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Créditos da imagem: The Outsider/HBO/Divulgação

Séries e TV

Crítica

The Outsider

Minissérie da HBO age corretamente ao não complicar mais uma mitologia baseada em uma obra de Stephen King

12.03.2020, às 19H06.
Atualizada em 13.03.2020, ÀS 11H41

Segundo a lenda portuguesa, o monstro El Coco (ou El Cuco na língua latina) era o grande amigo das crianças desobedientes. Assim que uma era detectada e ameaçada pelos pais, Coco (ou até mesmo Coca, na versão feminina) aparecia na calada da noite, vestindo uma capa preta e uma abóbora ou cabaça no lugar da cabeça, de onde saía luz. Coco também podia se disfarçar nas sombras e passar despercebido entre as pessoas. As crianças que sequestrava eram imediatamente devoradas. No Brasil, a lenda evoluiu para a figura da Cuca, que aparece em canções de ninar que são verdadeiras ameaças traumáticas a pobres bebês recém-nascidos (Nana neném, que a Cuca vai pegar...).

Foi essa lenda que parou nas mãos de Stephen King, que na sua impressionante capacidade de produzir, lançou em 2018 o livro The Outsider. A lenda, é claro, passou por um filtro moderno, resultando numa metáfora interessante: a de que monstros podem se esconder entre como nossos duplos, fazendo com que ninguém, absolutamente ninguém seja confiável ou seguro. O autor conseguiu tal feito por tomar uma decisão criativa que mudaria tudo. Em sua história, a cabeça incógnita de Cuco se transformou numa capacidade de metamorfose. Moldável como um boneco de massinha, a criatura consegue se tornar qualquer pessoa.

Richard Price, outro autor de livros, curiosamente foi o nome escolhido para adaptar a obra de King - e isso também foi calculado. Os produtores (incluindo Jason Bateman, de Ozark) queriam imprimir uma identidade visual e narrativa que fosse parecida com The Night Of, que Price escreveu em 2016. Em The Night Of, o protagonista também era acusado de um crime em que todas as provas o incriminavam, ainda que ele jurasse inocência. Ou seja, o terreno de The Outsider era muito seguro para o produtor e roteirista, já que é exatamente isso o que acontece nas primeiras páginas do livro.

Terry Maitland (Jason Bateman) é o treinador de um time infantil de baseball e um dia, no meio de um jogo, é preso na frente de toda a comunidade, acusado do assassinato canibalesco do menino Frankie Peterson (Duncan E. Clark). O detetive Ralph Anderson (Ben Mendelsohn) tem certeza da culpa de Terry, já que digitais e testemunhas compõem uma acusação muito sólida. Mas, rapidamente, Terry encontra uma forma de provar, sem chance de dúvida, que no dia e hora do crime ele estava em outra cidade muito longe dali. As dúvidas começam a ser plantadas, já que é impossível que duas pessoas estejam no mesmo lugar ao mesmo tempo.

All Monsters Are Humans

A obra de King é bastante suscinta na forma como desenvolve a narrativa. Ele é um livro basicamente investigativo, o que significa que – minucioso como é – King passa muito tempo dando detalhes de cada passo do caso, cada conferência de provas, cada visita a uma testemunha, cada diálogo sobre questões técnicas... Como o plano para a história não inclui muitas reviravoltas, essa foi a maneira que o autor encontrou de adiar os acontecimentos, tornando as descobertas graduais. É necessário que Ralph duvide de tudo por muito tempo ou a história se esgotaria muito rápido.

Enquanto nas páginas a chegada de Holly Gibney (Cynthia Erivo) se dá já bem perto do final, os produtores da série não podiam perder a chance de aproveitar ao máximo sua atriz indicada ao Oscar (ainda que na época da produção isso ainda não tivesse acontecido). Holly surge na série bem mais cedo e é também, através dela que os roteiros encontram maneiras de esticar a história, indo além do livro, para justificar 10 episódios. A investigadora que já apareceu em outras obras do autor (como em Mr. Mercedes) é a voz da crença, o Fox Mulder (Arquivo X) do grupo, inclusive em seus métodos peculiares e na personalidade estranha. Erivo não se preocupa em ser carismática, o que a aproxima do personagem dos livros. Por outro lado, Jeannie, mulher de Ralph, é a personagem mais querida do original e infelizmente, Mare Winningham não chega nem perto de sua personalidade.

The Outsider é o livro de King em seus primeiros 5 episódios. Então, do sexto até o nono episódio, Price toma uma série de liberdades que poderiam ameaçar a elegância da história. Até que, no décimo e último, o livro volta a ser explorado quase em sua totalidade. E esse “quase” também é parte de uma conteção de danos. Conhecido por não entregar bons finais, King comete alguns erros na versão literária de The Outsider - e esses erros partem sempre do mesmo lugar: sua necessidade de manter o horror como premissa apenas nas páginas finais ao invés de durante toda a narrativa (como em IT). The Outsider é outro de seus thrillers criminais, mas acaba como se fosse uma peça de horror clássico. É como se as duas coisas não dialogassem corretamente.

Sabiamente, Price tenta corrigir os exageros do final do livro, dando ao final da série uma dose a mais de sobriedade. Mesmo assim, após tanta expectativa para um embate com a criatura, a coisa toda pode ter sido para alguns um pouco anticlimática. A série tem uma linguagem visual muito limpa e apesar do fator sobrenatural do enredo, nem King nem Price permitem que a história saia do controle, mantendo seu Cuco nas sombras, incógnito, para que qualquer vislumbre de sua presença tenha verdadeiro impacto. Com uma segunda temporada muito possível pela frente, há tempo – e também risco – de que a história possa se desenvolver bem melhor quando não estiver presa ao material original.

The Outsider é um exemplo de boas adaptações de Stephen King. Em tempos em que erros como a adaptação de A Torre Negra ainda são cometidos, dá gosto ver que Castle Rock, IT e The Outsider são evidências de que o autor ainda tem muito para mostrar. El Cuco pode estar de volta em breve, se escondendo nas sombras, prestes a comer inocências, se alimentando de pesares e usando qualquer rosto.  

Nota do Crítico
Ótimo
The Outsider
Em andamento (2020- )
The Outsider
Em andamento (2020- )

Criado por: Richard Price

Duração: 1 temporada

Onde assistir:
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