BBB 23: A primeira edição onde o público não tem favoritos, só inimigos
Pela primeira vez – e até agora – o espectador do programa lida com uma realidade curiosa: ninguém merece a nossa apaixonada defesa
Nos últimos dias de fevereiro, o BBB 23 tinha pouco mais de um mês de duração e Boninho precisou combater a baixa audiência com uma “semana turbo”. Esses números não refletem a qualidade da edição em si (que já é muito mais movimentada e promissora que a do ano passado), mas uma série de fatores como o fim da pandemia, o resgate de uma rotina perdida nos últimos três anos e um inevitável reajuste do programa ao seu “lugar”. As edições 20 e 21 são pontos fora da curva, uma reunião de musas que acontece a cada século, e não podem ser tirados como parâmetro.
Essa “semana turbo” não foi executada com novas regras ou dinâmicas; ela apenas espremeu em alguns dias o mesmo processo de liderança, big fone, indicações e eliminações. Contudo, por mais que tenhamos visto mais do mesmo, a estratégia funcionou e a edição 23 teve seu primeiro dia de verdadeira catarse, com a eliminação sumária de Gustavo, o “cowboy” da vez, que nos confirmou uma boa tendência que até contradiz o desgosto dos últimos dois anos: a audiência mostra sinais de amadurecimento (vamos lembrar que a vitória de Arthur Aguiar foi alcançada por conta de um planejamento específico de votação feito por uma equipe externa, não tinha nada a ver com preferência do público).
Com Gustavo, Nicácio e Domitilla na berlinda, o programa respirou sua primeira lufada de ar fresco. Tem sido um momento crucial para os espectadores, que procuram por um protagonista que justifique alguma presença antagônica, das muitas que povoam a casa aleatoriamente. Ainda que Nicácio seja o alvo preferido, ele não é exatamente um mocinho, ele não funciona como um “herói” e tem mais críticos que defensores. É curioso, porque estávamos ali, torcendo arduamente pela eliminação de Gustavo, mas como poucas vezes aconteceu, sem alguém que precisássemos defender.
Nas últimas semanas, aliás, tudo que vimos foi a audiência exercendo esse papel de grande opositor ao jogo desenfreado dos confinados. É como se todos lá fossem os vilões da história e o público fosse o participante número 23, aquele que eles precisam eliminar porque faz com que todos eles pareçam ruins. De certa forma, existe algo de interessante nessa engrenagem, onde a audiência não vota para proteger ninguém e sim vai escolhendo, um por um, aqueles que ela vai expulsar.
Primeiro foi Gabriel com seu comportamento tóxico, seu machismo e prepotência. De novo, apesar de mirar no alvo, a audiência não abraçava a vítima. Bruna não foi defendida; foi só a indignação que foi priorizada. Paula, a colega de vidro de Gabriel, não resistiu por razões similares. Ela e Christian protagonizaram outro bom momento da edição, quando ele foi “desmascarado” em torno da estratégia de enganá-la, se tornando inimigo número 1 da casa. Ela foi eliminada porque mentia, mas o público não estava defendendo ele, porque já sabia que ele seria o próximo. A situação toda, que poderia render algum favoritismo pautado em sensatez, só serviu para tirar do armário um monte de oportunistas.
Na semana seguinte, lá estava Christian cometendo intolerância religiosa. A ocasião serviu para enterrar as chances do casal Guskey e elevar a jogadora de vôlei à potência de Karolconquismos. Vaidosa e tacanha, Key Alves é um exemplo quase admirável de completa incapacidade de autoanálise. Ela mente compulsivamente, manipula, trai, conta vantagens... é aquele tipo de participante valiosa, do qual o BBB extrai o pior, sem ela nem sequer ter a menor ideia disso. Ela tinha tanta certeza de que junto com Gustavo formava o casal mais lindo da história do programa, que passou horas após a eliminação dele achando que a situação era falsa.
