Al Pacino e Logan Lerman em Hunters

Créditos da imagem: Amazon Prime Video/Divulgação

Séries e TV

Artigo

Hunters se afoga nas próprias referências, para o bem e para o mal

Al Pacino e Logan Lerman estrelam nova produção controversa do Amazon Prime Video

21.02.2020, às 10H05.
Atualizada em 26.02.2020, ÀS 11H05

Quando Taika Waititi apresentou Jojo Rabbit ao mundo ele já sabia que tocaria num assunto delicado e de uma forma controversa. O menino Jojo é membro da juventude nazista, tem Hitler como amigo imaginário e o filme, é claro, faz graça de um dos períodos mais terríveis da história da humanidade – e que não tem graça nenhuma. O diretor sabia disso e colocou sua perspectiva fantástica através do ponto de vista de uma criança, que está, é claro, distante do senso de realidade. Mas, e Hunters? Qual a desculpa para tentar ser engraçadinho?

O novo lançamento da Amazon Prime Video não chega discreto. Na realidade, praticamente esmurra a porta. Seu valor de produção é ostensivo, sua linguagem é questionável, sua agressividade é direta... São tantos os tons escandalosos da série que ela até mesmo intimida. Cada um de seus pontos de impacto poderia ser discutido e analisado facilmente, mas ela tem uma necessidade tão grande de ser importante que exala uma segurança prepotente. No final das contas, independente dos nomes de Jordan Peele na produção-executiva e Al Pacino no elenco, Hunters se sustenta sozinha. Ela grita suficientemente alto para isso.

Com um primeiro episódio do tamanho de um longa-metragem, a série apresenta referências suficientes para preencher três outras produções, em épocas diferentes e estilos diferentes. Numa primeira sequência, a violência ilustrativa, quase cartunesca de alguns trabalhos de Tarantino, vem inteira, sem faltar nenhum pedaço, no auge de sua linguagem setentista. Depois, três amigos saem de um cinema onde viam Stars Wars e num diálogo juvenil sobre super-herois parecem remeter a um clássico filme de Spielberg. O drama surge em flashbacks dos campos de concentração como se fossem uma minissérie da HBO e logo depois, segundos depois, somos apresentados aos personagens como se eles fossem um esquete de humor escrachado.

A história começa quando Jonah (Logan Lerman) vê a avó sendo assassinada dentro da própria casa e precisa tentar descobrir o que fazer. Ele tem amigos nerds, vende quadrinhos, apanha e não tem a garota dos sonhos. É um clássico underdog de um livro de Stephen King e uma esperta colocação mercadológica nesse atual palco de produções juvenis do mesmo tipo. Só trocamos os 1980 pelos 1970. Ao conhecer Meyer (Al Pacino), amigo de sua avó, Jonah descobre que ele lidera um grupo curioso de caçadores de nazistas, que depois da guerra se esconderam nos EUA para planejarem secretamente um novo Reich. Meyer será o mentor e Jonah o aprendiz relutante. Você também já viu essa história no cinema, recentemente até, em Kingsman – Serviço Secreto.


CAÇADORES DE EMOÇÕES

O time liderado por Meyer é um capítulo à parte. Todos estão ali para preencher alguma cota cômica ou genérica desse tipo de narrativa. Temos Joe (Louis Ozawa), que sabe os golpes, assim como a destemida Roxy (Tiffany Boone). Há ainda a freira super fria e assustadora Harriet (Kate Mulvany), o ator fracassado Lonny Flash (Josh Radnor) e o casal de idosos super habilidosos vividos por dois nomes conhecidos de comédias exageradas: Saul Rubinek e Carol Kane. Essa explosão de comicidade é parte central da narrativa de Hunters.

Correndo por fora – como se já não tivéssemos muita coisa acontecendo – está a caçada da detetive Millie Morris (Jerrika Hinton), que não sabe exatamente o que está acontecendo depois que tantas pessoas idosas aparecem mortas, ou por serem nazistas ou por serem sobreviventes da guerra. Sua linha narrativa é a mais sóbria, a que se conduz com menos exagero, mas, sobretudo, porque a personagem só pode ir avançando aos poucos na própria investigação. Ela – e mais todos os outros – ainda estão sendo seguidos por um assassino profissional vivido por Greg Austin, daquele jeito sem alma que é tão característico desse tipo de papel.

A estranheza começa quando a natureza brutal do Holocausto é acompanhada dessa maçaroca de referências jocosas. Há passagens extremamente brutais em flashbacks dos campos de concentração, para logo depois uma atmosfera de fantasia tomar conta de uma sequência seguinte, como se a realidade estivesse distorcida e as coisas não fossem exatamente dolorosas. Há muita violência e tortura em Hunters, mas tudo é amortecido com a linguagem delirante que remete aos filmes de Tarantino, sem terem a consistência ou o contexto adequado para tanto. A cada novo corte de narrativa para fazer uma brincadeira, tudo vai parecendo menos ousado e mais inconsequente.

Nos primeiros cinco episódios de Hunters a sensação que sobra ao final é de que estamos imersos num imenso caos dramatúrgico. A série é muito confiante e planeja ser transgressora; e isso é só o primeiro grande ponto de controvérsia sobre ela. Em meio a nazistas, torturas, flashbacks, fantasia e dois pés inteiros no trabalho de terceiros, Hunters é capaz de deixar um pouco tonto mesmo o mais ávido dos espectadores.

A primeira temporada da série já está disponível no Amazon Prime Video.

Omelete no Youtube

Confira os destaques desta última semana

Omelete no Youtube

Confira os destaques desta última semana

Ao continuar navegando, declaro que estou ciente e concordo com a nossa Política de Privacidade bem como manifesto o consentimento quanto ao fornecimento e tratamento dos dados e cookies para as finalidades ali constantes.