Séries e TV

Crítica

Arquivo X - 10ª Temporada | Crítica

Revival da icônica série dos anos 90 tenta se redimir dos erros do passado, mas acaba cometendo outros

25.02.2016, às 13H07.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H25

Vivemos a era dos retornos televisivos. Embora questões mercadológicas estejam em primeiro plano, essas considerações a respeito de ressuscitar programas encerrados se baseiam sobretudo na ansiedade dos fãs que, por associação, estariam dispostos a tudo para terem um pouco mais de tempo junto dos personagens que amaram tanto. Inserir no mercado atual um pouco do que ficara no passado só é possível porque o sentimento de apego de um espectador ao que a televisão produz ficou ainda maior conforme o respeito alcançado pelas séries foi aumentando e se tornando essencial para a indústria.

Arquivo X tem uma das bases de fãs mais poderosas do mercado. Desde o último episódio (que agora não é mais o último), lá no início dos anos 2000, a Fox mantém em aberto a possibilidade de retorno através do cinema e da TV. A incursão cinematográfica, entretanto, não foi bem sucedida e sepultou as chances de um terceiro filme depois do fiasco de 2008. Ainda assim, sempre falou-se em uma nova tentativa de ressuscitar a trama num formato televisivo que acabou sendo bem-sucedido na primeira investida feita com 24 Horas. Nem um longa-metragem e nem uma temporada inteira... Arquivo X retornou para o que a Fox chamava de "evento" e tinha como missão satisfazer fãs antigos enquanto angariava novos.

Mulder (David Duchovny) e Scully (Gillian Anderson) foram anunciados para novas aventuras em 2016 e houve uma expectativa imensa acerca do que o criador Chris Carter estava preparando, sobretudo quando também foi anunciado que seriam apenas seis episódios. Os que acompanharam a série sabiam que havia algumas pontas soltas a serem exploradas e que seria a primeira vez desde 2002 que o programa voltaria a falar de mitologia. Seria a grande oportunidade de corrigir os enganos dos dois últimos anos e de mostrar como os agentes estariam lidando com o mundo contemporâneo. Uma das grandes razões para trazer de volta uma série que não terminou bem é dar a ela a chance de um final recomposto. Muito poucos tem a chance e parece absurdo que se possa perdê-la. Bem, Arquivo X perdeu.

The Truth

Essa curta décima temporada se organizou da seguinte forma: dois episódios mitológicos e quatro procedurais. O primeiro e o último tratariam da trama central do programa, que se apoiava em conspiração alienígena e no paradeiro no filho perdido dos dois protagonistas. Esses dois episódios foram chamados de "My Struggle", correspondendo cada um à luta interna dos agentes. A estreia focou-se nas lutas pessoais de Mulder e no seu eterno conflito entre acreditar e questionar as evidências de vida alienígena, algo que já vimos acontecer antes, mas que ganhou uma perspectiva interessante e promissora quando esse décimo ano começou.

Para entender melhor toda essa dinâmica precisamos voltar para o quinto ano da série, que fez Mulder duvidar de que os alienígenas realmente existissem. Através de uma boa argumentação, um funcionário do Pentágono revelou para o agente que o governo americano aproveitou a paranoia alienígena de Roswell e lançou uma campanha midiática em torno da existência dos extraterrestres para desviar a atenção da população de coisas mais importantes. O instrumento de manipulação foi ficando refinado a medida que mais mentiras eram produzidas para sustentar a maior delas. A argumentação deixava claro que alienígenas nunca teriam existido e foram apenas uma ficção encomendada.

Eventualmente, Mulder recuperou sua fé, mas agora vimos uma premissa parecida ser oferecida na estreia do novo ano. Comprometido com a ideia de modernizar a dramaturgia, Carter mirou nas questões de dominação global e terrorismo, insinuando que a maior conspiração de todas havia passado incólume pelo radar. Segundo o primeiro episódio, os alienígenas sempre teriam existido, mas nunca tiveram interesse em colonização. Ao caírem em Roswell, revelaram tecnologia e material orgânico para que o próprio homem conduzisse os planos de dominação. Assim, os alienígenas seriam apenas um bode expiatório para que o controle fosse exercido pelos próprios habitantes do planeta terra. Seria o terráqueo o verdadeiro colonizador.

