Uma entrevista com Natasha Lyonne é exatamente como você imagina que uma entrevista com Natasha Lyonne seria.
Em coletiva da qual o Omelete participou, a estrela, produtora, roteirista e diretora de Poker Face virou muito rapidamente a mestre de cerimônias atrapalhada de uma conversa que chegou a cantos inesperados: as letras de Bob Dylan, a longevidade de Assasinato por Escrito, uma fantasia de assassinato envolvendo Joe Pesci… nada é fora dos limites para as divagações inesperadas feitas por ela, com o seu inconfundível sotaque nova-iorquino.
No meio desses momentos surpreendentes, Lyonne aproveitou para falar do elenco convidado da segunda temporada de Poker Face (Melanie Lynskey! Cynthia Erivo! John Mulaney! Method Man! Giancarlo Esposito!), a solidão crônica enfrentada por sua persoagem, Charlie, e a pressão de superar a recepção positiva do primeiro ano. Confira a conversa completa logo abaixo!
Poker Face retornou nesta sexta-feira (9), no Universal+, e segue com episódios semanais às sextas-feiras.
REPÓRTER: Bom, Rian disse em uma entrevista que o objetivo dessa segunda temporada era construir mistérios maiores e mais ousados. Como você ajudou a criar essa evolução, ao mesmo tempo em que tentava manter a essência de Charlie?
LYONNE: Eu acho que foi importante não perder de vista o fato de que ela está sozinha na estrada há mais de um ano. Como seria ter uma vida em fuga, não poder criar raízes e nem mesmo estar em contato com sua irmã? A melhor amiga dela morre no primeiro episódio da primeira temporada. É algo bem significativo, eu imagino, estar completamente sozinha dessa forma. Uma coisa é estar sozinha por escolha, e outra totalmente diferente é tentar manter o ânimo sabendo que você não pode realmente ter nenhum ponto de contato consistente em sua vida, nenhum aliado. Acho que vemos isso em Charlie nesta temporada, ela é como uma criança desgastada, que está procurando um lugar para chamar de lar.
REPÓRTER: O formato de “caso da semana” em Poker Face pode ser uma faca de dois gumes - sentimos que ele pode continuar indefinidamente por várias temporadas, mas é um desafio trabalhar dentro dele sem se tornar previsível, em certa medida. Quando você e Rian abordaram essa segunda temporada, conversaram sobre isso? E resolveram mudar o jogo, ou dobrar a aposta no mesmo formato?
LYONNE: Sim, a vida é um paradoxo, não é? Acho que nossa série é um "como pegá-los" [do inglês, “howcatchem”, termo que define o tipo de série de investigação onde sabemos o culpado desde o começo, e acompanhamos um detetive tentando pegar o assassino], o que é divertido. Mas, certamente, é uma curiosidade que alguém como Charlie possa se encontrar enfrentando o assassinato toda semana. Também acho que nós, como público, parecemos encontrar um certo conforto nisso - pelo menos, se Assassinato por Escrito [série com Angela Lansbury, que durou 12 temporadas entre 1984 e 1996] for alguma indicação.
Mas Rian e eu conversamos bastante sobre isso. Acho que nós vamos nos divertir nesse formato enquando as pessoas ainda estiverem se divertindo conosco. E talvez a melhor parte desse processo seja fazer parte da sala de roteiristas, ver nossa designer de produção Judy Rhee construindo um mundo inteiramente novo a cada semana, fazer parte da escalação do elenco com nossa diretora de casting Mary Vernieu. Encontramos um processo em que há alegrias reais, picos de euforia, porque sentimos que realizamos uma façanha impossível a cada episódio.
É verdade que é um formato rígido, mas acho que realmente pensamos nesses episódios como filmes isolados, de certa forma, então sempre trabalhamos para manter Charlie viva como personagem em meio a tudo isso, garantir que a jornada inteira dela esteja tão vibrante na tela quando o caso da vez. Mas uma coisa é certeza: eu não poderia pedir um parceiro de crime melhor que Rian Johnson.
REPÓRTER: A resposta do público à primeira temporada de Poker Face foi muito positiva, acho que não conheço uma única pessoa que não tenha amado a série. O quanto isso ficou na sua cabeça e na de Rian ao desenvolver o segundo ano? Houve uma pressão maior?
LYONNE: Acho que você sempre tem que estar ciente desse tipo de coisa numa segunda temporada, você meio que quer subverter as expectativas, mas ainda manter vivas e apostar ainda mais nas ideias que agradaram as pessoas. Temos um episódio que Mimi Cave [cineasta responsável por Fresh e Holland] dirige este ano, que tem Melanie Lynskey no elenco, e ele é simplesmente lindamente escrito e elaborado. Você quer fazer esse tipo de coisa, mas é uma dança complicada, porque você quer honrar o que as pessoas amam sobre aquele projeto, mas também superá-lo a cada nova edição.
