Para os padrões ocidentais, Meus Clientes Fantasmas tem uma premissa bem fora da caixinha. No novo k-drama, exibido no Brasil simultaneamente pelo Rakuten Viki, KOCOWA+ e Netflix, Noh Mu-jin (Jung Kyung-ho) é um advogado que perde tudo ao apostar suas economias em criptomoedas, e precisa recomeçar do zero com uma nova firma de litigação trabalhista. Mas quando ele, bêbado, deixa o seu cartão de visitas em uma estátua que representa uma divindade benevolente, acaba sendo “contratado” para ajudar os espíritos de pessoas que faleceram nos mais variados acidentes de trabalho - uma missão por vezes assustadora, que ele aceita com muita relutância, enquanto tenta manter o seu negócio cambaleante de pé.
A figura de um advogado de moralidade duvidosa encarregado de missões cósmicas que testam e transformam sua ética traz ecos de produções como Eli Stone - série de 2008 na qual Jonny Lee Miller vivia um profissional da lei “escolhido” por Deus para ter visões mirabolantes - ou Ghost Whisperer - na qual Jennifer Love Hewitt não interpretava uma advogada, mas sim uma médium encarregada de ajudar almas a “passar para o outro lado” -, mas Meus Clientes Fantasmas se afasta das predecessoras ao, entre outras coisas, abraçar o nicho do direito trabalhista. É unicamente contemporânea essa ideia do protagonista como defensor sobrenatural de trabalhadores injustiçados pelas grandes empresas que não garantiram sua segurança, até por vê-los como um número, uma máquina de fazer dinheiro, ao invés de uma pessoa.
A partir dessa ideia, o roteiro de Kim Bo-tong (D.P. Dog Day) traça paralelos entre a missão de Noh Mu-jin e sua arruinada vida pessoal, em um tom tragicômico que flui bem nos primeiros capítulos. Embora se encontre na posição em que está por uma ou duas péssimas escolhas morais, o protagonista ainda representa um profissional estagnado que, na atual conjuntura do capitalismo tardio, vai parecer familiar para muita gente. E ele também está cercado por pessoas - mais jovens que ele, crucialmente - que se encontram na mesma situação, e que lhe apresentam a ideia unicamente gen-Z de “trapacear” o sistema de uma forma que explore as suas injustiças.
Enfim, em tudo isso, Meus Clientes Fantasmas acerta. Ademais, a diretora Yim Soon-rye (figura emblemática do cinema sul-coreano nas últimas décadas, com filmes como Pequeno Bosque e Na Linha de Frente) mostra ter faro para incluir lances humorísticos surpreendentes nas cenas menos inspiradas do roteiro. Um exemplo óbvio acontece no primeiro episódio, bem no momento crucial em que o protagonista deixa seu cartão de visita na estátua mágica que mudará sua vida - seja por pudor ou por pura patetice, Yim escolhe “censurar” os pés da estátua após o amigo de Noh Mu-jin vomitar nela e deixá-lo sozinho com o monumento. É uma investida cômica que funciona porque chega de lugar nenhum, e vai parar em lugar nenhum (um non sequitur da comédia, diriam os latinos).
Porque Meus Clientes Fantasmas é um k-drama, no entanto, esses pequenos triunfos que ele coleciona se posicionam menos como surpresas, e mais como confirmações. Premissas fantasiosas inseridas em um contexto contemporâneo socialmente relevante são meio que o arroz-com-feijão da TV sul-coreana, e a competência latente da série ao executar esse procedimento também adquire uma aura pedestre para quem está acostumado com as produções do país. É só considerar que o título em inglês da produção (Oh My Ghost Clients) é basicamente uma piada com um clássico do gênero (Oh My Ghost, de 2015, sobre uma cozinheira tímida possuída por um espírito sedutor), e você entende que há pouco de extraordinário aqui.
Não dá para culpar Meus Clientes Fantasmas por sua competência, é claro, nem por confiar nas virtudes de um artesanato narrativo que tem se provado bem-sucedido no mundo todo. O k-drama é divertido, bem-executado e tem algo a dizer. Talvez ele não seja um grande acontecimento de televisão, mas oferece mais do que o bastante para valer o investimento do seu tempo.
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