Se alguém na cultura popular brasileira merece um documentário, esse alguém é definitivamente a Xuxa. Atravessando gerações, fases e programas, a apresentadora, atriz e cantora passou por reinvenções, altos e baixos, e essa incrível jornada é minuciosamente explorada nos cinco episódios de Xuxa - O Documentário. Para os fãs da apresentadora, o documentário oferece uma bela homenagem, embora não se arrisque muito além disso.
Sob a direção de Pedro Bial, que por vezes assume o papel de interlocutor, a marca da sua atuação como entrevistador na TV, os episódios exploram os bastidores e as marcantes histórias que contribuíram para construir o mito em torno da Rainha dos Baixinhos. Vai dos seus dias como modelo no Rio Grande do Sul até sua estreia na Rede Manchete, abrangendo os filmes com os Trapalhões, as reviravoltas na Rede Globo e até mesmo - de maneira surpreendente - seu breve período na Rede Record. Todos esses elementos são habilmente entrelaçados por meio de depoimentos de amigos, produtores e colegas de palco, oferecendo um retrato abrangente do encantador universo da apresentadora.
No entanto, fica uma dúvida no ar: o que se encontra além desse retrato meticulosamente desenhado da loira? Assumindo o papel de curadora e produtora do próprio documentário, Xuxa ameniza aspectos de sua própria trajetória – algo totalmente compreensível, considerando o seu papel na produção. Mas momentos cruciais de controvérsias são deixados de lado; o documentário não apenas se assume chapa-branca como vai além disso e se torna mesmo um relato em primeira pessoa, e como tal seu interesse maior, portanto, é revelar como Xuxa enxerga a si mesma enquanto figura pública.
O nome de Adriane Galisteu, por exemplo, com quem Xuxa teve um episódio tumultuado durante seu rompimento com o piloto Ayrton Senna, é omitido. Já o segmento sobre o filme Amor, Estranho Amor (1982), de Walter Hugo Khouri, episódio frequentemente ligado a Xuxa numa tentativa de minar sua reputação, é abordado de maneira quase cômica devido a um encontro desconfortável entre ela e o ator Marcelo Ribeiro – nesse filme, produzido quando ela tinha 18 anos, há cenas em que Xuxa aparece nua ao lado do então jovem de 13 anos. O suposto pacto com o diabo? Esse daí passa longe de ser lembrado – mesmo que a apresentadora já tenha brincado com a situação para uma propaganda da Netflix.
Quem espera mais destaque para esses episódios tende mesmo a se frustrar. Sobre Amor, Estranho Amor, o que vale dizer é que o trabalho de Khouri volta a ganhar neste mês uma retrospectiva com debates na Cinemateca Brasileira de São Paulo, após cerca de 20 anos. De volta ao documentário, nenhuma dessas polêmicas chega aos pés do esperado reencontro - e potencial acerto de contas - entre a apresentadora e Marlene Mattos, sua ex-produtora.
É quase como testemunhar uma discussão de um relacionamento que terminou em frustração, onde ambas as partes sabem de suas falhas, mas apenas uma delas as admite. Marlene mostra uma postura firme em sua perspectiva: "Eu fui rigorosa, é verdade. No entanto, éramos somente eu e você. Duas mulheres em um mundo televisivo moldado por homens, em um mundo dominado por homens". Curiosamente, esse episódio é usado para destacar as ações beneficentes de Xuxa, que afinal tem o controle sobre a narrativa e pode concluir o que desejar desse reencontro. Não surpreende, portanto, que o documentário encontre mais valor para nós não na figura extremamente pública de Xuxa e sim ao jogar luz no que antes eram as sombras que cercavam Marlene Mattos.
No último episódio, o documentário retoma a sua missão de definir o universo de Xuxa sem novas arestas: amarra as pontas soltas e oferece uma conclusão tocante, abordando os abusos sexuais que Xuxa sofreu. É nesse momento que a apresentadora se mostra verdadeiramente aberta e vulnerável, como se a experiência do documentário nos episódios anteriores fosse uma grande preparação para atribuir um novo valor a Xuxa: o da sobrevivente.
A história de Xuxa, indiscutivelmente, merece ser contada. Ela é uma força da natureza, ergueu-se como um dos maiores ícones da televisão brasileira e atravessou a barreira do idioma para conquistar também o público de outros países da América Latina. No entanto, ao retratá-la como uma vítima em praticamente todos os momentos de sua tumultuada jornada no mundo do entretenimento, antes de arrematar com o relato da sobrevivência a uma violência mais literal, o documentário parece adotar uma abordagem muito previsível de reatividade. A jornada de Xuxa tem uma dimensão maior e merece que a apresentadora se aproprie dela de fato, e não apenas da palavra final.
Criado por: Pedro Bial, Cássia Dian, Mônica Almeida, Anelise Franco, Camila Appel, Xuxa
Duração: 1 temporada