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Crítica

Homeland - 4ª Temporada | Crítica

Disposta a funcionar como um reboot, quarto ano da série se divide em atos extremamente irregulares

06.01.2015, às 00H00.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H39

Quando terminou sua terceira temporada, Homeland estava dando o braço a torcer, parando de insistir em teses de longevidade que gritavam por redenção. Durante a confusa segunda temporada ficou bastante claro que os jogos de espionagem apoiados em Brody (Damian Lewis) não poderiam sustentar a série por muito tempo. Assim, no ano seguinte, foi necessário dar um passo adiante, abrir mão de apegos dramaturgicos e se preparar para assumir um risco: começar do zero.

Como todos os impulsos de Carrie (Claire Danes) naquele momento estavam voltados para sua história com Brody, assim que ele saiu da série era como se a personagem se reencontrasse. E isso foi reconhecido pelo roteiro, num momento em que Carrie insinua que teria interrompido a gravidez por perceber que sua identidade não permitia esse tipo de manifestação maternal. A morte de Brody era também a renúncia a praticamente tudo que circulava o programa desde seu começo. Ficariam as ramificações emocionais, é claro, mas em termos de pontas soltas para amarrar, não havia nenhuma. Homeland estava livre, enfim.

E então começou a parte boa de se ter uma série nas mãos... Os roteiristas poderiam lançar mão do que quisessem para seguir adiante e precisariam respeitar apenas as personalidades de seus personagens, o que é, em essência, uma regra válida para qualquer coisa que esteja começando. Ao colocarem em perspectiva as possibilidades, logo eles perceberam que o caminho mais digno para o futuro do programa era encontrar um jeito de retomar as discussões de poder entre governo americano e organizações terroristas. Essa era a decisão mais acertada, sem dúvida. O problema é como as coisas acabaram sendo desenvolvidas, com fantasmas do passado arranhando essa nova chance.

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Primeiro Ato: Aayan

Carrie surgiu nessa temporada com o sugestivo apelido de Drone Queen. O melhor dela sempre apareceu assim, quando ela está trabalhando. Ela precisa cuidar das operações em Islamabad e sua implacabilidade é representada por essa habilidade para executar linhas inimigas. O talento de Carrie está em desvendar fraquezas no território alheio e em se arriscar por eles, usando uma costura inesperada de raciocínio e impulso. Por alguma razão, porém, esse ponto de partida sofreu com algumas estranhas decisões que planejavam construir uma base, mas acabaram provocando um cenário de descrença.

Primeiro desistiram da ideia de Carrie ter interrompido a gravidez e apareceram com o bebê ruivo, filha de Brody, que era a completa representação de tudo que a agente não era: ser capaz de dedicar-se a outra pessoa. O problema é que de vez em quando Homeland confunde profundidade com emoções bombeadas sem ponderamento. Chegaram a extremos como o de Carrie considerando a morte da própria filha, apenas para reforçar a complexidade de sua personalidade limítrofe. Esse flerte com o passado, com a imposição de Brody na trajetória dela, levou o início da quarta temporada a um desequilíbrio

Quase como se fosse parte de uma inevitabilidade, todo o processo de erros que levaram Aayan (Suraj Sharma) a virar peça chave de uma operação, também resultou num processo de erros cometidos em recorrência na série. Para entender a morte de um informante e caçar Haqqani (Numan Acar), Carrie começa a investir no jovem sobrinho do terrorista, um universitário completamente alheio aos negócios de sua família. O problema surge quando seduzir uma espécie de testemunha vira o caminho mais fácil para que Carrie alcance seus sucessos. Todos os problemas do ano dois partiram da romantização da relação entre Carrie e Brody e agora lá estavam os roteiristas, de novo, confundindo a relação entre eles, nós, e a personagem criada por eles. O atalho tomado ao seduzir o menino pareceu, naquele momento, um atalho tomado por preguiça na hora de conseguir as informações de maneiras mais complicadas. E então, dá-lhe mais doses de flexibilidade de verossimilhança, quando Carrie tem poucos dias para contatar, seduzir e retirar do sobrinho de um terrorista perigosíssimo, seu exato paradeiro. E é exatamente o que acontece. Parecíamos estar diante de uma repetição de fórmulas e enganos, o que - para uma nova chance - era injustificável.

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Segundo Ato: Saul

Mas, fez-se a luz. Do mesmo jeito que todo seu staff passa a desconfiar de seus métodos, nós aqui, desse lado, também começamos a nos perguntar como foi construída, realmente, a reputação de competência da Agente Mathison. O episódio From A to B and Back Again, um dos mais tensos da história da série, fechou as cortinas do primeiro ato abrindo mão de Aayan e começando outro ciclo, que encontrou no sequestro de Saul (Mandy Patinkin) uma redenção pelas irregularidades vistas até aqui. Os quatro episódios que construíram o arco focado no resgate do ex-diretor da CIA, foram de uma qualidade absurda, principalmente porque era nas discussões políticas que estava a força de uma série que nasceu para falar de pátria.

