Quando a Netflix anunciou que a segunda temporada de Sandman seria a última do live-action, vários fãs, inclusive eu, ficaram assustados com a decisão. Afinal, ainda restavam muitos arcos e histórias da trajetória de Sonho (Tom Sturridge) para serem adaptadas, principalmente alguns bem longos e cuja importância seria essencial para o encerramento da saga. Se o primeiro ano adaptou apenas Prelúdios & Noturnos e Casa das Bonecas, a nova leva de episódios teria a responsabilidade de levar para as telas cerca de sete arcos, que se dividem entre a história principal e contos paralelos. Com a estreia do Volume 1 nesta quinta-feira (3), é certo dizer que, para a surpresa de muitos, a decisão se provou correta.
A principal crítica à primeira temporada feita por parte do público que assistiu à série foi o ritmo escolhido pelos showrunners David S. Goyer e Allan Heinberg, com a benção e supervisão de Neil Gaiman, criador da HQ. Enquanto a primeira metade era mais fluida ao abordar a jornada de fuga e vingança de Sonho, a segunda tropeçou ao buscar adaptar histórias que não necessariamente estavam ligadas ao primeiro arco, mas que a necessidade de criar laços narrativos acabaram por deixar a trama mais arrastada. Este erro é sabiamente corrigido no segundo ano, já que o trio que encabeça o time criativo de Sandman optou por ir direto ao ponto ao contar as principais histórias de Morfeu e deixar de fora uma série de contos.
E o resultado não poderia ser melhor. O Volume 1 traz para as telas contos clássicos como Estação das Brumas, Vidas Breves e A Canção de Orfeu sem perder a essência do que fez os quadrinhos de Gaiman se tornarem tão icônicos. Do retorno de Sonho ao Inferno à sua jornada ao lado de Delírio (Esmé Creed-Miles) em busca de Destruição (Barry Sloane), cada arco tem tempo hábil para ser desenvolvido sem deixar pontas soltas, contando ainda com adaptação de algumas histórias para que alguns personagens marcantes da HQ, como a mulher trans Wanda (Indya Moore), não fiquem de fora.
São nestas histórias que Sandman vai ainda mais fundo nos debates filosóficos que a obra de Gaiman se propôs a fazer. Através de Morfeu e seus dilemas, há discussões sobre escolhas, arrependimento, culpa, cura, aceitação e pertencimento. Temas que há 30 anos eram essenciais e que hoje em dia permanecem atuais. Mesmo tratando-se de entidades divinas e criaturas mágicas, Sandman não poderia ser mais humano.
Se a primeira temporada serviu como o pontapé inicial para este universo, a nova leva também chega para introduzir os membros restantes dos Perpétuos. As adaptações de Destino (Adrian Lester), Delírio e Destruição buscam ser fiéis aos quadrinhos sem deixar que o surrealismo da arte nas páginas impeça que eles pareçam mais reais. Principalmente no caso de Delírio, que deixa de ser aquela garota diretamente conectada ao caos e ganha aqui uma roupagem mais humana, como a caçula da família em busca do carinho e aceitação dos irmãos mais velhos.
O grande trunfo do segundo ano, contudo, continua sendo a interpretação de Sturridge como o personagem principal. Ele leva para o Sonho das telas a mesma sensação de quando acompanhamos sua evolução nas páginas. Morfeu é um dos Perpétuos e uma das entidades mais poderosas do universo, mas, assim como os humanos, é falho, teimoso e muitas vezes cruel. Sua aura soturna predomina, mas é nos seus momentos de vulnerabilidade que encontramos um personagem cativante e em amadurecimento.
Com mais quatro episódios - além de um especial que será focado na Morte -, o Volume 2 da última temporada será responsável por adaptar o fim da jornada de Sonho dos Perpétuos e seu momento mais desafiador. Mas com o resultado dessa primeira parte, posso descansar tranquilo em saber que o Sandman deve ganhar o final poético e empolgante que tanto merece.
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