Você sabe exatamente o que esperar quando aperta o play em uma produção da Pixar - e está na hora de admitir que isso é um problema. Em algum momento em meados da década passada (não coincidentemente, perto de quando foi comprado pela Disney), o estúdio que transformou a animação 3D hollywoodiana em uma força criativa e econômica considerável parece ter esgotado as maneiras de extrair histórias valorosas de uma fórmula muito clara, na qual grande parte dos seus êxitos se baseou desde o começo dos anos 1990: conte uma história sensivelmente pesquisada sobre emoções humanas e dinâmicas de relacionamento, mas a coloque dentro de um contexto fantasioso que exija a criação de um mundo visual e conceitual com detalhes eminentemente intencionais, que encantem e envolvam o público inteiramente nessa viagem narrativa.
Não é uma má receita, é verdade, mas é uma que exige que cada um desses mundos criados pelos artistas do estúdio sejam verdadeiramente únicos, e realizados de forma íntegra, sem concessões ao que pode ser mais palatável para um público acostumado ao realismo. E quanto mais anos se passam, mais a Pixar se prova hesitante em criar mundos assim. Ganhar ou Perder, infelizmente, não é exceção. Anunciada com alarde, lá em 2020, como a primeira série de TV da Pixar (no fim das contas, ela perdeu essa corrida para Produção de Sonhos, colocada na via expressa após o sucesso de bilheteria de Divertida Mente 2), a produção sobre um time de softball escolar a caminho das finais de campeonato se mostra - na melhor das definições possíveis - um esforço inconsistente, ainda que bem intencionado.
Criada, escrita e dirigida pela dupla Carrie Hobson e Michael Yates, crias da casa na Pixar que assumem a frente de um projeto pela primeira vez, Ganhar ou Perder aposta em um formato à la Rashomon para revelar como perspectivas pessoais podem moldar a realidade. A esperteza do roteiro está em construir tudo como um quebra-cabeças - o que vemos em um episódio, muitas vezes, é complementado na direção da clareza no episódio seguinte. Isso é especialmente verdadeiro, por exemplo, nos capítulos “Raspberry” (1x03) e “Pickle” (1x04), focados na dupla de mãe e filha Rochelle (Milan Ray) e Vanessa (Rosa Salazar), que abordam questões de responsabilidade parental e carência socioeconômica enquanto se esforçam para respaldar atos que parecem moralmente dúbios à primeira vista, mas se justificam diante das circunstâncias de cada personagem.
Como eu disse: boas intenções. O que derruba Ganhar ou Perder não é o direcionamento de sua história, mas a qualidade vacilante da sua construção de mundo. No comando do time de artistas provadamente capaz da Pixar, Hobson e Yates enchem sua série de boas ideias visuais, seja ao representar o mundo virtual como um videogame de plataforma com gráficos lustrosos em rosa e azul neon, ou ao literalizar as armaduras e disfarces que seus personagens precisam usar em determinadas situações dramáticas - mas o uso desses recursos não é coerente, consistente ou eficiente no sentido de realçar e ilustrar os movimentos emocionais da trama. É invenção pela invenção, fofura pela fofura, e essa nunca foi a onda certa para a Pixar, o estúdio hollywoodiano que sempre jurou que tudo começava e terminava com a história.
A exceção está em “Blue” (1x02), que ganha estatura ao se separar discretamente do restante da narrativa com a história de Frank (Josh Thomson), o árbitro da liga de softball das protagonistas, que enfrenta em sua vida pessoal um dilema muito conectado às escolhas que é obrigado a fazer no campo. Apresentado quase como um curta-metragem sobre um homem que percebe que suas decisões podem não ser tão justas e imparciais quanto parecem, e que se proteger de insultos não é o mesmo que se proteger de relações, os 20 minutos do capítulo vão passando em um ritmo que é familiar não da maneira cansada que emerge nos outros episódios de Ganhar ou Perder, mas da maneira saudosa de quem se lembra de quando a Pixar ainda era capaz de nos absorver para as suas invenções mais inesperadas.
Mas é difícil argumentar que esses raros acertos façam valer a pena o tédio eminente que caracteriza os momentos em que a série se acomoda no básico do estúdio. Quando a busca por um brilhantismo de outrora se mostra tão estagnada quando anda sendo na Pixar, talvez seja hora de procurar em outro canto.
Criado por: Carrie Hobson, Michael Yates