You chega ao limite do estapafúrdio - e dá a volta por cima - na 4ª temporada
Brincando com os limites da paciência do público, série abre mão da seriedade para o bem e para o mal
Créditos da imagem: Netflix/Divulgação
Se havia alguma esperança de que You (ou Você), a série do adorável stalker da Netflix, voltasse algumas casas no campo da insanidade e retornasse ao clima da ótima primeira temporada, o início do 4º ano já deixa claro que a expectativa será frustrada. Desde o começo do segundo ano, na realidade, a série de Greg Berlanti e Sera Gamble deixa qualquer noção terrena para trás e se aventura cada vez mais em absurdos. Aqui, conveniências de roteiro escalam a cada ano e Joe (Penn Badgley) vem se tornando um protagonista praticamente mágico com a passagem do tempo. Enquanto isso não é necessariamente um problema - se bem feito, a liberdade absoluta pode funcionar muito bem em uma série que bem se entende como um guilty pleasure - a decisão precisaria caminhar com alguma elegância. E isso a 4ª temporada simplesmente não tem - até seus últimos minutos.
Para começar, You entra em um território perigoso ao se aventurar na mudança de gênero nesta que é sua penúltima temporada. A ideia de tentar se segurar no whodunit - uma aventura que dura até mais da metade da temporada - só funciona porque estamos diante de um protagonista simplesmente carismático. Este, inclusive, é o recurso principal de You, e na 4ª temporada a série brinca com fogo ao fazer de Joe o detetive, uma empreitada que faz dele ainda mais recluso no meio de tantos personagens odiáveis. Agora, mais do que nunca, Joe interage com quase ninguém. Enquanto existe certo alívio neste sentido lá pelos últimos três episódios, fato é que Joe é sempre melhor quando refletido em uma vítima de seus avanços, e tirar isso da trama fez You batalhar para se encontrar novamente.
Neste contexto, a outra parte do problema é que a 4ª temporada de You simplesmente não encontra alguém realmente interessante para servir como reflexo dos problemas de Joe. Fosse mocinha inocente como Guinevere Beck ou mulher insana como Love Quinn, Joe sempre teve ao seu lado alguém que lidasse, de um jeito ou de outro, com seus avanços. Quem faz esse papel agora é a complicada Kate (Charlotte Ritchie), mas seus first world problems simplesmente não interessam e os de seus amigos muito menos. Nessa temporada, e por algum motivo, You resolve desviar em tramas que não compensam em nenhum sentido, como o foco no absurdo relacionamento entre Lady Phoebe (Tilly Keeper) e Adam (Lukas Gage). Nessa bagunça toda, a nova personagem que temos para simpatizar é Nadia (Amy-Leigh Hickman), uma detetive mirim que até cativa, mas não o suficiente para chamar a responsabilidade narrativa pra si.
A solução é se apegar no que You tem de melhor: sua auto-ironia e a criação de seus vilões. No 4º ano, no meio de um monte de personagens sem graça, a produção ganha pontos imediatos na surpresa e conforto que é a aparição de Greg Kinnear, no ótimo papel do pai de Kate. A introdução de um novo sociopata com recursos ilimitados é um alívio para quem chegou até lá, e finalmente entrega a You um desafio propício para seguir em frente.
A pobreza narrativa também faz com que You resolva desenvolver seus recursos criativos, uma empreitada que serve como distração da falta de história, mas que chega a funcionar. É neste ano que a série da Netflix abre o leque de possibilidades e entrega, por exemplo, um episódio narrado por Marianne (Tati Gabrielle), ou todo um capítulo aprofundado em uma sequência de sonho de Joe, onde ele encara suas ações do passado e revisita suas principais vítimas.
Pode até parecer loucura perdoar todos estes deslizes de Joe e de You no 4º ano por causa dos 20 últimos minutos de uma temporada, mas a conclusão de toda essa narrativa é bizarramente compensadora. E não é só isso: o fim da temporada chega à possibilidade real de um recomeço e uma história que poderia, se quisesse, durar por mais anos e anos. A plataforma já confirmou que a 5ª temporada de You será sua última, mas a conclusão da penúltima é tão boa que dá até para torcer por um derivado ainda mais insano de Joe.