RuPaul’s Drag Race All Stars 8, episódio final terminando e a apresentadora anunciava aquela que seria a rainha do Fame Game; uma competição formada por todas as meninas eliminadas, que passaram a temporada toda mostrando seus looks temáticos e fazendo campanha nas redes sociais para serem escolhidas pelo público. La La Ri foi a escolhida, ganhou anúncio, coroa e 60 mil dólares; duas vezes mais do que Bebe Zahara Benet e Tyra Sanchez ganharam ao vencer a primeira e segunda temporada. Essa exemplificação deixa muito claro que os tempos e as oportunidades são outros.
É claro que vamos falar sobre como esse processo de escolha da Rainha do Fame Game foi equivocado. Mas, antes precisamos reforçar o impacto dessas duas palavras: tempo e oportunidade. Encontrar quem demonize RuPaul reverberando seu legado como se ele fosse um ato de exploração e oportunismo, não é difícil. Porém, a cada nova temporada do All Stars, um caminho vai se abrindo em meio a uma reta de expectativas novas. A temporada regular já tinha dado muito espaço para meninas terem mais tempo de tela; mas o que RuPaul tem feito pelas retornantes tem sido inacreditável.
Desde o All Stars 2 que a organização de tempo de tela já demonstrou diferenças em relação à temporada regular. As meninas eliminadas puderam voltar em ruvenges e twists de dublagem. Quando a Lipsync Assassin foi instaurada, até mesmo drags de outras temporadas puderam vender suas performances na passarela. No All Stars 7, Ru protegeu as participantes com um esquema de não-eliminação e com editores que varreram para debaixo do tapete todo e qualquer desentendimento. De certa forma, essa experiência de seguir sem o drama da eliminação parece ter fisgado Mama Ru, que tomou decisões surpreendentes para o All Stars 8.
Para começar, nunca se deu tanto dinheiro na corrida. Prêmios em dinheiro pipocam por todos os lugares e no All Stars esses valores chegam ao ápice dos 20 ou 30 mil por uma simples dublagem. Com a aposentadoria do plot da vingança, Ru apareceu com o Fame Game, uma forma de TODAS as eliminadas continuarem mostrando os looks que planejaram, sob a possibilidade de no final, ainda ganharem 60 mil dólares. E se tudo isso já não fosse incrível, elas ainda puderam mostrar seus talentos no Talent Show e – no episódio seguinte – quais eram seus looks de season finale. Por dois episódios inteiros as eliminadas permaneceram no ateliê, se montando, performando no palco e aumentando o alcance que a plataforma havia lhes dado.
Curiosamente, ao mesmo tempo em que Ru oferece a elas uma quantidade absurda de possibilidades de exposição, elas oferecem cada vez menos senso de narrativa. O All Stars 6 foi cheio de afeto e apoio mútuo; no 7 soubemos por elas que houve algum drama, mas que ele foi escondido pela edição. Enfim, embora o All Stars 8 tenha voltado ao formato de eliminações entre elas, a cada pequena possibilidade de conflito, todas acabavam administrando as ocorrências com diplomacia. Nem mesmo a bisonha desistência de Heidi escapou disso. Endinheiradas e brifadas para não arranhar a chance de uma nova reputação, as queens mantém a edição All Stars cada vez mais próxima da plena e segura neutralidade.
The InFame Game
Começamos essa oitava temporada com boas expectativas. Tínhamos no elenco Kandy Muse; uma participante que orbita conflitos o tempo todo; e que não tem muita paciência com as concorrentes. Kandy até perdeu essa paciência em um ou outro momento, mas depois da recepção ruim que teve em sua temporada, veio disposta a se comprometer menos e garantir mais contratos. Precisávamos aceitar que o All Stars 8 seria, novamente, como foram o 6 e o 7: monocórdio.
A confusão e o disse-me-disse provocados pela postura de Heidi acabaram não fazendo a trama andar e só serviram para machucar a imagem dela. Heidi fez uma passagem péssima pela edição, indo do mau-humor à incapacidade tacanha de aceitar os termos da corrida. Quando a decisão de desistir veio, ela já tinha invocado a possibilidade em trechos do Untucked, simplesmente porque estava “salva”. Fez a linha “eu sou boa demais para isso” e saiu nos piores termos. Uma pena.
Com exceção dela e de Darienne (que fez uma passagem melhor na sexta temporada), a temporada 8 redimiu várias das meninas. Jaymes e Kahanna puderam permanecer mais tempo no ar (Kahanna teve uma notória evolução de looks) e mesmo as meninas que não demonstraram tanta evolução assim – como Alexis e La La Ri – não passaram vergonha (Naysha está passando vergonha com o que está fazendo aqui fora, aproveitando qualquer microfone para falar de teorias conspiratórias sobre a produção do programa). O All Stars 8 acabou sendo muito bom para Jessica Wild, que fez o que se espera de uma menina das temporadas iniciais: demonstrou ainda mais talento e profissionalismo.
