Round 6 é um marco na história da Netflix, série mais assistida do serviço desde que foi lançada em 2021, então é natural que The 8 Show pleiteie o lugar de ser sua sucessora. A nova série coreana estimula a comparação muito por conta da similaridade entre as tramas, que envolvem um grupo de pessoas que se sujeitam a entrar em um jogo macabro para ganhar um prêmio milionário.
No caso de Round 6, o espetáculo da violência nos jogos apresentados nunca foi maior do que as reviravoltas propostas na trama - e a lição de moral concentrada no protagonista Gi-hun. Em The 8 Show, o jogo de sadismo a que o espectador é convidado não funciona da mesma forma.
A série narra a história de oito indivíduos com dificuldades financeiras que aceitam participar de um misterioso reality chamado The 8 Show. No programa, os competidores são presos em um prédio de oito andares. Cada um deles recebe um valor específico por minuto que passa no local, com algumas regras a serem cumpridas - e cada regra é pensada para explorar os fracos específicos de cada competidor.
A ideia em The 8 Show é fazer com que a realidade do jogo seja um espelho da sociedade; quem escolhe os andares mais altos compete por cifras mais gordas do que quem está nos andares baixos. Não é preciso ter muito repertório para entender a literalidade da metáfora, que ecoa desde os recentes O Poço e O Expresso do Amanhã a clássicos do scifi como Metrópolis. Referir-se aos competidores pelos números dos andares designados e não pelos seus nomes coroa o pacote básico de alegorias, familiar em qualquer distopia da Era Industrial.
Pelo formato do jogo, a entrega de “entretenimento” faz com que o grupo ganhe mais horas dentro do reality. Desta forma, o valor dos prêmios entregues a cada um aumenta gradativamente. O problema é que, como o participante Nº 7 (Rich Ting) sabiamente afirma logo no início da dinâmica, o tipo de entretenimento buscado pelos espectadores do The 8 Show é ver o circo pegar fogo.
O que surge a partir desta dinâmica é, compreensivelmente, um show de horrores. Na tentativa de propor uma reflexão sobre a natureza humana e nossa relação com o dinheiro, a série adota um olhar difuso e sem distanciamento em relação à violência. A experiência desprazerosa de assisti-la transcorre norteada pelo choque, e de cúmplice do circo de violência o espectador se torna o alvo principal do sadismo. Se há um valor em The 8 Show é o de abraçar o horror gráfico sem pudor - uma decisão compreensível se o desafio era subir o sarrafo em comparação a Round 6.
Ao jogador nº 3 (Ryu Jun-yeol), escolhido para ser o fio condutor desta história, recai a ingrata missão de gerar empatia no público - ou minimamente uma torcida. Há um exagero na personalidade de cada um dos personagens que faz The 8 Show parecer um anime de lutinha ruim, com caricaturas que evocam os mais ultrapassados clichês - o protagonista bobo, o vilão que é ruim porque sim, a patricinha aparentemente boba e fútil.
Como na cultura pop há espaço para tudo, especialmente quando diferenciar-se nos catálogos dos streamings exige boa dose de sensacionalismo, pode ser que The 8 Show seja de fato o novo fenômeno sul-coreano da Netflix. Em tempos em que tragédias e maldades são banalizadas no mundo inteiro, uma série que abraça a violência gratuita como entretenimento tornar-se sucesso mundial seria a menor das surpresas.
Duração: 1 temporada