Tivemos problemas no excesso de complacência da realidade? Tivemos, claro. Por alguns momentos Homeland abusa ao tornar fáceis coisas como a fuga de Saul, mas, se redime ao fazê-lo ser recapturado numa sequência nervosíssima em que ele implora para ser eliminado por Carrie. Passei o tempo todo desse segundo ato me perguntando se a vida de Saul era mesmo tão importante assim, se colocada em correlação direta com tudo aquilo que o governo americano perderia ao ceder às exigências de Haqqani. O que seria pior? Sacrificar um ex-diretor ao assassinar um terrorista perigoso ou libertar prisioneiros, demonstrando fraqueza? Claro que a forma como todos se empenhavam em proteger Saul era um movimento necessário para fazer a história andar e como foi feito envolto em episódios seguros e bem escritos, essas concessões da verdade acabavam sendo permitidas e festejadas.

Todo o processo de abordagem dos limites de poder entre o governo americano e o governo paquistanês (um vilão disfarçado dos melhores e mais ousados que a série já teve), chegou a um apogeu impressionante. Da troca de prisioneiros à invasão na embaixada, todo o movimento dramaturgico desse segundo ato trabalhou com tensão, com suspensão, com choque. Isso sem falar nas fontes realistas que foram usadas como flerte... Troca de prisioneiros e ataques a territórios americanos fazem parte da história do país e ferramentas como essa ajudam a formar a substância do programa.

O problema é a irregularidade de Homeland, sempre ela... Se eles atacam a embaixada numa ação incrível do roteiro, também enfraquecem a credibilidade da coisa ao fazerem uma cena em que o atual diretor da CIA abre uma sala segura para um terrorista armado do lado de fora, que poderia atirar em todo mundo quando a porta é aberta, mas não atira. E esse mesmo diretor entrega uma lista de informantes que serão mortos assim que forem descobertos, tudo isso para salvar a vida de alguns funcionários que sim, são importantes, mas não para situações extremas como aquela. De novo lá estava a série, em nome da própria dramaturgia, traindo conceitos básicos de segurança nacional.

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Terceiro Ato: Quinn

A trilogia de "homens difíceis" da quarta temporada de Homeland terminou com uma atenção especial a Quinn (Rupert Friend), que depois de passar o início da temporada oscilando entre uma paixão latente por Carrie e as lamentações acerca da natureza do próprio trabalho, encontrou nessa melancolia uma espécie de impulso para correr atrás de uma motivação. A motivação era a vingança e mesmo que completamente condizente com tudo que ronda a personalidade dos seus personagens, peca novamente naquilo que já foi levantado nesse texto várias vezes: coerência.

Não deveria importar se Quinn agride colegas no anseio de defender outros ou se parte para uma caçada a Haqqani completamente sozinho, mesmo que o bom senso avise que obter sucesso é praticamente impossível. Não deveria importar se ele acha que Carrie largaria tudo para ficar com ele se qualquer um que conheça a agente sabe que ela jamais faria isso. E nem deveria importar que ele saísse para a caçada a Haqqani como um desertor e aparecesse no season finale como se nada tivesse acontecido... Nada disso deveria importar, mas importa porque a dramaturgia de Homeland (e de todas as séries dramáticas dessa terceira era de ouro da televisão) se apóia em correlações emocionais com a verdade e que só ganham força se estiverem compromissadas com ela. E essa irregularidade criativa da série se completa e se evidencia quando saímos de um penúltimo episódio tenso e político, para um season finale que parecia ter sido descolado de uma produção da  ABC e caído aleatoriamente no mundo de Carrie Mathison.

Os plots principais foram reduzidos a um clima de apatia e toda a ação se concentrou numa inexplicável viagem da protagonista para desvendar o abandono sofrido pela mãe. Claro que sabemos que a questão materna é importante para Carrie nesse momento, mas não a ponto de ser entubada no finale como resultado principal de um compromisso com o conjunto da temporada, conjunto esse que focou nas políticas anti-terrorismo e não em relações familiares. Colocando esse ano em perspectiva, tivemos um primeiro momento de ruídos com o legado deixado por Brody, um segundo momento de reajuste e força, e um terceiro que caminhava para o apogeu quando foi esmagado por aquele season finale confuso, disforme, querendo parecer complexo e sendo apenas capenga de qualquer senso de coesão. O saldo final ainda foi positivo? Sim, foi. Ao menos pudemos ver, em alguns momentos, a série viver uma capacidade dramaturgica incrível. O problema é que Homeland ainda não aprendeu a ter foco, reconhecendo seus parentescos com a energia de reação oriunda de 24 horas e esquecendo essas tentativas de intimismo emocional, que precisam ser apenas um acidente involuntário de quem se reconhece no drama, e não um bombeamento forçado de sentimentalismos.

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