Documentário sobre Flordelis tenta apresentar um crime sem mostrar culpados
Os dois primeiros episódios de Flordelis: Questiona ou Adora já estão disponíveis no Globoplay
Créditos da imagem: Reprodução
"Ela foi do céu ao inferno como poucas pessoas foram". Um dos primeiros depoimentos de Flordelis: Questiona ou Adora, nova série documental da Globoplay sobre a cantora, pastora e política brasileira Flordelis, ajuda a resumir bem a forma com que a imagem praticamente santificada da figura foi quebrada no fatídico 16 de junho de 2019, data em que seu marido, o pastor Anderson do Carmo, foi assassinado com 30 tiros na porta de casa da família. Uma personagem fascinante por si só, Flordelis dos Santos de Souza mais parecia com uma heroína das favelas: desde os anos 1990, a imagem da moça era alimentada por meio de reportagens e aparições na televisão sobre suas ações sociais e outras benfeitorias pelo subúrbio carioca. Mas a partir desta semana, ela, juntamente a outros quatro suspeitos, enfrentam um julgamento por envolvimento na morte de Anderson.
Nos dois primeiros episódios que foram lançados na plataforma – ao todo, a minissérie terá seis –, no entanto, é possível ver que há um cuidado em não apontar suspeitos ou justificar atos. Tanto Flordelis como Anderson recebem um tratamento esterilizado para mostrar como ambos pararam na cena deste crime – cuja resolução ainda não chegou ao fim. O cuidado pode ser justificado pela produção estar em exibição neste momento tão delicado da vida de Flordelis e dos demais suspeitos do crime. Por isso, a edição tenta montar, com capricho, um panorama imparcial tanto sobre a suspeita, como a da vítima: com depoimentos e entrevistas de amigos e familiares. Mas, do outro lado, a produção também apresenta jornalistas e policiais que acompanharam de perto o caso, mostrando um lado obscuro daquela que foi descrita como "a Ivete Sangalo das evangélicas".
De origem humilde, Flordelis alimentou durante anos a imagem de mulher de família e da fé que abrigou moradores das favelas em sua casa, acolhendo e até mesmo adotando a todos – um deles Anderson, que futuramente se tornou seu esposo. Sendo mostrada como uma mulher em busca de curar os viciados e dar uma nova chance aos mais pobres, não demorou para que a evangélica passasse a ganhar espaço na mídia, tanto em matérias nos programas jornalísticos da emissora, como em aparições por outros programas. Sua imagem ganhou tanta credibilidade e força no Rio de Janeiro que Flordelis ganhou até mesmo um filme, Flordelis: Basta uma Palavra para Mudar, de Marco Antonio Ferraz e Anderson Corrêa. Uma produção em formato de docudrama, o título contou com inúmeros astros globais em pequenos papéis, como Isabel Fillardis, Pedro Neschling, Fernanda Lima, Bruna Marquezine, Reynaldo Gianecchini, entre outros.
Na produção, curiosamente, Flordelis interpreta a si mesma, mulher evangélica, moradora de favela carioca, e respeitada pelos traficantes. Anderson é vivido por Marcello Antony. Desde 2020, com a explosão do caso e o surgimento de evidências que passaram a ligar Flordelis ao crime, o próprio diretor e diversos outros membros do elenco declararam arrependimento de terem feito a produção. Esse fato isolado acaba falando mais sobre o caso em si do que o novo documentário da Globoplay. Sem nenhum depoimento chocante, nenhuma reviravolta guardada às sete chaves ou nada que torne o documentário obrigatório ou necessário, a produção, na verdade, mais parece com um pout pourri de todas as imagens disponível no acervo da emissora com Flordelis – e feito às pressas somente para aproveitar o julgamento da evangélica para tentar aumentar as visualizações e assinaturas da plataforma de streaming.
Nas próximas semanas, o Brasil deve acompanhar novos detalhes sobre o caso à medida em que o julgamento seguir em andamento. A expectativa é que o mesmo aconteça nos próximos episódios do documentário.