Nos Tempos do Imperador: 1ª sequência de novela global marca nova tendência?
Características do mundo seriado entram cada vez mais na produção global com as estreias de Nos Tempos do Imperador e Verdades Secretas 2
Créditos da imagem: Globo/Divulgação
Uma notícia movimentou o mercado do entretenimento nos últimos tempos: a de que a Netflix estaria às vias de fato de começar a produzir novelas na plataforma. A Rede Globo, maior e mais bem sucedida empresa a explorar o nicho, só está no topo até hoje porque acompanhou importantes mudanças sociais e históricas que passaram pelo filtro da cultura pop nacional. O Globoplay foi seu movimento para abraçar a realidade dos streamings, contudo, até então, no que diz respeito às novelas, ela não sofria ameaças. Com a Netflix abrindo concorrência, talvez fosse necessário um novo passo.
Esse “passo” foi preparar o público para uma grande quantidade de produções que exploram a memória afetiva dos espectadores: um remake do clássico Pantanal e duas sequências estratégicas, uma no horário das 18h (Nos Tempos do Imperador) e outra no horário das 23h (Verdades Secretas 2). E embora os remakes sejam uma realidade antiga na emissora (com sucessos como A Viagem e Mulheres de Areia), eles não funcionam como histórias sequenciais. De fato, a Globo nunca tinha embarcado de forma direta e oficial na ideia de retomar tramas já encerradas; muito porque a novela sempre foi uma obra aberta, solta, fluida; e a ideia de exigir do espectador um nível tão grande de comprometimento parecia muito arriscada.
Até a década de 90, mesmo as séries de TV tinham esse medo. O mercado americano funcionava basicamente em torno dos procedurais (histórias isoladas por episódio). Mesmo a primeira fase de Arquivo X (1993-2002), que se arriscava na apresentação de uma trama central que aparecia em poucos episódios de uma temporada, as tramas procedurais eram a garantia de segurar a audiência que não se interessava pela obrigação de costurar uma história fragmentada.
Porém, os tempos são outros. Os anos 2000 celebraram a relação de confiança entre produção e espectador. A audiência foi se enamorando da ideia de fidelidade e logo foi a vez dos procedurais irem se esgotando. Hoje em dia, o público já está exigindo um longo e complexo senso de continuidade. Sendo assim, o engessamento natural das novelas pôde começar a ser quebrado, não só em termos de forma, mas também em termos de narrativa. A novela A Regra do Jogo, de João Emanuel Carneiro, por exemplo, foi uma das que mais acessou códigos seriados em sua estrutura central. As sequências, então, não pareciam mais uma ideia tão absurda.
Nem Tudo é Parte 2
A história das sequências na televisão brasileira é breve, mas antiga. Começou com A Volta de Beto Rockfeller, em 1973, ainda na TV Tupi. A novela original – que foi um marco de transformações importantes no gênero – ganhou uma sequência por conta de seu sucesso, mas acabou também marcando uma primeira tentativa que ficou aquém do que se esperava. A Rede Globo manteve a possibilidade em pauta, mas não assumia o risco de encomendar uma trama toda sequencial. O máximo a que chegou foi repetir personagens de um mesmo autor em tramas diferentes, o que aconteceu pela primeira vez na primeira versão de Meu Pedacinho de Chão, de onde saíram alguns personagens para viver histórias em Voltei Pra Você (1984). Foi um spin-off numa época em que o termo nem era difundido no país.
Contudo, o fracasso de Voltei Pra Você intimidou novamente a Globo, que repetiu o feito em poucas ocasiões (em Deus no Acuda, de 1992, a Dona Armênia, de Rainha da Sucata, retornou com seus “três filhinhas”, por exemplo). Quando Terra Nostra terminou, no ano 2000, a novela seguinte de Benedito Ruy Barbosa, Esperança, foi chamada de Terra Nostra 2 pela imprensa e chegou a ser vendida internacionalmente dessa maneira. Mas, o título de “sequência” era usado de forma pejorativa, já que a intenção nunca foi a de soar como tal. A novela foi outro fracasso, se tornou uma pedra no sapato do horário... Parecia que as sequências globais estavam condenadas a não existirem mais. Frequentemente a novela-série Malhação é eleita como uma “sequência de sucesso”, mas ela funciona muito mais como uma antologia, já que quando os arcos são encerrados, ela retorna com novo elenco e nova história.
