Segunda temporada de Sex/Life tem menos sexo e mais equívocos
Apesar de tentar promover mais dinamismo nos enredos, o segundo ano da série continua insistindo em toxicidade.
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Quando o livro de BB Easton – 4 Homens em 44 Capítulos – foi lançado, em 2016, o público que tinha sido aquecido pela história de 50 Tons de Cinza encontrou no título uma sobrevida para sua paixão. Assim como na história de Grey, uma mulher encontrava na figura masculina rebelde uma forma de explorar as próprias fantasias. Era um tipo de leitor que estava sempre em busca de mais erotismo, principalmente se ele fosse atrelado a questões emocionais importantes.
Para o imaginário feminino, esse tipo de literatura sempre parece perigosa. Bella (de Crepúsculo), Anastasia (de 50 Tons de Cinza), entre outras, são protagonistas que abrem uma janela problematizadora de comportamentos tóxicos e do verdadeiro teor das mensagens emitidas por essas tramas. A ideia de uma mulher com uma vida comum que acaba sendo definida pela chegada de um homem sedutor e rebelde, parecia a “síndrome do príncipe encantado” disfarçada de empoderamento.
Contudo, há uma coisa sobre o livro de Easton que se difere da série; e que coloca um ponto final sobre onde estão as limitações definitivas de Sex/Life: no livro, a protagonista sente falta da adrenalina fundida ao erotismo que surgia quando se envolvia com os homens errados. Ela, então, deixa o diário com suas memórias sexuais à vista do marido, que lê e aplica as práticas na vida do casal. No livro, a protagonista apenas usou a fantasia para melhorar o próprio casamento; ela nunca foi atrás do ex.
Aí está a grande cilada de Sex/Life, que conta uma história que também começa assim, mas que vai para uma direção muito diferente. Billie (Sarah Shahi) permite que o ex tóxico retorne para sua vida e entra em um triângulo amoroso que pautou a primeira temporada de uma maneira muito questionável. Mesmo com um marido dedicado e fiel, filhos, carreira, Billie tinha todo direito de fantasiar como seria sua vida se tivesse tomado outras decisões. Só é difícil entender por que ela não pode ser madura como sua versão literária e manter a fantasia no terreno da fantasia. Na série, Billie implode tudo por conta da atração por um homem que jamais foi capaz de respeitá-la. “Isso acontece muito”, claro. O problema é ver a série justificando violência verbal com promessas de amor.
No Sex/Life
A primeira temporada terminou com Billie reconsiderando e decidindo procurar Brad (Adam Demos). É claro que a situação dos dois não pode se resolver imediatamente e o roteiro encontra outra maneira cretina de mantê-los separados. As críticas sobre a morosidade narrativa da temporada anterior (estritamente apoiada em cenas de sexo) devem ter chegado até os produtores, que resolveram aplicar uma dinâmica mais dissolvida entre os personagens.
Separada de Brad e de Cooper (Mike Vogel), Billie adentra a noite de Nova York em busca de mais experiências eróticas. Acaba conhecendo Majid (Darius Homayoun) e inicia com ele um relacionamento. Brad está envolvido na própria jornada para ser menos “boy lixo” e Cooper na sua para ser menos um “cara legal”. A criadora Stacy Rukeyser não se faz de rogada... Suas intenções são claras: ela quer reiterar a ideia perigosa do homem tóxico que “se redime por amor” e do homem bacana que após ser traído se torna o homem tóxico da vez. Ao menos a saga de Cooper oferece ao espectador episódios mais agitados.
Todas as relações em Sex/Life são relações abusivas, inclusive a de Cooper com o amigo Devon (Jonathan Sadowski). Billie e Cooper destruíram o casamento; Devon e a esposa já estavam destruídos... até mesmo a amizade entre Billie e Sasha (Margaret Odette) tem episódios terríveis de toxicidade. Sasha, inclusive, ganhou uma própria storyline (na qual ela é tóxica com o namorado, claro).
Episódio a episódio, os personagens vão se machucando mais e mais. O que o roteiro quer fazer parecer é que toda e qualquer relação merece ser salva, sem se perguntar em nenhum momento se aquele não é um grande e substancial ciclo de nocividade. Para manter a surpresa, para aumentar o conflito, os personagens são todos horríveis uns com os outros. Mas, não há crítica. Aquele é só um estágio até o perdão, que absolve e proporciona o recomeço das trevas. No final das contas, tudo vai terminar lindo, todos serão redimidos e ficam aí duas cenas de nu frontal masculino para render correntes no Tik Tok.
Mesmo que mais dinâmica e com menos apelo sexual, Sex/Life encerrou seus ciclos nessa segunda temporada com um robusto saldo de desserviços. Se para a produção toda relação – por pior que seja – merece outras chances, talvez seja ela, a série, que não precise ser salva.