Com começo de ano espetacular, Julia Garner prova ser melhor atriz da geração

Créditos da imagem: Julia Garner em cena de Inventando Anna (Reprodução)

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Com começo de ano espetacular, Julia Garner prova ser melhor atriz da geração

Competição não é fraca, mas estrela de Inventando Anna engatou sequência de projetos difícil de ignorar

Omelete
5 min de leitura
16.02.2022, às 11H41.

Julia Garner só está satisfeita com o seu trabalho quando não se lembra exatamente do que fez em cena. Se eu me lembro de tudo quando o diretor grita ‘corta!’, peço para fazer de novo. Lembrar da cena significa que eu não estava presente. Quando você está se ouvindo falar, não está escutando os outros”, contou a atriz ao The Holywood Reporter em perfil publicado em 2020, poucos meses antes dela levar o seu segundo Emmy em dois anos por interpretar Ruth Langmore em Ozark.

Essa dedicação gera dividendos nos dois projetos que Garner lançou na Netflix nos primeiros meses de 2022. O primeiro é justamente Ozark, que liberou os sete primeiros episódios da sua 4ª e última temporada (leia nossa crítica) em janeiro. Após um terceiro ano emocionalmente revelador, em que Ruth vive um caso de amor e tem o seu coração quebrado, Garner encarou nos novos capítulos o desafio de reafirmar a personagem em seu próprio espaço, uma vez que ela deixa de trabalhar para o casal Byrde e parte em seus próprios empreendimentos criminosos.

Eu digo “desafio” porque é isso que uma virada de personagem como essa seria para qualquer outra atriz. Assistindo a Garner na 4ª temporada de Ozark, é impossível não pensar que Ruth sempre foi a protagonista de sua própria história, e que colocá-la nesse lugar, finalmente, é só uma questão do roteiro se ajustar ao que a atriz já estava fazendo desde o começo. A mistura de assertividade e vulnerabilidade, a ansiedade de tentar reparar o relacionamento com a família, a fúria irrestrita que toma conta de Ruth no finale… o coração de Ozark sempre bateu no peito de Julia Garner. É dela que você lembra quando sobem os créditos.

O segundo grande projeto da atriz nesses primeiros meses de 2022 foi a minissérie Inventando Anna (leia nossa crítica), em muitos sentidos um trabalho diametralmente oposto ao que ela faz em Ozark. Enquanto Ruth é entregue, transparente, à flor da pele, Anna Delvey é uma mulher opaca por necessidade - tudo nela é fachada, uma personagem cuidadosamente construída para enganar aqueles à sua volta e, como Garner sugere sutilmente durante os episódios, a ela mesma.

O primeiro passo era o sotaque, é claro. Delvey, nascida na Rússia, naturalizada na Alemanha e culturalmente versada no ambiente das socialites americanas, fala com um mix enigmático de todas essas inflexões (e a força de cada um dos sotaques flutua de acordo com quem e em que situação ela está falando, diga-se de passagem). Em recente visita ao The Tonight Show - confira o vídeo abaixo -, Garner explicou e demonstrou a mistura, adicionando cada camada da sua “voz de Anna Delvey” em tempo real, no meio de suas frases. O efeito é hipnotizante.

Inventando Anna é um pedaço de televisão escrito com extraordinária inteligência e sensibilidade, mas precisa de Garner para funcionar. A atriz entende que parte do seu trabalho aqui é ser infinitamente “assistível”, praticamente irresistível como objeto de fofoca e adoração superficial, além de objeto representativo de todo um ponto que a série quer fazer sobre a artificialidade na qual está predicado o sistema de classes capitalista. Mas entende também que nada disso adiantaria se ela não nos convencesse de que há uma mulher de verdade por baixo da invenção que é Anna Delvey.

Daí a importância de acertar os momentos em que a fachada cai, ou quase cai. Garner é capaz de quebrar um coração com um olhar de soslaio, de expressar um mundo inteiro de planos frustrados com uma mudança de postura, de transmitir para o espectador que o desespero de Anna ao ver o seu personagem indo pelo ralo não é só prático. Ela não tem medo de ir para a prisão, diz a atriz, frequentemente sem nenhuma palavra: ela tem medo de precisar voltar a ser só a jovem russa de classe média que passou a adolescência sem se encaixar. Ela tem medo de não pertencer - e não temos todos?

Não é de hoje que Garner demonstra talento fora do comum para escavar uma personagem até o seu âmago mais identificável e expô-la ao espectador sem embaraço. Entre 2015 e 2018, ela transformou a figura “à la Lolita” da filha de um agente da CIA em The Americans (disponível no Star+) num retrato comovente da carência e desilusão adolescente. Em 2019, tornou transcendental o nervosismo tristemente banal da protagonista de A Assistente (no Amazon Prime Video), que na história trabalha para um figurão abusivo de Hollywood inspirado em Harvey Weinstein.

Títulos como Martha Macy May Marlene, A Fita Azul, Somos o que Somos, Dirty John e Modern Love também podem ajudar o neófito em Julia Garner a entender o apelo da atriz, de 28 anos completados no último dia 1º de fevereiro. O impacto duplo de Ozark e Inventando Anna este ano solidifica, no entanto, uma impressão que já estava se formando há alguns anos: Garner é, provavelmente, a grande atriz de sua geração. No mínimo, a grande atriz americana de sua geração.

O elogio não é fraco - não se trata de “nivelar por baixo”. Zendaya, Anya Taylor-Joy, Chloë Grace Moretz, Florence Pugh, Elle Fanning, Dakota Fanning, Amandla Stenberg, Saoirse Ronan, Hailee Steinfeld, Jodie Comer, Thomasin McKenzie, Dominique Fishback, Kaitlyn Dever, Juno Temple, Beanie Feldstein, Han So-hee e literalmente dezenas de outras atrizes enormemente talentosas que se encaixam na mesma geração de Garner poderiam brigar por esse título (e, vale lembrar, arte não é uma competição). Mas é difícil negar a estrela forte que ela tem dentro dessa lista.

Em setembro, quando Julia Garner subir ao palco para receber seu terceiro Emmy antes dos 30 anos de idade (ou quarto, dependendo da boa vontade dos votantes em dar a ela a premiação dupla que merece…), talvez seja bom manter em mente as palavras de outra “melhor atriz americana de sua geração” sobre ela. Falo de Laura Linney, vencedora de 4 Emmys, indicada 3 vezes ao Oscar e 5 vezes ao Tony, que contracena com Garner em Ozark.

Julia se joga em seu trabalho com um abandono impressionante”, elogiou Linney naquele mesmo perfil do The Hollywood Reporter que citamos no começo do texto. Ela nem mesmo se lembra do que faz em cena, e você consegue ver como o rosto dela se transforma diante da câmera, de uma forma que é impossível quando você está consciente demais do que está fazendo. Ela é uma atriz que não tem medo de colocar o dedo direto na tomada”.

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