Fora da Globo, contudo, a Record descobriu que “brincar de ser série” dava certo (pelo menos até certo ponto). A emissora paulista foi fundo no tema, transformando a trama dos mutantes numa trilogia: Caminhos do Coração, Os Mutantes e Promessas de Amor. Apesar do desgaste, o mercado se ampliou e foi encontrar seu ápice na abordagem bíblica. Quase toda novela bíblica que aparece por lá já é um spin-off da anterior. A Record também é dona de um prequel bastante interessante. Em 2004 a emissora produziu uma nova versão do clássico A Escrava Isaura e anos depois, em 2016, lançou Escrava Mãe, que contava a história da mãe da personagem; e, portanto, sua origem.
Nos Tempos do Imperador
Em 2017 a Globo exibiu na faixa das 18 horas a novela Novo Mundo, que trabalhava as possibilidades de drama e romance nas terras brasileiras quando Dom Pedro estava por aqui. A novela foi um sucesso e a ideia de dar uma sequência a ela foi levantada enquanto ainda estava no ar. Os autores Theresa Falcão e Alessandro Marson conseguiram a aprovação da sinopse e Nos Tempos do Imperador foi marcada para estrear em 2020, com grande expectativa, já que ela também chegava trazendo Selton Mello de volta às novelas. Porém, a pandemia adiou a estreia por três vezes e ela só chega ao horário agora, em agosto de 2021.
Nos Tempos do Imperador é a primeira sequência oficial, exata, da emissora. Ela é uma continuação direta dos eventos de Novo Mundo, com um hiato de 40 anos entre as histórias, mas ambientadas no mesmo lugar, com reaparições de personagens e citações a tudo que aconteceu no original. Ambientada no Rio de Janeiro, a trama de época se desenvolve num Brasil que ainda busca sua identidade e acompanha momentos importantes da vida do Imperador Dom Pedro II (Selton Mello), da Imperatriz Teresa Cristina (Leticia Sabatella), de Luísa, a Condessa de Barral (Mariana Ximenes), além de Pilar (Gabriela Medvedovski) e Jorge/Samuel (Michel Gomes), ao longo dos anos.
É fato que a história da novela será montada de uma maneira que possibilite que espectadores que não viram Novo Mundo possam assisti-la sem problemas. Mas, como costuma acontecer com sequências, os easter eggs fazem parte do charme. Quem acompanhou a primeira obra se divertirá mais percebendo ligações entre as duas novelas. É uma continuação efetiva e não “eleita” como a de Terra Nostra, nem mesmo antológica como a de Malhação. E que chega na grade trazendo consigo as descobertas de produção que a pandemia provocou ao longo desses meses. A novela está toda escrita e com uma larga frente de capítulos gravados.
E ela não é a única continuação que chega na tela da vênus platinada. Depois do sucesso de Verdades Secretas, em 2015, o autor Walcyr Carrasco anunciou que havia planos para uma sequência, que acabou se confirmando. Verdades Secretas 2, se vier mesmo com esse título, será a primeira a ter uma denominação quase cinematográfica, embora as expectativas tenham baixado após Grazi Massafera e Marieta Severo terem recusado voltar. Considerando que os personagens de Drica Moraes e Rodrigo Lombardi morreram na parte 1, há uma certa hesitação sobre como será a ligação entre as tramas. Contudo, isso não parece assustar os envolvidos. No painel da novela na CCXP Worlds foi revelado que há uma parte 3 sendo planejada.
Se Nos Tempos do Imperador e Verdades Secretas 2 quebrarem a maldição das sequências mal sucedidas, podemos estar diante de uma tendência interessante, que pode proporcionar principalmente aos autores, uma nova abordagem criativa. As novelas podem, inclusive, ser gravadas em totalidade e divididas em várias partes (o que teria acontecido com Além do Tempo, de Elizabeth Jhin, por exemplo), grandes sagas podem ser separadas e melhor desenvolvidas... As possibilidades são muitas.
O fato é que o futuro das telenovelas está passando por uma transformação, seja na forma, seja na transposição para as plataformas de streaming, seja na criação de sequências. Tudo isso só reforça que o gênero se mantém protegido contra a ameaça de extinção, contra o ataque pseudointelectual esnobista e se mantém forte, lucrativo e catártico.