Para ser sincera, eu acho isso um pouco estranho, e muitas vezes sinto falta dos filmes. Quando você faz um filme, simplesmente o faz e descobre se ele vai se sair bem ou não. Com programas de TV, existe um estresse maior - porque, não importa o quão bem ele se saia, você precisa se reagrupar e fazer de novo. Ao mesmo tempo, eu sou alguém que nunca se casou, então talvez um casamento seja exatamente assim. ‘Nosso primeiro aniversário de casamento, que legal!’ vira ‘Oh, 25 anos, hein? Ainda estou aqui com você!’.
Mas também há um conforto nisso, eu acho. O conforto de não precisar andar sozinho nessa terra, de ter um parceiro no crime, uma testemunha. Não é bonito? Acho que é similar com uma série que dura bastante tempo. Mas enfim… desde que encontraram aquele diário com a lista de assassinatos que eu ia cometer, eu simplesmente não consegui encontrar alguém que aceitasse casar comigo. Vai entender.
REPÓRTER: Fico me perguntando como é o desenvolvimento de Poker Face. Você tem um acervo de ideias de assassinatos que traz para os roteiristas? E quanto aos trabalhos e lugares em que Charlie vai se encontrar? Há alguma ideia que você propôs, mas acabou não entrando na série?
LYONNE: Geralmente, quando começamos a sala de roteiristas da temporada, todo mundo meio que faz um brainstorming sobre essas coisas. Mas, falando pessoalmente, eu não tenho um ‘acervo’. Não fico pensando: ‘Oh, adoraria interpretar uma pescadora, adoraria estar com Joe Pesci em um barco de pesca e colocar bigornas nos bolsos dele para matá-lo’. Não é assim que acontece. Na verdade, nem mesmo essa sentença que eu acabei de falar foi planejada, é a primeira vez que penso nisso. [Risos]
Também acho que, se eu tivesse um acervo como esse, seria algo ruim. Isso não me faria uma psicopata? Você conhece aquele livro de Jon Ronson, O Teste do Psicopata, em que você pode fazer o teste e descobrir se é um? Ali provavelmente está escrito que ter um acervo de formas de assassinato é um sinal bem claro de psicopatia. Quanto a mim, acho que não penso tão frequentemente sobre isso, talvez seja uma boa ideia.
Por outro lado, já pensou se eu começo a anotar as minhas ideias, e daí morro? Alguém vai abrir as minhas gavetas e dizer: ‘Ela sempre pareceu uma vizinha adorável, mas aqueles diários cheios de maneiras de matar alguém, e todas as fantasias que ela queria vestir enquanto fazia isso, foram realmente assustadores’. Não sei se gostaria que dissessem isso sobre mim, mas vou considerar. Obrigada pela sugestão! [Risos]
REPÓRTER: Quero falar um pouco sobre o elenco dessa segunda temporada, porque é realmente sensacional. Como foi trabalhar com essas pessoas? E teve alguém que você teve que insistir mais para conseguir?
LYONNE: Sim, houve algumas perseguições. Sabe, eu tenho esse grupo em um aplicativo de mensagens com Fred Armisen, Nick Kroll e John Mulaney. E todos eles queriam participar da série, mas nenhum deles queria cancelar as datas da turnê, ou conseguir uma babá de última hora. Então, é um verdadeiro cabo de guerra. O pobre do John teve que cancelar uma viagem, acredito que para o Havaí, onde ele ia comemorar o seu aniversário - eu levei um bolo para ele no set e cantei parabéns.
Quanto a Fred, eu tenho tentado convencê-lo a participar da série desde a primeira temporada. Um dos papéis que queríamos para ele era o de um coveiro, mas isso nunca se concretizou, então quando tivemos um episódio nessa segunda temporada ambientado em uma casa de funerais, eu fiz algumas homenagens a ele. O personagem de Giancarlo Esposito acabou se chamando Fred no roteiro, e o nome do episódio é “Last Looks” [em português, “Últimas Olhadas”], porque ele sempre brincou que essas seriam suas últimas palavras quando fosse morrer. De qualquer forma, ele não conseguiu atuar de novo nessa temporada, e a babá do Nick cancelou de última hora.
