Cena de Lakers: Hora de Vencer

Créditos da imagem: HBO/Divulgação

Séries e TV

Crítica

Lakers: Hora de Vencer usa excessos para ressaltar introspecção no esporte

Na falta de profundidade temática, série da HBO faz do uso da forma o seu grande trunfo

Omelete
6 min de leitura
10.05.2022, às 18H56.
Atualizada em 28.02.2024, ÀS 00H46

Em 1979, o futuro da NBA parecia sombrio. Sofrendo com uma audiência minguante, problemas recorrentes de gestão financeira e as sempre presentes tensões de um Estados Unidos racista, a liga nacional de basquete corria o risco de acabar. Hoje, o que muitos fãs e acadêmicos apontam como o estopim de uma brusca e lucrativa mudança de rumos foi a aposta do empresário imobiliário Jerry Buss em investir, em 1979, US$24 milhões (em torno de US$95 milhões, em valores atualizados) na compra da franquia dos Los Angeles Lakers.

Buss não era uma autoridade esportiva, mas sim um experiente conhecedor dos anseios de consumo do povo americano, o que o impulsionou a reconfigurar o time como chamariz de um massivo produto de entretenimento. Com uma fórmula assumidamente mercantilista, o movimento de revitalização da NBA impulsionado pelos Lakers levou a franquia de US$24 milhões (ou US$95 milhões) a valer US$5,5 bilhões, em 2022. A regra sempre foi o excesso; o convite a um escapismo pleno das dores do dia a dia, por meio do esporte.

É óbvio que nada disso funcionaria sem grandes performances acontecendo dentro das quadras, e é a análise desse intrincado encaixe de elementos que move a série Lakers: Hora de Vencer, da HBO. A produção de Adam McKay, Max Borenstein e Jim Hecht se apoia no livro Showtime: Magic, Kareem, Riley, and the Los Angeles Lakers Dynasty of the 1980s, de Jeff Pearlman, para dramatizar a reformulação da franquia e a formação do time de basquete que dominaria o imaginário popular por toda a década de 1980. Entendendo o excesso como espírito da coisa toda, ela propõe uma reconstrução temporal hiperestilizada que ajuda a vender com mais credibilidade a síntese dos principais personagens dessa era em arquétipos simplificados de pulsões inerentes à visão empresarial de Buss.

Esse método de síntese já se tornou característico ao trabalho de McKay em histórias inspiradas em fatos, o que comprovadamente pode servir para aproximar o grande público de temas julgados complexos ou desinteressantes demais, como em A Grande Aposta (2015), ou resultar em um certo esvaziamento de profundidade em prol do espetáculo, como em Vice (2017). O que acontece em Lakers: Hora de Vencer é emblemático por não chegar nem tanto ao céu quanto ao inferno, graças a um equilíbrio raro. A série da HBO consegue apoiar todo seu drama nas idiossincrasias de seus personagens e nas performances de um elenco primoroso, de forma que a ausência de um foco temático definido e aprofundado se torna irrelevante para o entretenimento do espectador.

Ambição, perseverança, amizade, rivalidade, inveja, arrependimento, euforia, sexo, racismo, sexismo, drogas e por aí vai. Cada um desses conceitos e assuntos permeia ao menos um momento marcante da produção, mas nunca é de fato abraçado como objeto de análise. Assim como pulveriza seu protagonismo em diversos personagens ao longo de seus 10 episódios, a primeira temporada da série prefere alternar entre cada capítulo quais assuntos inerentes à realidade humana — amplificados pelas tensões do esporte — terão sua atenção momentânea. Isso, junto a uma estética que emula ao menos três diferentes tipos de captação de imagem em constante transição a cada cena (pense num looping de filtros de velhas câmeras cinematográficas no Instagram), resulta em um ruído constante, que emula a espiral emocional à qual se submetem os atletas de alto rendimento.

