The Flight Attendant tinha tudo para ser só um bom exemplo de “literatura de aeroporto”. Este chavão crítico, mais usado nos EUA, define os livros de mistério ou suspense que são vendidos em bancas e livrarias de aeroportos pelo mundo, visando entreter passageiros durante as longas esperas e ainda mais longos voos que estão prestes a pegar. São volumes normalmente longos, que privilegiam trama e ação acima de estilo ou personagem, o tipo barato e fácil de entretenimento que funciona bem no momento, mas que não dura muito na memória.
O livro de Christopher A. Bohjalian no qual The Flight Attendant se baseia é um exemplo primoroso do subgênero, com uma camada a mais de ironia por ter uma trama que se passa majoritariamente em… bom, aeroportos. Seu ritmo é alucinante, seus personagens são excêntricos, e a conspiração no coração de sua trama é completamente estapafúrdia. Ainda assim, nas mãos do roteirista Steve Yockey (vindo de Supernatural), a adaptação para a TV de The Flight Attendant transcende, em seus oito episódios, as limitações da própria concepção e encontra uma ressonância emocional inesperada.
Nossa protagonista aqui é Cassie Bowden (Kaley Cuoco), uma aeromoça alcoólatra que, durante um voo para Bangkok (Tailândia), troca flertes com o misterioso passageiro Alex (Michiel Huisman). No dia seguinte, ela acorda em um quarto de hotel desconhecido, sem nenhuma memória do que aconteceu durante a noite… e ao lado do cadáver de Alex! Enquanto tenta desvendar o mistério do que aconteceu, Cassie precisa encarar de frente os problemas causados em sua vida pelo álcool.
Como dá para imaginar pela sinopse, The Flight Attendant é uma daquelas séries que precisam fazer um malabarismo complexo para acertar o próprio tom. Ninguém quer que uma história sobre alcoolismo perca de vista a seriedade da doença e da devastação que ela causa na vida de uma pessoa. Ao mesmo tempo, quem aperta o play em The Flight Attendant não está esperando uma saga melodramática pelas consequências da dependência química - esta é, afinal, uma série vendida desde o início pela HBO Max como um suspense divertido com algo de pulp.
Por sorte, este malabarismo é levado com tranquilidade pelo time da série. A Cassie criada por Yockey e Cia. no roteiro é uma agente do caos movida a vodca, mas não é dela que somos convidados a rir, na maior parte do tempo, ou ao menos não da forma barata que muitas comédias tratam personagens bêbados. Ao invés disso, The Flight Attendant acha humor na inteligência e verborragia da protagonista, de sua melhor amiga Ani (Zosia Mamet, finalmente em um papel que a merece após o fim de Girls), da assassina de aluguel Miranda (Michelle Gomez), e por aí vai. A graça está nos personagens, em quem eles são, e não na situação na qual se encontram.
A própria Kaley Cuoco também é muito importante neste contexto. Após 12 anos interpretando o carismático, mas limitado, papel de Penny em The Big Bang Theory, ela encara o desafio de viver Cassie com óbvio apetite e prazer. Cuoco é, acima de tudo, a base sólida na qual a série pode confiar quando precisa correr um pouco com a trama. Ela garante, na pura força dramática e coerência de sua performance, que a série não perca Cassie e seu arco de vista enquanto está concentrada em nos entreter com o plot twist absurdo da vez.
Dirigida com mão leve e sem grandes preocupações estéticas, The Flight Attendant é uma história envolvente sobre a conciliação de traumas do passado com comportamentos do presente, que deixa uma impressão forte no espectador mesmo enquanto mira distraí-lo um pouco do mundo real. No aeroporto ou não, é uma ótima pedida.
Criado por: Steve Yockey
Duração: 2 temporadas