O ciclo chega a ser hilário... Eliminaram Gabriel por ele ser tóxico com Bruna, mas é difícil gostar da Bruna e seu comportamento agressivo e mimado. Eliminaram a Paula porque ela mentiu sobre o Christian, mas não dá para gostar do Christian e sua ignorância social. O Guimê jogou lindamente ao trocar Sapato por Gustavo e conseguir sua eliminação, mas é difícil gostar de Guimê e da construção fria e instável de suas alianças. Todos querem eliminar o Nicácio e ele sofreu intolerância religiosa de uma maneira horrível, mas é complicado aturar também seu próprio histórico de intolerâncias. Marvilla é uma planta completa, Amanda também só faz fotossíntese, Aline está dormente no jogo, Sapato é muito chato, Ricardo muito temperamental, Black ouve Key ser racista na frente dele e não fala nada, Sarah nem para ser líder serviu, Gabriel rejeita o sistema de conflitos daquela mesma maneira cansativa do Fiuk... Não sobra nada, não tem ninguém.
O mais fascinante é que mesmo assim, o BBB 23 funciona, daquele jeito bem malicioso, como se estivéssemos numa barraquinha de tiro ao alvo num parquinho de bairro. Estamos diante de uma edição onde não é possível torcer A FAVOR de ninguém; mas, que nos oferece a oportunidade de poder escolher a nosso bel prazer, com quem vamos exercer nosso direito de torcer CONTRA. O Big Brother Brasil 23 é exatamente isso aí... um game onde a gente queria que não houvesse nenhum vencedor. O prazer em assisti-lo está em derrubar um por um... está em ser implacável e fazer todo mundo perder.
Está Definido...
... que mesmo detestando várias coisas que ele já disse e fez na casa, Fred Nicácio é quem acabaria ganhando o título de protagonista da edição. Até essa coluna ser fechada o resultado de seu paredão com Sapato e Black não era uma realidade, mas ainda que fosse eliminado, seu título de grande personagem da edição seria para sempre preservado. Fred se mete em tudo, reage a tudo, cava participação em tudo, topa tudo... ou seja, funciona como é necessário dentro de um programa como esse. Quando se falar em BBB 23 daqui a alguns anos, é dele que as pessoas vão se lembrar.
Está a definir...
... o futuro de uma edição onde a agressividade é a pauta do dia. No passado, participantes foram expulsos por ações que sempre pareceram questionáveis. Ana Paula deu um tapinha em Renan, que exigiu e conseguiu a expulsão dela. Hariane empurrou a grande aliada Paula num impulso e também foi expulsa. Maria deixou o balde do jogo da discórdia acertar Natália e também foi colocada para fora. Em nenhum desses casos a essência da palavra “agressão” foi exatamente categorizada, mas as expulsões sempre serviram como plano de contenção. Esse ano, a quantidade de episódios de agressividade extrema foi bem maior, a fisicalidade dos embates foi extremamente preocupante e as consequências disso tudo, nulas. Depois da distribuição de sopapos de Larissa, Tadeu apareceu com uma “bronca” ao vivo que foi risível. A cotovelada raivosa de Bruna em Amanda foi totalmente instintiva, mas partiu de um lugar de descontrole que precisaria, no mínimo, de uma advertência. O que veio? NADA.
O grande problema não é a veracidade ou não desses episódios, não está no valor ou não de cada uma das situações. O ponto é que se o precedente foi aberto, ele precisa ser respeitado. Não pode haver dois pesos e duas medidas. Renan se sentiu agredido e Ana Paula foi expulsa. Paula não se sentiu agredida, mas Hariane foi expulsa mesmo assim. Maria tinha raiva quando soltou o balde e foi expulsa; Larissa tinha raiva quando bateu, mas não foi... Enfim, são flexibilizações demais, que nunca soam regulamentadas. E é aquilo... quando a regra só funciona para alguns ela não é regra, é truque.
Sobre a coluna Ovo Mexido
Todo mês, a coluna fala sobre tudo que diz respeito à televisão – da aberta ao streaming – com novelas, séries e realities; um espaço para “prazeres culpados" sem culpa nenhuma.