É peculiar que Joe e Love, protagonistas da 3ª temporada de You, tenham como um de seus grandes desafios a ambição de apimentar sua vida matrimonial. É perfeitamente representativo. A familiaridade que vem com o tempo, o tédio do cotidiano e os desafios já familiares são problemas tanto de nosso casal psicopata quanto da série em si. Depois de dois anos de narração de Joe, o terceiro ano de You tenta chacoalhar sua rotina com um leque de novos personagens e uma parceira instável ao stalker, e isso funciona até o ponto em que a série atropela sua própria premissa.
O cenário de Madre Linda é um solo terrivelmente promissor. Deixando Los Angeles para viver numa cidadezinha da Califórnia, aumentando a concentração de influencers e defensores de dietas detox, a 3ª temporada de You, de certo modo, aperta o acelerador em todos os elementos que já havia desenvolvido em sua temporada anterior: californianos irritantes, a psicopatia de Love, os problemas maternos de Joe e a introdução de personagens mais desconfiados das intenções do protagonista. Parece que desde o início do segundo ano, You tenta superar a vítima que foi Guinevere Beck. Mas ao trazer figuras mais sagazes, a série deixa o dia a dia de Joe mais complicado, e sua base também.
Isso acontece porque um dos maiores apelos da série sempre foi colocar o stalker ao lado de pessoas vulneráveis, e vê-lo se atrapalhar mais em suas próprias armadilhas do que na astúcia dos outros. É parte do que sustenta a nossa relação com o stalker, o conforto de vê-lo fracassar por suas próprias mãos. Mas rodeado de pessoas espertinhas - e ainda mais, em uma cidade pequena e cercada de câmeras - Joe acaba se atropelando nas armadilhas dos outros, ainda mais quando Love tem seus planos paralelos.
É difícil que uma pessoa que acompanhou You até hoje desgoste da 3ª temporada, até porque o irresistível da produção está em achar conforto no absurdo. Dito isso, o novo ano da série tem muito mais dificuldade em encontrar um rumo, e não tem um alvo direcionado na maior parte do tempo. Os conflitos de Love com Dottie, de Joe com seu vizinho, a introdução da nova vítima, e todo o arco do casal são braços narrativos válidos, mas que colaboram para a falta de foco do novo ano.
A recompensa, em grande parte, está em Victoria Pedretti. A queridinha da Netflix já tinha demonstrado seu talento na 2ª temporada, mas vê-la desenrolar o papel da esposa suburbana psicopata é delicioso. Pedretti sabe muito bem o que fazer com o texto que lhe é dado, por mais vacilante que seja, e demonstra a cada momento se divertir com o papel que tem. Sua parceria com Penn Badgley é perfeita, e dá a You o ingrediente que precisava para que o fã nem saiba mais para quem torcer. Completados por Shalita Grant, escondida em papel coadjuvante de Sherry até ter chance de brilhar, e Scott Speedman, esta é a temporada mais bem atuada de You.
Este é também o ano em que suas conveniências clássicas, que fazem com que desafios magicamente desapareçam ou que personagens mudem de ideia pelo bem do rumo narrativo, ganham força total. Mas You não existe para quem quer problematizar a falta de investigação, o descuido com impressões digitais ou o mundo sem DNA. Isso é porque You não é a série para quem não quer comprar You. A produção conta com o voto de confiança do espectador, e sabe compensá-lo na medida.
Tudo isso - as conveniências, um mundo mais atento, o leque de desafios - é o maior obstáculo do novo ano, e a série tem uma dificuldade real de driblar o cenário imposto. O resultado no fim é um acúmulo de crimes e vítimas sem precedentes, e a pilha de mortos ou sequestrados é tão grande que leva You a perder sua noção de risco. Se tudo no fim pode levar à eliminação da vítima, o que está em jogo para Joe e Love? A empreitada, que consequentemente faz a produção abandonar o jogo de mentiras e manipulação em favor de crimes mais concretos e visíveis, leva You às suas últimas consequências. Não surpreende que a série agora aperte o botão de reset para o futuro.
Criado por: Greg Berlanti e Sera Gamble
Duração: 4 temporadas
