Séries e TV

Crítica

Carcereiros | Crítica

Adaptação da obra de Drauzio Varella é uma das produções seriadas mais honestas da TV Globo

10.06.2018, às 19H11.
Atualizada em 11.06.2018, ÀS 16H57

A TV Globo tem passado por um momento de muito investimento em séries, mas como acontece desde os anos 90, a emissora sempre tem problemas para manter a longevidade de suas produções. Ao contrário do que acontece lá fora, em que contratos são assinados a longo prazo, aqui os contratos são por temporada e os atores brasileiros tendem a não se comprometer com nada que não tenha finitude visualizável. O resultado disso é um emaranhado de séries que enchem qualquer lista, mas que dificilmente tem mais que uma temporada. Não importa a qualidade do produto, toda ideia não passa do primeiro investimento.

Globo/Divulgação

Outra questão é da linguagem. Ansiosa por criar uma identidade que a diferencie do modelo americano, a cúpula criativa do canal tem colocado seus investimentos nas mãos de um time selecionado de roteiristas e diretores que passaram pelo cinema e tem carreiras sólidas lá. O pensamento cinematográfico é diferente, fotográfico; e as produções globais dos últimos anos têm valorizado quase que exclusivamente a estética, em detrimento da dramaturgia. A beleza e o apuro técnico são traços marcantes de várias séries ou “superséries” (como têm sido chamadas as antigas minisséries), enquanto no meio desse monte de dinâmicas imagéticas, escapa um ou outro investimento dramatúrgico sincero. Nem sempre dá certo (vide Supermax), mas com Carcereiros, escrita por Fernando Bonassi Marçal Aquino, o resultado é menos pretensioso e mais eficiente.

A obra foi adaptada do livro homônimo de Drauzio Varella, que em formato de contos (onde alguns personagens são recorrentes) narra a rotina de alguns agentes penitenciários com quem ele esbarrou em seus anos de serviço voluntário. O trabalho de Varella já resultou no sucesso Carandiru (que também virou série) e é claro que com essa possiblidade procedural tão forte, as chances de fracasso eram bem menores. O público brasileiro recebe bem o formato, justamente porque foi educado a não esperar por tramas hiper complexas que precisem de várias temporadas para serem resolvidas. Assim, a vida do agente penitenciário Adriano (Rodrigo Lombardi) é o foco da história, que se conta virando algumas esquinas, mas sempre acabando no mesmo lugar.

Celas

O trabalho de Bonassi e Aquino na adaptação das histórias de Drauzio é elegante, se preocupa em tornar as duas pequenas temporadas (as únicas prometidas) interconectadas e com grande senso de continuidade. Embora estejamos falando de um procedural, a família de Adriano e seus colegas de trabalho formam a rede de segurança que deixa a trama mais orgânica. Não há muitos avanços nesse quesito e toda vez que os roteiros tentam dar alguns passos, exageram na dramaticidade e provocam um deslocamento natural. A série acerta mais quando mantém as coisas dentro do âmbito profissional e acerta bastante.

Intercalados com a vida ficcional de Adriano estão depoimentos de agentes penitenciários reais e imagens jornalísticas de várias épocas. O risco desse recurso é grande, já que pode acabar tornando a ilustração dramatúrgica uma “simulação”, daquelas típicas que vemos em programas baseados em fatos, o que seria extremamente frio e inverossímil (o que é até irônico). Contudo, o trabalho em Carcereiros é cuidadoso e as interferências documentais não agridem o andamento da ficção. Essas interferências são pontuais, discretas, colocadas estrategicamente em momentos de conclusão, de reflexão do que acabou de ser visto, não rivalizando com a trama.

Os 12 episódios que compõem as temporadas cobrem bastante da rotina prisional. O elenco secundário é extremamente importante nessa equação e os roteiros até que flertam com temas interessantes, como no piloto, em que o herdeiro do crime que Adriano precisa resgatar do pavilhão que se rebelou leva consigo sua namorada trans, sendo rejeitado pelo pai e pelos prisioneiros do outro bloco. Mais para frente, a moral dos agentes, a inocência hipotética dos prisioneiros, sequestros, mortes e até celas assombradas viram material para os episódios. Há algumas saídas factuais clássicas do gênero, recorrentes, como o preso-pupilo que tem um talento e se trai, como a filha de Adriano sequestrada para chantageá-lo, como o mistério de qual agente está traindo o sistema... Quem já viu Oz já viu tudo isso. Mesmo assim, tudo é feito com honestidade e competência.

O episódio final é controverso e depende muito da perspectiva de cada um. Por conta do tema, Carcereiros não tem condições de ser otimista; e não é. A decisão de levar Adriano ao limite se apoia em destruir seu casamento, em quase transformá-lo em um dos elementos sociais que estão atrás das grades ou mesmo que vão visitar quem está. Ele se envolve com a mulher de um preso, parece mesmo apaixonado por ela, mas se isso tivesse começado a ter sido feito antes, teria mais credibilidade. Cabe ponderar se a inevitabilidade do pessimismo significa encerrar a jornada jogando o protagonista no abismo. A carreira de carcereiro é tão terrível que não existe outro final que não seja abandoná-la, amaldiçoá-la. Isso ou inverter a escuridão, tornando-se alguém que só pode passar para o outro lado, preso concretamente ou – como no caso de Adriano – metaforicamente.

Ali havia assunto para mais alguns ciclos, mas infelizmente o investimento maior da televisão aberta em geral fica só na superfície.

Nota do Crítico
Bom

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