Rachel Brosnahan em The Marvelous Mrs. Maisel

Créditos da imagem: Amazon Prime Video/Divulgação

Séries e TV

Artigo

Fracasso vira combustível para Midge na 4ª temporada de Maravilhosa Sra. Maisel

A comediante está disposta a ir para o tudo ou nada para ter sua voz como ela é: ácida e sem pudores; leia nossas primeiras impressões

Omelete
5 min de leitura
16.02.2022, às 16H42.
Atualizada em 28.02.2024, ÀS 00H47

“Vingança. Eu quero. Não, eu preciso”. Midge (Rachel Brosnahan) está de volta aos palcos quando a 4ª temporada de Maravilhosa Sra. Maisel começa, o que significa que, contrariando suas próprias expectativas, sua carreira não acabou depois de ser enxotada da turnê com Shy Baldwin (Leroy McClain). No entanto, suas primeiras palavras depois do hiato de pouco mais de dois anos da série não deixam margem para dúvida: o golpe está longe de ser superado.

A raiva é compreensível. A aspirante a comediante estava em clara ascensão no final da 3ª temporada, quando pisou no teatro Apollo para introduzir o cantor em um show no Harlem, em Nova York, e nem mesmo picuinhas dos bastidores, nem o vão de realidade que existia entre ela e a plateia foram capazes de fazê-la fracassar. Na verdade, foram algumas piadas improvisadas sobre a vida luxuosa de Shy. O texto em si não tinha nada demais. Contudo, sabendo que ele era gay, uma informação com potencial escandaloso para sociedade americana da década de 1960, compará-lo a Dorothy e seus sapatinhos vermelhos em O Mágico de Oz não foi exatamente esperto; foi o suficiente para que o cantor e seu empresário Reggie (Sterling K. Brown) vissem malícia nos seus comentários e a mandassem para casa -- ou, em outras palavras, fizessem sua carreira regredir praticamente para a estaca zero.

Mais uma vez, Midge sente que um homem ficou no caminho da sua voz, mas dessa vez as repercussões são bastante públicas. Para além da humilhação de ter que assistir ao avião partindo sem ela, Shy e sua equipe fizeram questão de anunciar a troca do show de abertura em um jornal e, claro, Midge não foi poupada de críticas. Não pelo cantor, mas por um misterioso repórter, que deve aparecer, se não desempenhar um papel maior ao longo da temporada -- seu nome e sobrenome foram ditos duas vezes em dois episódios, afinal de contas. Mas, a princípio, o importante -- e o que nem Midge, nem Susie (Alex Borstein) se deram conta ainda -- é que ela não foi esquecida. É persona non grata? Sim, mas em pouco tempo ela já deixou sua marca na cena cultural nova-iorquina.

Isso significa, em última instância, que Maravilhosa Sra. Maisel tem nas mãos um ótimo cenário para fazer sua heroína crescer -- e olhando em retrospecto, estas foram justamente as situações em que a série se saiu melhor. Toda vez que “cerceia” Midge, a criadora e roteirista Amy Sherman-Palladino faz sua protagonista encarar não apenas o status quo e, portanto, descobrir o mundo fora da sua bolha cor de rosa, como também se deparar com sua prepotência. Talvez por isso até que sua raiva em relação a Shy seja mais instintiva do que propriamente duradoura. Porque o maior problema de ser obrigada a tomar as rédeas e assumir a autonomia das suas decisões é justamente o desconforto de ser autônoma.

Veja bem, é claro que o sexismo desempenha um papel inegável nesta inquietação no começo da temporada. Até porque é óbvio que se Midge é tão alvo da imprensa e de banimentos nos clubes é, principalmente, porque ela foi uma mulher que se atreveu a falar. Porém, não se restringe a isso. Diferentemente dos outros fracassos da trajetória da comediante, este é talvez o que a faça assumir um maior controle da situação e, mais importante ainda, com confiança para impor os seus limites. Sim, ela comprou de volta o apartamento dela no pior momento possível, mas mesmo que nem tudo saia como planejado, ela dá seu jeito de bancar a casa e até cuidar dos pais. Ela lida com os erros, as incertezas e os medos mais de frente. Ela vive mais o mundo real.

Aliás, nesse sentido, é interessante notar como as pessoas ao seu redor seguem seu exemplo. Desde que Midge deu o ousado passo de se apresentar no clube de comédia de camisola, seus pais também saíram das suas respectivas zonas de conforto. Na estreia da 4ª temporada pouco se fala da carreira de Rose (Marin Hinkle) como casamenteira, é verdade, no entanto os primeiros textos de Abe (Tony Shalhoub) ganham um destaque poético. De repente, o mau humor característico do antigo professor de Columbia dá espaço para uma empolgação juvenil e romântica quando ele recebe seu primeiro cheque por seu trabalho como crítico -- e, nestes primeiros episódios, não há nada mais tocante que a performance de Shalhoub aqui. Porque embora o valor em termos de dinheiro seja mínimo, simbolicamente ele carrega uma esperança para ele e todos os Weissmans e Maisels: realmente, nem tudo tem que ser como sempre foi.

Essa dimensão do efeito cascata que a protagonista teve nas vidas dos seus familiares fica bastante evidente também pela presença de um elemento cíclico neste início de temporada. Em partes por revisitar, nos diálogos, momentos decisivos da carreira de Midge para fazê-la enxergar de uma nova forma que ter sua voz, ácida e sem pudores como é, é uma liberdade primordial -- e algo que seus pares, talentosos como Lenny Bruce (Luke Kirby) ou não, têm. Mas, em partes também, porque Maravilhosa Sra. Maisel esteve no ar tempo o suficiente para que sua protagonista tenha vivido mais de uma vez as gangorras da vida de comediante.

Não se pode negar que essa repetição pode ser mais do que um apreço pela precisão do retrato dos vais-e-vens tradicionais da carreira escolhida pela protagonista, e sim um sinal de esgotamento. Contudo, já tem tempo que Midge divide os holofotes, e as subtramas da 4ª temporada seguem interessantes e garantindo uma efervescência à série do Prime Video. Há um charme no romance proibido de Joel (Michael Zegen) e suas ambições com seu bar em Chinatown, por exemplo, principalmente agora que o circo está fechando para os apaixonados. As inseguranças de Susie sobre como crescer como empresária sem deixar Midge para trás também são tocantes, e prometem conflitos importantes entre a dupla, que claramente está fora de sintonia. Mas nada pode assegurar melhor que Maravilhosa Sra. Maisel segue tão divertida e instigante quanto antes do que levar as excentricidades das discussões familiares para uma roda gigante.

A volta de Midge Maisel aos palcos é, portanto, enérgica e cheia de possibilidades. Para a comediante, seus familiares e para quem se atrever a assisti-la. Maravilhosa Sra. Maisel exibe episódios inéditos todas as sextas, no Amazon Prime Video.

O Omelete agora tem um canal no Telegram! Participe para receber e debater as principais notícias da cultura pop (t.me/omelete).

Omelete no Youtube

Confira os destaques desta última semana

Omelete no Youtube

Confira os destaques desta última semana

Ao continuar navegando, declaro que estou ciente e concordo com a nossa Política de Privacidade bem como manifesto o consentimento quanto ao fornecimento e tratamento dos dados e cookies para as finalidades ali constantes.