Bae Suzy e Yang Se-jong em Doona! (Reprodução)

Créditos da imagem: Bae Suzy e Yang Se-jong em Doona! (Reprodução)

Séries e TV

Crítica

Doona! se fantasia de conto de fadas, mas faz mesmo é um belo drama adulto

Série da Netflix se equilibra com maestria no limiar entre o convencional e o subversivo

Omelete
4 min de leitura
01.11.2023, às 11H15.

Uma das imagens mais marcantes de Doona! surge nos momentos finais do 4º episódio da série, quando a personagem título (Bae Suzy), uma ex-estrela do k-pop em exílio após um escândalo, resolve finalmente beijar o gentil estudante universitário Won-joon (Yang Se-jong), que tem se tornado o seu melhor amigo desde que chegou na república estudantil onde ela resolveu se esconder. A cena acontece na cozinha, tarde da noite, enquanto Won-joon está sentado na pia, os pés pendurados no ar - conforme Do-ona se encaixa repentinamente entre suas pernas para beijá-lo, a câmera permanece perto do chão, registrando o enlace entre os dois dessa forma, pela configuração de seus pés.

Apesar do recato aparente dessa escolha do diretor Lee Jung-hyo (responsável por outro romance de sucesso da TV sul-coreana, Pousando no Amor), e da mística natural que a luz do luar - artificial, é claro - empresta ao momento, não deve escapar a ninguém que a imagem em si é uma inversão polar daquele clichê romântico da mocinha que fica na ponta dos pés para beijar o rapaz pelo qual se apaixonou. E não é a única vez em que isso acontece na série: Doona! repetidamente posiciona a protagonista feminina no lugar que normalmente cabe ao homem dessas tramas, seja por tomar as iniciativas importantes para evoluir a relação (chamar para o jantar, propor um namoro oficial), seja por demonstrar as dificuldades emocionais e traumas que precisam ser superados na história.

A produção se safa com essas e outras ousadias por conta de uma dissonância essencial entre forma e conteúdo: Doona! pode ser filmada com um romance pós-teen de conto de fadas, e sua premissa pode soar como a realização da fantasia de um fã juvenil de k-pop, mas a dramaturgia que se revela com o passar dos episódios é flagrantemente adulta. Vide os desencontros amorosos que se emaranham entre os personagens, os diálogos francos com os quais eles são resolvidos (ou, ainda melhor, aceitos como irresolvíveis), as pressões e ânsias econômicas, familiares e profissionais que se impõem no caminho da felicidade afetiva de cada um deles… enfim, nada aqui é historinha de criança.

É claro que essa dissonância acontece, em parte, por um choque cultural. É muito ocidental, e inclusive bem recente, a ideia de que histórias de amor são para os jovens, que elas dependem de desentendimentos pueris para funcionar como tramas, que os seus “felizes para sempre” não podem vir temperados pelas realidades emocionais complicadas de personagens adultos bem escritos. Enquanto isso, do outro lado do Pacífico… Doona! triunfa por se aproveitar plenamente da fluência pop típica da mídia sul-coreana, habituada a misturar chavões de gênero com histórias “sérias”, e acaba se posicionando em um limiar perfeito entre o convencional e o subversivo.

Daí vêm também as curiosas investidas voyeurísticas da direção, que inclusive se mostra igualitária em sua abordagem da sensualidade. Se a estrela Bae Suzy tem uma cena toda dedicada à sua silhueta recortada contra o Sol, em roupas não transparentes, mas devidamente translúcidas; então o astro Yang Jo-seong também terá, pouco depois, uma cena de banho matinal bem iluminada, em que pode rememorar o beijo que compartilhou com sua amada na noite anterior - uma referência muito mal velada à masturbação. E por causa de toda a aura de romance casto que cerca o restante da série, o que podia parecer apelação acaba se tornando um atrevimento delicioso, do qual o público é cúmplice.

Salgada nessas insinuações táteis de desejo, doce em seus voos estéticos de fantasia romântica, amarga na forma como recusa a simplificar as relações entre os personagens pelo bem de um final confortável, Doona! serve um banquete completo para um elenco que se prova perfeitamente capaz de saboreá-lo ao lado do público. Suzy cumpre com eficiência a tarefa de nos convencer do seu carisma de superestrela, e de não perder nossa simpatia diante da instabilidade irascível de sua personagem; e, brilhando como a crush de infância do protagonista, Shin Ha-young entrega a destilação mais pura e sensível do charme maduro com o qual as idas e vindas dramáticas da série seduzem o espectador.

Enfim, se o que tem faltado em sua dieta midiática é ver adultos resolvendo problemas adultos de forma adulta, e às vezes até lidando com as consequências adultas de suas escolhas adultas, Doona! é a pedida certa. E se hoje em dia te surpreende encontrar isso em um romance, bom… talvez valha procurar para além de Hollywood.

Nota do Crítico
Ótimo
Doona!
Encerrada (2023-2023)
Doona!
Encerrada (2023-2023)

Criado por: Song Kyung-hee

Duração: 1 temporada

Onde assistir:
Oferecido por

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