Empenho de Bruno Gagliasso e Raúl Arévalo não salvam Santo da confusão
Série da Netflix une Brasil e Espanha em trama bem produzida, mas afundada em confusão de gêneros
Créditos da imagem: Manolo Pavon (Divulgação/Netflix)
Quando o fiel espectador que acompanhou Santo chega aos minutos finais do último episódio, ele espera de seu criador Carlos López uma entrega do que foi prometido desde que a trajetória dos protagonistas começou. O enredo da série gira em torno de um segredo primordial: quem é esse homem, esse traficante temido e adorado, dono de uma reputação mística, cujo rosto é desconhecido por absolutamente todos os que estão em sua órbita?
Essa busca pela identidade de um personagem é uma das ferramentas mais eficientes da dramaturgia. Chefes de organizações criminosas são campeões do gênero; e geralmente a revelação tende a priorizar a surpresa e não a coerência. É quase o mesmo que acontece quando acessamos o tão antigo “quem matou”. Nesse tipo de produção, o mistério pode acabar sendo a cilada que rege todo o enredo ou o pano de fundo que justifica a narrativa.
Curiosamente, distinguir coisas sobre Santo é difícil em todos os setores. Além de ser uma trama que transita entre horror e investigação de uma maneira desorganizada, em muitos momentos é complicado estabelecer se os roteiros nos querem especulando sobre quem é Santo ou se os roteiros nos querem apenas acompanhando de camarote as mazelas de seus protagonistas. Com mistério ou não, uma coisa é certa: a série está interessadíssima em mostrar Bruno Gagliasso e Raúl Arévalo no auge da exploração dramática.
De certa forma, esse não é um objetivo ilegítimo. De fato, boa parte do apelo de Santo está na forma como ela se propaga como uma trama de dor, sofrimento e morte. A linguagem da série é sombria, escura, tensa, cheia de enfoque nos ângulos mais tortuosos da própria história... O que faz com que tudo isso passe a ser problemático é a falta de escopo, de embasamento humano, que nos faça envolver com aquelas pessoas antes que o sofrimento delas nos atinja minimamente. Santo é uma série bem produzida, mas é difícil se importar com ela.
Santo de duas casas...
A ideia de unir Espanha e Brasil numa mesma produção é muito boa. O diretor Vicente Amorim resolve muito a convergência entre as duas línguas; uma vantagem de seu trabalho que deveria se estender até a resolução do enredo, o que, infelizmente, não acontece. As vidas de Ernesto Cardona (Gagliasso) e de Miguel Millan (Arévalo) se cruzam no ponto em que Santo, o misterioso traficante, se torna a única coisa que move ambos para qualquer direção. Pouco importa tudo que eles foram ou são, desde que o passado e o presente envolvam a caça.
Por trás disso está a evidência maior em torno da série: Cardona e Millan são personagens que já começam a série a 150 quilômetros por hora. Gagliasso e Arévalo estão decididos a lançar mão de todas as ferramentas para fazer desse um trabalho que exale verdade. Contudo, a forma está contra eles. Um dos grandes problemas desse tipo de abordagem é a despreocupação em fazer o drama ser construído calculadamente.
A narrativa é entrecortada. Na Espanha, Millan investiga um crime; no Brasil, é Cardona quem precisa lidar com a morte de um menino, mutilado em circunstâncias estranhas. As duas coisas têm algo em comum: Santo. O espectador não teria problemas em acompanhar essas duas linhas, mas a edição descuidada vai levando a história para várias bifurcações que esvaziam ao invés de substanciar os fatos. A partir do momento que as os protagonistas aparecem péssimos, destruídos, em qualquer linha temporal, o drama real perde seu impacto, e os atores não têm para onde crescer.
Mesmo assim, os episódios são muito bem produzidos. Há um bom uso de luz e maquiagem, uma valorização das sequências de ação, ainda com um toque de brasilidade nas pitadas bem-vindas de Bahia que enriquecem os episódios. Do meio para o final, as perseguições que dão para o produto um rótulo de “série de ação” se transformam em quadros de horror, com muito sangue, vísceras e traços de cunho sobrenatural. Essa transição não deveria ser abrupta (até há elementos onde ela pode se apoiar), mas os problemas de edição são tão fortes que a sensação de desajuste acaba sobressaindo.
No fim das contas, Santo te diz o que você quer saber e ainda prepara ganchos para um segundo ano. O bom gosto de algumas sequências perdoa a falta de apuro em algumas ideias. Santo não merece canonização, mas tampouco está condenada ao inferno. Com uma boa reza, quem sabe ela não encontra salvação?