Tusk vai divertir tanto quanto aterrorizar.
Vagina Dentata
Onde ver: Somente mídia física.
Meio body horror, meio rape-revenge (outro subgênero bem popular do terror, em que protagonistas femininas se vingam violentamente de seus abusadores), Vagina Dentata se aproveita de uma condição médica fictícia que tem vivido no âmbito das lendas urbanas há séculos para contar uma história de amadurecimento feminina que responde a violência misógina com a mesma moeda. Queridinho da cinefilia indie estadunidense quando foi lançado, em 2007, o longa de Mitchell Lichtenstein é talvez um pouco menos extremo do que seus companheiros de lista, mas mina com habilidade tanto o horror quanto o humor (ácido, é claro) de sua premissa.