Tanta informação só é afunilada quando Borenstein e Hecht usam seus personagens para resumi-la em momentos pontuais de introspecção; convites eficientes para que o espectador projete sobre a série uma profundidade que ela mesma não tem interesse em promover. Lakers: Hora de Vencer é a prova do poder do audiovisual em compensar com pathos (o conceito aristotélico do estímulo ao sentimento) uma deficiência no logos (o racionalismo) de uma narrativa dramática.

Principais craques e líderes dos Lakers da década de 1980, Kareem Abdul-Jabbar e Earvin “Magic” Johnson são a melhor dupla possível para personificar essa dinâmica entre excesso e introspecção que é o mote de Hora de Vencer; o que vem muito bem a calhar. Militante pelos direitos humanos, intelectual e forte voz muçulmana nos Estados Unidos, Abdul-Jabbar era um ícone da NBA que ingressava no crepúsculo da carreira quando se tornou colega de time de um sorridente, barulhento e violentamente competitivo jovem de 19 anos considerado “mágico”. Embora tenha demorado a engatar fora das quadras, a parceria entre ele e Johnson, quando a bola de basquete rolava, levou o veterano a estender seu auge por mais cinco anos, tornando-se o maior pontuador da história da NBA (recorde prestes a ser quebrado por LeBron James), e Magic a ser considerado por algum tempo o maior jogador de todos os tempos.

Cena de Lakers: Hora de Vencer
HBO/Divulgação

Acertar na representação dessas duas figuras era essencial para que todo o argumento da série funcionasse, e mesmo que o fast food dramático proposto por McKay, Borenstein e Hecht possa alienar o espectador, é indiscutível que eles conseguiram: os estreantes Solomon Hughes e Quincy Isaiah habitam com segurança e carisma as camisas de Abdul-Jabbar e Magic, respectivamente, a ponto de transcenderem um texto que insiste em simplificá-los em prol de toda sua sinestesia narrativa. Só isso já seria um chamariz e tanto, mas o que faz com que Hora de Vencer seja imperdível para fãs de esportes em geral é como todas as figuras históricas nela representadas são recriadas por atores muito bem escalados. O Buss de John C. Riley (em papel pensado para Will Ferrell, que felizmente não pôde realizar o projeto) é magnético, humano e fascinante; o Pat Riley de Adam Brody é uma perfeita desconstrução de um ícone do esporte; o Jack McKinney de Tracy Letts é um implacável e trágico gênio; e a Claire Rothmann de Gaby Hoffmann se une à Jeanie Buss de Hadley Robinson para ressaltar a colaboração essencial de mulheres para conquistas muitas vezes atribuídas apenas a homens.

É com a ganhadora do Oscar Sally Field, entretanto, que o primeiro ano consegue oferecer um vislumbre do que a série poderia fazer se quisesse se aprofundar mais nos muitos discursos que apresenta. Na pele da matriarca Jessie Buss, a veterana atriz tem liberdade para ir além do iconográfico e mergulhar no subjetivo, elevando até o trabalho dos colegas que a cercam. Se momentos como esse acontecerem com mais frequência no segundo ano já confirmado da produção, Hora de Vencer pode se tornar indispensável para muito mais do que só entusiastas esportivos; para todos que amam boa TV. Mas, se não, tudo bem.

Como apresentada na temporada de estreia, a série já é um produto suficientemente autoconsciente de suas falhas, que suscita interesse em um episódio histórico fascinante, engloba discussões sociais necessárias e ainda levanta bons pontos sobre os limites da arte em seu trato ficcionalizado de figuras reais. Rejeitada por Abdul-Jabbar e Johnson, além de outras personalidades presentes em sua história, a série consegue compensar algumas incoerências reprováveis ao se admitir, com o exagero, nada mais que um comentário sobre fatos, dispensando qualquer pretensão em ser confundida com o fato em si. E, claro, por divertir enquanto faz isso.

Nota do Crítico
Ótimo
Lakers: Hora de Vencer
Em andamento (2022- )
Lakers: Hora de Vencer
Em andamento (2022- )

Criado por: Max Borenstein e Jim Hecht

Duração: 1 temporada

Onde assistir:
Oferecido por

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