Jessica talvez pudesse ter vencido se Jimbo e Kandy não tivessem sido escaladas. É claro que Jimbo está anos-luz à frente de Kandy no que diz respeito a talento, mas precisamos começar a deixar de lado a antipatia por Miss Muse e reconhecer que ela sabe jogar como poucas queens que já passaram por ali. Kandy ainda não aprendeu como proporcionar seu corpo, mas trouxe looks com mais orçamento pelo menos. Ela não é confiável, não é muito engraçada, não é muito talentosa, não é muito boa na passarela e de muito mesmo só sua prepotência. Mas, ela sabe jogar a Drag Race. Ela sabe, é isso... vamos aceitar (e ganhou meu respeito não eliminando Jimbo mesmo sabendo que perderia se não o fizesse).
Jimbo, aliás, já está na galeria de vencedoras lendárias, onde eu coloco com muito orgulho as ilustres Jinkx Moonson, Bianca Del Rio, Alaska Thunderfuck e Shang... ops. Minhas lembranças de Jimbo na sua estreia no Canadá não são boas. Mas, o nível de impacto que ela alcançou no All Stars foi simplesmente colossal. Looks, performances... ainda que nos lipsyncs o trabalho tenha sido mediano, ela conseguiu vencer um deles apelando para o que tem de mais forte: sua estranheza. Jimbo estava mais simpática, mais emocional e mais focada. Sua passagem pela temporada foi linda de acompanhar e fez valer nosso tempo.
Os desafios, contudo, ainda se mantêm em desequilíbrio. RuPaul acerta mantendo o Roast, o baile, o makeover... Mas, insiste nas bombas dos desafios de atuação com aqueles roteiros estapafúrdios e sem graça nenhuma. A temporada até reservou a surpresa da ordem inversa de alguns dos desafios e inovou com a chegada de um Top 2 à final, ao invés de um Top 4 ou 3. Esperamos ansiosos pela “abertura da biblioteca” e ela só veio no fim. Esperamos pelo show de talentos e ele também só veio no fim. Contudo, a quantidade horrenda de dublagens de músicas originais já deixou esse show de talentos bastante destalentado.
Quando, enfim, chegou a hora de distribuir coroas, a Rainha do Fame Game acabou sendo La La Ri, que não só não surpreendeu na competição, como conseguiu uma vantagem que joga por terra todo o objetivo do twist. Se a ideia era deixar que os fãs escolhessem a vencedora (e medir a popularidade da rainha a partir disso), não faz sentido nenhum dobrar ou triplicar a votação de uma delas a partir de uma brincadeira com sorte. Uma das outras poderia estar na frente na votação original, por exemplo; e La La passou não por ordem dos fãs, mas por conta de uma virada maluca que eliminou totalmente o valor da competição.
A vitória de Jimbo, contudo, foi merecida e acertada. E talvez ela tenha sido a última do formato All Stars que veio de uma competição enquadrada no sistema de eliminações. Com o sucesso do All Winners e a busca de Ru pela proteção das reputações, um modelo sem eliminações parece quase inevitável. Foi-se o tempo em que elas eram separadas em salas do Untucked e passavam deliciosos 20 minutos falando mal umas das outras. A Drag Race está num momento de blindagem emocional e é como se Ru estivesse abrindo mão de todas as possibilidades de conflito. O Untucked mudou primeiro, depois a postura dos jurados; e agora serão as eliminações. Se funcionar no All Stars, temo até mesmo que o sistema alcance a temporada regular.
Não é nem o caso de estar certo ou errado; estamos numa era diferente. Mais de 10 anos se passaram, muita coisa mudou e o que está diante de nós é uma evolução natural. Os fãs de outrora sentirão falta dos conflitos; os fãs mais jovens podem não sentir a falta disso tanto assim... A corrida está seguindo por um caminho inevitável de transformações; mas, há sempre o risco de tornar o resultado final menos entretenimento e mais contemplação. Participar da Drag Race nunca foi tão lucrativo; Ru nunca deu tantas oportunidades... e ao mesmo tempo, as queens se tornaram protótipos de cera, esterilizadas, quase tão “holográficas” quanto a versão de Ru que tanto criticam. Todas querem ganhar, ninguém quer se comprometer.
Mas, estaremos aqui ano que vem. Melhor: estaremos aqui em 30 de Agosto, quando a esperada Drag Race Brasil começar. Fiquem com o vídeo que mostra a verdadeira reação de Jimbo à vitória. Transformada ou não, a corrida é nossa. E ela ainda é uma delícia de assistir.
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