Os Winchesters acerta ao mirar na pura nostalgia
Prelúdio de Supernatural foi planejado para repetir o sucesso do original... e provavelmente vai conseguir.
Créditos da imagem: HBO Max/Divulgação
Por mais que uma olhada no piloto de Supernatural faça parecer que estamos diante do mais absoluto produto dos anos 90, a estreia da série na televisão americana aconteceu em Novembro de 2005, um período em que já podíamos sentir as mudanças do começo da Terceira Era de Ouro da Televisão, mas que ainda tinha a TV tradicional batalhando para manter vivas as suas fórmulas. Pautada por criaturas e demônios assustadores, Supernatural era uma série de TV que exalava conservadorismo narrativo.
O modelo procedural de contar histórias (com “casos da semana” a cada episódio) é quase inimaginável nos dias de hoje como exemplo de sucesso. Os maiores títulos do mercado atual – os mais respeitados e premiados, pelo menos – não são construídos nessas bases. Assim como o sitcom com plateia parece deslocado no mundo das comédias, o drama procedural sobrevive com o apoio absoluto da nostalgia. Até mesmo aqueles que invocam o recurso agora, o fazem para dar ao público uma sensação de conforto, de familiaridade.
15 anos depois, Supernatural chegou ao fim e pouco tempo depois recebemos Os Winchesters. Prelúdio calculado para manter a audiência fiel do original, a nova série também trabalha para ser atraente para novos espectadores mas que tenham especial carinho pela “cartilha noventista” que segura as pilastras de ambas. Está tudo lá: a dupla de experiente vs. novato, a tensão romântica entre protagonistas, a turma meio Scooby-Doo que ajuda a caçadora, a mentora que dá respostas encontradas em livros convenientes, as armas que ajudam a resolver qualquer problema, os efeitos especiais duvidosos... e também muito carisma. Os Winchesters funciona, isso fica evidente muito rápido.
Mary: A Caça-Vam... ops.
O senso de nostalgia em Winchesters está em absolutamente tudo. A ideia de contar a juventude dos pais dos protagonistas de Supernatural levou o público para os anos 70, uma época visualmente interessante e que pode oferecer roteiros caracterizados pela paranoia maligna que tomou conta dos EUA depois do ano de 1969, quando Charles Manson e seu grupo de hippies assassinos atualizaram as definições de medo em plena Hollywood.
É esse mundo que o jovem John Winchester (Drake Rodger) encontra quando volta do Vietnã. Ele não conhece Mary (Meg Donelly) da maneira mais original do mundo, mas os dois acabam formando uma conexão imediata pela mesma razão que reaproxima Dean e Sam lá no futuro: pais desaparecidos. O roteiro do episódio piloto foge de dar maiores explicações sobre por que John não estranha tanto que Mary passe a vida caçando demônios. O mais importante é que ele se integre ao grupo e com isso, a lista de monstros da semana possa começar a rolar já no episódio 2.
Mary surge em cena destemida e charmosa, dando pontapés em pessoas possuídas e tirando os cabelos loiros do rosto. Em determinados momentos parece que ela vai tirar uma estaca do bolso e furar o coração de um vampiro, fazendo-o virar aquele pó digital esquisito e bem baratinho. Mary tem um amigo e uma amiga que a ajudam (tal qual Buffy), tem uma mentora enciclopédica (tal qual Buffy) e aparece em cena lendo livros misteriosos, investigando sociedades secretas e ficando sempre em perigo (tal qual Buffy). John não é o Angel, mas a tensão entre ele e a caçadora (chamada assim nos diálogos, tal qual Buffy) será presença constante na série (até porque, enfim, eles vão ter dois filhos no futuro).
Contudo, apesar do tom infanto-juvenil e da recorrência de códigos noventistas, Os Winchesters é uma série com potencial para muitos e muitos anos no ar. Ela tem bom-humor e carinho pelo conjunto de elementos que a constitui. Não se leva a sério demais, mas também não esvazia toda a seriedade. Vai agradar quem ama procedurais de fantasia e também vai ser divertida para quem busca os easter eggs de Supernatural. Muito do que nos mantém apaixonados pela cultura pop vem das memórias que guardamos com carinho. Se uma produção consegue acessar essas memórias, ela merece nosso respeito. Bem... Os Winchesters conseguiram.