Olhos de Wakanda resgata profundidade e cuidado estético de Pantera Negra
Após segundo filme decepcionante, franquia da Marvel pode estar de volta aos trilhos
Créditos da imagem: Cena de Olhos de Wakanda (Reprodução)
Por que Pantera Negra se tornou o primeiro filme de super-heróis indicado ao Oscar na categoria principal? A questão, me parece, é tanto de qualidade quanto de timing - em 2018, quando o longa de Ryan Coogler chegou aos cinemas, o fenômeno de bilheteria MCU encaminhava-se para o seu pináculo com Vingadores: Guerra Infinita e Ultimato, Hollywood e a Academia brigavam contra uma crise comercial que só se agravaria nos anos seguintes, e os meios cinéfilos fervilhavam com uma discussão sobre o valor artístico desse cinema de linha de produção comandado por Kevin Feige. Neste contexto, a intencionalidade de Pantera Negra foi o que mais impressionou.
O cuidado rigoroso de Coogler e seus colaboradores com figurino e direção de arte (não por acaso, duas das três estatuetas do Oscar que o filme de fato ganhou, junto com Melhor Trilha Sonora), e a vontade óbvia de explorar ideias de ancestralidade africana e o caminho adiante para as comunidades que se formaram a partir da diáspora, abriram para muita gente a possibilidade do filme de super-herói como empreendimento expressivo, além de produto bem envernizado. Daí fica mais fácil de olhar para além de um CGI duvidoso, ou de uma mensagem institucional apaziguadora incluída sorrateiramente no terceiro ato - perdoa-se muito, na arte, quando percebe-se a paixão do artista. E é essa paixão, exatamente, que reaparece em Olhos de Wakanda.
A nova série do Disney+ é o bebê de Todd Harris, ilustrador e artista de storyboard para várias produções do MCU e de Coogler. Ele faz aqui sua estreia na direção, assinando todos os quatro episódios da temporada e imbuindo cada um deles com uma visão de beleza plástica inegável, e ambição narrativa que vai se revelando aos poucos no passar dos capítulos. Mas primeiro, a estética: Olhos de Wakanda mistura modelos 3D angulares para os seus personagens, num estilo que lembra Star Wars: A Guerra dos Clones com uma abordagem mais “arredondada”, e belíssimos cenários renderizados em emulação de aquarela, que rimam perfeitamente com suas ambientações de época.
Viajando da Guerra de Troia até a China imperial, e eventualmente aterrissando na Etiópia da virada do século XIX para o século XX, Olhos de Wakanda deita e rola em paisagens montanhosas épicas, construções gigantescas que se impõem no horizonte, cidades muradas e palácios suntuosos, acampamentos de guerra à beira mar e, é claro, as misturas de metais e florestas que marcam a paisagem da própria Wakanda. É bonito de olhar, mas também serve para evocar um sentimento do qual a série, muito espertamente, se alimenta para não afundar narrativamente.
Isso porque, em outro contexto, Olhos de Wakanda poderia ser um banquete visual com uma história que nos importaria muito pouco. A estrutura escolhida pelo roteiro - em que cada episódio aborda um período histórico através dos olhos dos Hatut Zeraze (em bom wakandiano, Cães de Guerra), uma força secreta de elite usada pelo governo de Wakanda para completar missões e resgatar artefatos fora dos limites da nação - faz com que seja muito difícil se apegar a cada personagem, se importar com os seus dilemas e o seu futuro. Sabemos que não os veremos mais quando os créditos rolarem, afinal. Diante disso, o que Olhos de Wakanda faz é nos dizer que sua história é sobre mais do que essas pessoas, ou ao menos o que algo maior do que elas faz a elas.
O exame moral da série, no fundo, é sobre uma instituição que exige dedicação completa, e sacrifício completo. Sobre um projeto de país que se esconde nas sombras, e o preço que ele paga, em moeda humana, para fazê-lo. Por isso sua narrativa fragmentada, desapegada ao tempo que está retratando, funciona - ela precisa do escopo de séculos e séculos para nos mostrar o que muda e o que não muda na instituição e nas pessoas que estão dentro dela, quais negociações éticas elas precisam fazer e como elas vivem com certas culpas, certas fraturas dentro de si. Olhos de Wakanda pergunta o que estamos dispostos a fazer por uma nação, por um conceito abstrato de pertencimento, por um futuro que nem vamos ver. Suas preocupações existem na linguagem do épico, assim como seu visual.
É refrescante em 2025, tanto quanto foi em 2018, ver uma produção de super-heróis que define e trabalha a sua intenção com tanta firmeza. Se Olhos de Wakanda é uma boa indicação, o cantinho Pantera Negra do MCU ainda tem muito o que nos dar nesse sentido.