Séries e TV

Crítica

Anne with an E – 2ª temporada

Série mostra com delicadeza como é difícil ser um sonhador em um mundo cheio de cinismo

21.08.2018, às 17H14.

Quando o primeiro ano de Anne with an E, série da Netflix em parceria com a CBC, termina, já fica claro qual é o tema da segunda temporada. Sem as amarras de começar uma história do zero e apresentar os personagens, o seriado evoluiu bastante no segundo ano mostrando principalmente a dificuldade de ser um sonhador em um mundo repleto de cinismo. Essa trama começa a ser desenvolvida com a presença dos hóspedes que estão em Green Gables e rapidamente deixam seus planos claros: eles pretendem enganar toda a cidade de Avonlea com uma “febre do ouro”, mentindo sobre a existência da riqueza na cidade e coletando dinheiro de todos para começar a “mineração”.

Cena de Anne with an E
Anne with an E/Netflix/Divulgação

Nesse começo da história há um grande contraste entre os problemas da infância de Anne (Amybeth McNulty) e o perigo dos dois hóspedes. Enquanto a jovem tem dificuldades com os colegas na escola, a presença de Nate (Taras Lavren) e do Sr. Dunlop (Shane Carty) representa uma ameaça física e psicológica que causa incômodo. Mas isso serve como base para o desenvolvimento da temporada, que sempre se volta para a discussão de quem está certo: os de bom coração que são enganados, ou os cínicos que se aproveitam dessa bondade.

Por ter aceitado os hóspedes em sua casa, Marilla (Geraldine James) é uma das mais afetadas pelo golpe. Encantada pela beleza de Nate, ela se permitiu pela primeira vez confiar e ter uma experiência nova, e o resultado foi a decepção. O receio da personagem, inclusive, é representado de uma forma bem interessante logo no primeiro episódio, quando Anne e Matthew (R.H. Thomson) se divertem no mar e ela fica ali, no limite entre a praia e a água, ciente da necessidade de seguir em frente, mas ainda com medo de se arriscar.

Essa personalidade forte cria ainda mais corpo e significado quando o seriado mostra os primeiros flashbacks da infância de Marilla e Matthew. O público entende como a jovem precisou ter uma atitude dura para superar perdas na família e criar o irmão. No fim das contas, Marilla não queria ser assim, mas essa foi sua única forma de sobreviver. Ao contar essa história, Anne with an E faz um paralelo interessante sobre a perda de inocência e a descoberta da realidade como ela é. Depois de revelar como Marilla deixou de ser ingênua ainda jovem, a série mostra que o mesmo acontece com Anne e seus colegas em vários momentos. Mas se a perda da inocência da infância representa um momento doloroso, ele também abre portas para a construção de um pensamento novo e mais maduro. Depois de ter seu santuário na floresta destruído, Anne percebe como as pessoas podem ser más e como é preciso ser forte para enfrentar tudo isso e continuar de cabeça erguida.

Um novo mundo à frente

Mas depois de episódios tão densos, a segunda temporada de Anne with an E tem um momento glorioso em seu sétimo episódio, com a festa dada por Josephine Barry (Deborah Grover). Depois de se tornar amiga de Anne no primeiro ano, a “Tia Jo” chama as crianças de Avonlea para uma grande celebração em Charlottetown. Lá, Anne, Cole (Cory Gruter-Andrew) e Diana (Dalila Bela) percebem o lado positivo da vastidão do mundo e as várias possibilidades que existem nele. Cole, por exemplo, vê homens vestidos de mulheres e começa finalmente a entender quem é e o que deseja para a vida. Já Anne conhece mulheres parecidas com ela, com um gosto especial pela literatura e a vontade de sempre aprender algo novo. Ao se depararem com isso, as crianças entendem pela primeira vez que existe sim um lugar para elas no mundo. As pessoas sempre querem encontrar os seus iguais e, não importa o quão diferente você seja, existem algum cantinho do mundo com pessoas que podem te compreender e te aceitar.

Mas se os dois ficam maravilhados com o novo, Diana se assusta com todas essas possibilidades. Criada para ser uma boa esposa e guardiã de sua casa, ela fica perdida ao ser questionada sobre uma carreira e sente estranheza ao ver o modo de vida daquelas pessoas. É curioso perceber como o discurso conservador de uma menina do século 19 é bastante semelhante a muitos diálogos que acontecem no mundo atualmente. Ao mostrar isso, a série retrata como é perigoso para uma sociedade inteira retroceder em discussões tão importantes.

Um dos problemas da 2ª temporada é a edição, que fica confusa em cenas com mais ação. Em uma sequência do terceiro episódio, por exemplo, é difícil entender o deslocamento dos personagens e há a impressão de que alguma cena ficou faltando. O uso de efeitos visuais, principalmente para recriar o mar, é perceptível e incomoda, já que o ângulo de câmera poderia facilmente ser alterado e o trecho ficou com ares de não finalizado. Em termos narrativos, o roteiro tem algumas conveniências: Anne soluciona alguns problemas facilmente e em vários momentos fica óbvio o que acontecerá em seguida.

Mas nenhum desses problemas tira o grande brilho de Anne with an E, que é falar sobre temas importantes com delicadeza e pelos olhos de uma garota que está começando a descobrir o mundo. Quando a segunda temporada termina, o público tem a sensação de que perdeu um pouco da ingenuidade junto com Anne. O mundo é sim um lugar difícil, mas a recompensa para os que acreditam em um futuro melhor é a esperança, exatamente o que todos precisam para seguir em frente todos os dias.

Nota do Crítico
Ótimo

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