Pode não parecer, mas Gotham e Agents of SHIELD têm muito em comum. Nas temporadas de estreia, suas emissoras (Fox e ABC) buscavam atingir o maior número de pessoas possível, mirando muito além dos fãs de quadrinhos. Para tanto, abusaram da fórmula procedural, a favorita do público americano na TV aberta, trocando tramas complexas pelo vilão da semana.
As duas séries aprenderam com seus erros, descobrindo o potencial do nicho em que estavam inseridas. Assim que pararam de generalizar seus universos, investindo pesado nas próprias mitologias, ganharam a personalidade necessária para seguir em frente. Agents of SHIELD aproveitou para explorar algumas propriedades inativas da Marvel (Inumanos e agora Motoqueiro Fantasma). Já Gotham soube aproveitar a vantagem de não estar presa a nenhuma outra adaptação, tendo liberdade para criar a sua própria versão da origem do Homem-Morcego. Assim, na segunda temporada, a série criada por Bruno Heller, mostrou finalmente a que veio.
Dividido em duas partes - a ascensão dos vilões e a ira dos mesmos - o segundo ano de Gotham começou com uma promessa não concretizada de um jovem Coringa (Cameron Monaghan), passando seus esforços para a vingança de Theo Galavan (James Frain). Aos poucos, a introdução de Hugo Strange (encarnado com gosto por BD Wong) abriu espaço para que a série abraçasse de vez a sua natureza fantástica, com vilões clássicos como Sr. Frio (Nathan Darrow) ganhando vida sem temer o seu visual nada realista. Pinguim (Robin Lord Taylor) e Charada (Cory Michael Smith), ótimos desde o primeiro ano, também continuaram a trilhar seus caminhos pela vilania, com destaque para a jornada de Edward Nygma, que resultou no ótimo “Mad Grey Dawn” (S2E15, uma trama intrincada para incriminar James Gordon com direito a muitos pontos de interrogação).
O arco estendido dessa temporada também serviu para desenvolver Bruce Wayne (o ótimo David Mazouz), caracterizando o senso de justiça, o treinamento e até o gosto pela dor do futuro Homem-Morcego. Ainda assim, o encontro com o assassino dos seus pais em “This Ball of Mud and Meanness” (S2E14), sua passagem pelas ruas de Gotham ao lado de Selina Kyle (Camren Bicondova) e seu treinamento com Alfred (Sean Pertwee) não limitaram o personagem a uma promessa, dando consistência a narrativa do presente.
O elo fraco da série continua a ser o seu protagonista oficial. Mesmo com diversas oportunidades para se destacar, a atuação de Ben McKenzie como Gordon continua genérica e forçada, com todas emoções sendo expressadas por berros entre dentes cerrados. Preso em um relacionamento sem sal com Leslie Thompkins, que teve seu arco prejudicado pela gravidez de Morena Baccarin (cujo único momento digno de nota da temporada é seu encontro com Bruce Wayne), o personagem em nenhum momento passa a complexidade do drama da sua decadência moral, da influência da corrupção de Gotham no antes ingênuo oficial da lei. Até personagens antes dispensáveis, como Barbara Kean (Erin Richards), foram capazes de justificar sua existência na série, enquanto Gordon apenas patinava a cada episódio.
Com um visual único (anacrônico, entre o gótico, o punk e o brega) e uma mitologia em evolução, Gotham tem os ingredientes necessários para se destacar entre a grande oferta de séries baseadas em quadrinhos. Ainda precisa ajustar muitas coisas - como o timing de algumas cenas mais elaboradas, a indiferença pelo seu protagonista e o retorno turbinado de uma personagem problemática como Fish Mooney (Jada Pinkett Smith) -, mas a estrutura da série foi definida, o que precisa ser aproveitado em seu terceiro ano. A promessa é explorar a fundo a loucura da cidade, sem medo de superpoderes, monstros e vilões fantasiados.
*A segunda temporada de Gotham está disponível na Netflix e o terceiro ano da série estreia hoje (19) nos EUA e em 3 de outubro no Brasil pelo Warner Channel.
