Séries e TV

Crítica

This is Us - 1 ª Temporada | Crítica

Comovente produção da NBC mostra como bons roteiros podem cativar uma audiência, mas tropeça ao frustrar as próprias expectativas no episódio final da temporada

Omelete
5 min de leitura
16.03.2017, às 14H13.
Atualizada em 16.03.2017, ÀS 15H01

A televisão contemporânea está cercada de grandiloquência. Os sucessos do momento passam por reinos fantásticos épicos, apocalipses zumbi, super-heróis, tramas presidenciais e por aí vai. A maioria das séries bem-sucedidas compartilha um mesmo senso de magnitude, contando suas histórias por uma perspectiva quase megalomaníaca. Isso faz parecer que não se produz outro tipo de drama na TV, quando na verdade tudo é uma questão de tendência. A rotina do homem comum, o recorte da vida cotidiana, também podem oferecer muita beleza e catarse. This Is Us, a série da NBC criada por Dan Fogelman é um dos grandes exemplos disso.

Alguns veículos descrevem a série como uma crônica e essa pode ser uma característica preciosa da sua dramaturgia. As crônicas nasceram como se fossem tiras de representação da vida, que são impressas em periódicos e acabaram sofrendo uma mutação de gênero, indo parar em produções de TV, desde a pioneira Sex and the City. A crônica nada mais é do que a análise artística de algo que pode parecer muito simples à primeira vista – como uma caminhada até a padaria – mas que pode resguardar uma série de emoções catalisadoras que só um olhar apurado pode alcançar. A premissa de This Is Us parte exatamente desses princípios.

Como a sinopse precisava de um norte, Dan escolheu dizer que a série acompanhava as vidas de pessoas que nasceram todas no mesmo dia. Então, no piloto dirigido e editado de forma brilhante, descobrimos que a narrativa do casal Jack (Milo Ventimiglia) e Rebecca (Mandy Moore), se encontra com a dos irmãos Kevin (Justin Hartley), Kate (Chrissy Metz) e Randall (Sterling K. Brown), nascidos no mesmo dia, mas em circunstâncias bem inesperadas. Dessa forma, Dan estabelece que semana após semana, vamos acompanhar as vidas dessas pessoas em linhas temporais distintas, indo e vindo no tempo, para entendermos como aquelas pessoas se tornaram quem elas são e como o passado delas interferiu nisso.

Tears In Heaven

Uma passada pelas redes sociais depois de qualquer episódio deixa clara a fama de emocionar sempre seus espectadores. Como com qualquer boa crônica, esse recorte de uma simplicidade cotidiana tende a captar o público pelas vias da identificação. This Is Us fala de laços familiares, fala de autoestima, fala do medo de tomar decisões e essas são coisas com as quais todo mundo pode se identificar. O fato de Kate ser obesa, de Randall ser o filho negro que foi adotado após ser abandonado pelo pai que reencontra anos depois, de Kevin ser um cara bonito que precisa mostrar que não é burro, tudo isso imprime uma angústia que alcança determinado tipo de pessoa e mesmo que aquele cenário seja tomado de coisas triviais, dá certo porque é feito com quilos de extrema sensibilidade.

Há uma construção de químicas impressionante. E não só com relação aos personagens, mas na forma como os roteiros se preocupam com impulsos reais, na forma como a direção escolhe direitinho a maneira como vai cavar as emoções e na forma como a edição nos conduz para “grandes pequenas viradas”. Essa não é uma série de plot-twists, mas seu texto é tão bem construído que torna-se um prazer esperar para ver qual diálogo será o diálogo arrebatador naquela semana. Nesse mundo seriado de super-poderes, é muito reconfortante que o forte de uma nova produção seja o que ela diz, seja a força de sua palavra.

É fato que depois de uma sequência longa de 9 a 10 episódios, o impacto emocional começa a se tornar uma obrigação. Episódios como o de ação de graças já evidenciam um cansaço nesse bombeamento sentimental e os roteiros escorregam um pouco ao não conseguirem disfarçar que estão exigindo nossas lágrimas. Isso dura algumas semanas, até que nos três últimos episódios da temporada, a naturalidade para se lidar com perdas e lutos leva o roteiro de volta para o pequeno, para o que é quase insignificante, mas que tem suma importância para todos aqueles que compartilham o amor pelos seus, aqueles que ficam do seu lado em todas as horas, seja você sangue deles ou não.

Jack's Finale

Um dos grandes trunfos do show foi estabelecer desde as primeiras semanas uma espécie de pequeno mistério: no presente, descobrimos que Rebecca (mãe dos “trigêmeos”) está viva e que casou de novo. Logo depois, descobrimos que ela é viúva e acompanhando nos flashbacks a maneira hiper carismática com a qual Jack (o pai) é descrito, a perspectiva de sua morte vai começando a se tornar uma iminência necessária, mas dolorida para todos os fãs. Jack morreu, sabemos disso, mas os flashbacks não se aproximam exatamente do momento em que isso acontece. Assim, o criador Dan Fogelman deixa estabelecido que essa é uma expectativa categórica que guiará a série para os momentos finais do seu primeiro ano.

Talvez esse tenha sido o grande problema de This Is Us, criar uma expectativa que não pretendia cumprir. Os três excelentes episódios antes do finale sinalizaram com muita ênfase que era certo esperar por um último episódio da temporada regado de muita emoção, justamente porque descobrir como Jack havia partido tornou-se o “plot especulativo” do ano. O personagem era tão amado, a relação com os filhos tão especial, a relação com a mulher tão adorável, que pensar que ele morreria mais para frente era triste e ao mesmo tempo desafiador. Todos esperavam por isso. A série fugiu e não deu.

Mesmo assim foi um último episódio muito bem escrito. A impressão era de acompanhar o dia em que Jack e Rebbeca se conheceram, paralelo ao dia, mais no futuro, em que ele morria. Teria sido uma dinâmica impecável se não fosse o medo dos roteiristas de não dar esse passo, o que protegeu Jack e deixou a sensação de que ficou faltando alguma coisa no final das contas. O texto ainda era lindo, Mandy e Milo dividiram uma química absurda, a direção foi impecável, mas parte do público acabou frustrado. Ver a morte de Jack não precisava ser importante, desde que a série não estivesse se esforçando para dizer que era. Um erro de cálculo, sem dúvida nenhuma.

Não foi um deslize capaz de apagar o que This Is Us tem de especial e único. A série desarma, revira as entranhas mesmo, obriga a lidar com a experiência da plena empatia, faz sentir emoções conflitantes assim como na vida. Sim, porque são alegorias do anseio, do afeto; e esses seres humanos raros, que ainda se comovem com coisas simples, existem para a vida de modo mais próximo da felicidade. Esses seres humanos não podem e não devem ser apenas obras de ficção. Esses – aqui e lá – somos nós.

Nota do Crítico
Excelente!
This Is Us
Encerrada (2016-2022)
This Is Us
Encerrada (2016-2022)

Criado por: Dan Fogelman

Duração: 6 temporadas

Onde assistir:
Oferecido por

Omelete no Youtube

Confira os destaques desta última semana

Omelete no Youtube

Confira os destaques desta última semana

Ao continuar navegando, declaro que estou ciente e concordo com a nossa Política de Privacidade bem como manifesto o consentimento quanto ao fornecimento e tratamento dos dados e cookies para as finalidades ali constantes.