My Belief

A interessante premissa, contudo, precisou ser esquecida por algumas semanas, quando os episódios de "monstro da semana" vieram para dar ao espectador a experiência de reviver uma temporada de Arquivo X no seu sistema clássico. Chris Carter não conseguiu trazer Frank Spotnitz de volta, mas recuperou Glenn Morgan James Wong, autores de grandes episódios clássicos, para garantir que o fã mais exigente fosse recompensado em sua espera. Quatro capítulos sem conexão com a trama central foram escritos e produzidos seguindo uma ordem preestabelecida; e essa ordem foi trocada pouco antes da temporada começar.

Por todas essas quatro semanas, vimos que a série encontrava dificuldades para contar novas histórias sem livrar-se dos vícios do passado. Em alguma instância, todos esses quatro momentos foram apoiados em detalhes que já tinham passado pela vida útil do programa. Esse era o sintoma de um problema muito maior, mas que só ficou evidente no episódio final, quando as dificuldades de Carter no exercício de sustentar a importância de seu produto acabaram falhando por arrogância e falta de visão.

The End

Ao chegarmos no final, a expectativa era de ver impressas nesse episódio mitológico as premissas que abriram os trabalhos da temporada. O primeiro roteiro do ano oferecera várias boas condições para que uma investida dos protagonistas dentro da conspiração governamental tivesse uma natureza nunca explorada. É claro que ter evidências de tecnologia alienígena sendo usada para perpetuar um vilanismo extraterreno que mascarasse as ações colonizadoras iniciadas na própria Terra deixou o caminho aberto para investimentos novos. Porém, o segundo "My Struggle" foi tomado de verborragia e de incoerências que feriram mais um pouco a trajetória da série.

Carter resolveu ir para o mesmo lugar de onde sempre volta. Seu fetiche pelo argumento do DNA, da vacina, do vírus, do híbrido, assola os Arquivos-X há muito tempo. Foi com muito pesar que vimos se desenrolar uma trama rebuscada envolvendo um vírus que atacou a humanidade e uma busca por uma cura que se resolve em uma tarde, sem problemas. Foi com desconfiança que vimos o roteiro privilegiar as mesmas justificativas e saídas fáceis que já tinham condenado o programa antes e que estavam condenando agora.

Quase não tivemos Skinner (Mitch Pillegi) e a volta do Canceroso (William B. Davis) está entre as decisões mais equivocadas desse retorno. Nem mesmo uma ponte entre a primeira mitologia (situada entre a primeira e a sexta temporadas) e o atual estado de poder do dito, nós vimos. É claro que se os alienígenas nunca estiveram interessados em colonizar, precisaria haver uma ligação entre os atuais eventos e os eventos passados. Algo que justificasse a posição do Canceroso nos planos. Talvez, inclusive, a presença dele na série só não seja tão grave quanto o retorno de Monica Reyes (Annabeth Gish), que foi inexplicavelmente justificado com um ato de covardia que não tem a menor coerência com o que sabemos dela.

O resultado final foi ambíguo. O envolvimento pessoal de alguns com a série acaba tornando esse retorno válido de muitas formas. Ainda tivemos boas cenas, bons momentos, tivemos Gillian Anderson provando como é boa atriz e vimos com orgulho alguns sinais de amadurecimento escondidos nos cantos. Visto que uma nova temporada seja muito possível por conta da audiência, o imenso gancho deixado em aberto no final ainda pode ser resolvido. O grande problema, contudo, é que Arquivo X não parece confortável com seu compromisso de acabar - e agoniza retornos que lhe garantam uma despedida digna. Infelizmente, não foi dessa vez. Se a verdade continua lá fora, Chris Carter está procurando nos lugares errados.

Nota do Crítico
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