Mas eu me distraí aqui: definitivamente existe uma lista contínua de pessoas que queremos ter na série, e outras pessoas ficam me mandando mensagens o ano todo dizendo que precisam de trabalho. [Risos]
REPÓRTER: Melanie Lynskey está nessa temporada, e sei que vocês são amigas há muito tempo. Como foi trabalhar com ela de novo? E como você a convenceu a participar de Poker Face?
LYNSKEY: Cédulas e mais cédulas de dinheiro, pessoal. Vocês não imaginam o quanto! [Risos] Melanie é como aquele meme de um gato minúsculo usando um casaco de pele rosa, um colar de pérolas e um brinco de diamantes, mas dessa vez ele está todo coberto com notas de cem dólares. O que ela não sabe é que lhe demos notas de cem dólares falsificadas. Não acredito que ela caiu nessa, talvez tenha sido porque não é americana.
Não, falando sério. Eu, Clea DuVall e Melanie Lynskeytemos sido um trio inseparável desde a época de Nunca Fui Santa [comédia romântica lésbica de 1999, que virou clássico cult desde o seu lançamento]. Acho que somos ligadas pelo quadril, então elas fizeram isso basicamente pela amizade. Poker Face é uma série bem inconveniente de se fazer, se você parar para pensar, especialmente quando você tem filhos. Eu tenho certeza que tenho alguns por aí, mas eles não me encontraram ainda.
REPÓRTER: Você fala de seus colegas de elenco com muito carinho. Consegue nos contar alguma história de bastidores dessa segunda temporada? Qual foi um momento marcante das gravações?
LYONNE: Eu fiz o Method Man rir algumas vezes, e fiquei muito feliz por isso. Eu cantava músicas da Lauryn Hill [colega de banda do rapper e ator no Fugees] e perguntava quem tinha feito melhor, daí ele respondia: “Foi a Lauryn, definitivamente”. Também me lembro de deitar no chão ao lado de Carol Kane, cantando uma música de Cat Stevens enquanto todo mundo ao nosso redor nos apressava para gravar, e nós só ríamos. Somos velhas amigas, tivemos muitos momentos especiais juntas.
Há algumas coisas que eu não posso contar, porque são spoilers, mas a minha amiga Taylor Schilling [colega de elenco de Lyonne de Orange is the New Black] está aqui, e Cynthia Erivo é simplesmente um arraso. Ao mesmo tempo, ver Rian cercado por tantas telas para garantir que tudo saísse certo foi a coisa mais Rian Johnson que eu já vi Rian Johnson fazer. Isso me trouxe um grande prazer.
Não é só o elenco, a nossa equipe é muito divertida. Jaron [Presant] e Christine [Ng] são diretores de fotografia incríveis, e eu me aproximei muito dos assistentes de direção também. Eu e Becky Chin trabalhamos juntas em Orange is the New Black e em Boneca Russa, agora estamos juntas de novo - o mesmo aconteceu com um monte de gente dos bastidores, eles são como o nosso próprio elenco recorrente de personagens. Adoro trabalhar com todos eles.
REPÓRTER: Muitas séries antológicas ou de ‘casos da semana’ eventualmente dão meia volta e fazem continuações de episódios de temporadas anteriores, expansões de histórias que já contaram. Black Mirror recentemente fez isso, e American Horror Story também faz. Você acha que é uma possibilidade para Poker Face no futuro?
LYONNE: Vou ser honesta com você, eu realmente achei que sempre tínhamos novos Black Mirror e American Horror Story. Eu amo Charlie Brooker, somos bons amigos, e sou uma grande fã do cara - mas agora estou me lembrando que eles fizeram uma continuação de “USS Callister”, então talvez eu seja uma idiota.
REPÓRTER: [Risos] Imagina! Black Mirror fez isso, e American Horror Story fez temporadas inteiras que são continuações de outras.
LYONNE: Eu entendo o que você quer dizer agora. O.J. Simpson: Na Ativa de Novo. Não, estou brincando, sei que essa é uma série diferente. [Risos]
Mas vejo o que você está querendo dizer agora, só não sei como isso se encaixaria em Poker Face. É claro que seria legal fazer a sequência de um episódio, mas muitos personagens morrem na nossa série, o que é bem triste porque criamos um laço forte com eles. Talvez eles possam voltar como fantasmas. Temporada 666 de Poker Face, com Charlie no purgatório, dizendo ‘oi’ para todas as pessoas que encontrou pelo caminho. Uma coisa meio Albert Brooks em Um Visto para o Céu, com cada pessoa aparecendo para falar se foi parar no paraíso ou no inferno. É uma coisa para se pensar, sabe?
REPÓRTER: Eu assistiria isso! Muito obrigado, Natasha.
LYONNE: Obrigada! Até mais, tranque suas portas!
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