The Traitors talvez seja o sonho molhado de todo produtor de reality show do planeta. Seu formato mais ou menos rígido gera uma boa temporada de televisão mesmo quando as personalidades escaladas para o jogo da vez não se engraçam com o público, e não à toa mais de 30 emissoras em diferentes países pagaram para reproduzir a premissa criada originalmente na RTL4, da Holanda – incluindo o serviço de streaming Peacock, que produziu a versão estadunidense de The Traitors. Já nas primeiras temporadas, o programa deu à plataforma um gostinho do sucesso de audiência e crítica que ela raramente alcança. No Brasil, a história se repete com o Universal+, que aposta no reality apresentado por Alan Cumming como um dos ases de sua programação, ainda negligenciada diante dos concorrentes mais estabelecidos do mercado de streaming brasileiro.
O terceiro ano desta The Traitors, especialmente, foi uma prova de fogo para o programa. Tirando a maioria de seus competidores de outros realities de sucesso nos EUA, como Big Brother, Survivor e Real Housewives, a série encara logo nos primeiros episódios a realidade de um elenco pouco observador, e ainda menos estratégico. A graça do jogo de The Traitors (pense em uma grande rodada de Lobisomem ou Cidade Dorme, mas num castelo escocês e intercalada com desafios físicos que valem dinheiro) frequentemente está em plantar a desconfiança em um grupo social, cujas lealdades nunca podem ser garantidas – mas o time dessa temporada, contraintuitivamente, está o tempo todo demonstrando que é capaz de seguir cegamente esse ou aquele jogador. Tudo simplesmente por conta de um laço emocional que mal tiveram tempo de forjar.
Diante desse impasse, a equipe de direção liderada por Ben Archard (um veterano dos realities, que também comanda a versão britânica de The Traitors) acerta primeiro em trabalhar sistematicamente para expor esses equívocos, mas sem perder muito tempo neles. Archard e cia. sempre têm os recibos para a última irracionalidade absurda dos participantes na mesa redonda de votação, mas sabem também que o jogo tem que continuar, e que há coisas melhores para mostrar – seja um momento de leveza causado pelo desafio da vez (Tom Sandoval cantando canções de ninar ao telefone é um momento antológico de televisão), o look excêntrico mais recente do apresentador Cumming, ou o palpite surpreendentemente correto de outro jogador que parece ter finalmente tido um momento de clareza, ainda que fugaz.
The Traitors, enfim, entende os prazeres superficiais que formam o seu encanto como entretenimento, e nunca tira o olho deles. E daí que, ainda bem, o jogo bizarramente sério que alguns dos competidores pretende jogar não tira a graça da produção como um todo. Não faltam momentos em que eles falam de seus colegas eliminados como se estes tivessem realmente “morrido” durante a noite, ou em que tratem os resultados de uma votação com a gravidade de um falecimento na família (estou olhando para você, Danielle Reyes). Mas o que está em risco aqui, afinal, é absolutamente nada, e essa é justamente a graça de assistir The Traitors: ver pessoas ridiculamente famintas por atenção, mas razoavelmente estabelecidas num ponto de vista financeiro, jogar uma versão glorificada de uma brincadeira de festa adolescente para ganhar um dinheiro que, com poucas exceções, não vai fazer tanta diferença assim em suas vidas.
A chave do espetáculo, a série bem sabe, está no fato de que – como diria Logan Roy – “essas não são pessoas sérias”, e nós amamos assisti-las mesmo assim. Que The Traitors tenha conseguido manter essa leveza, e expor esse ridículo, mesmo quando confrontada por um elenco que não parecia disposto a fazê-lo, é um testamento do brilhantismo do seu formato.
The Traitors
Criado por: Christine Rose, Lee Grant
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