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Arquivo X e o império dos arquétipos - A verdade está nos mitos

Arquivo X e o império dos arquétipos - A verdade está nos mitos

AR
19.04.2001, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H11
No artigo anterior (Arquivo X e o império dos arquétipos - O mistério do sucesso), vimos como o emprego engenhoso de arquétipos garante a Arquivo X um enorme poder de sedução sobre os telespectadores e explica sua longevidade. Para Carl Gustav Jung, arquétipo é uma idéia ou pensamento, proveniente do inconsciente coletivo, que aparece nos mitos, nos contos e em todas as produções imaginárias de qualquer ser humano.

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A magia que cativa a audiência está presente desde a concepção das personagens do programa. São elas que transmitem credibilidade ao público, dando equilíbrio aos episódios. A principal, o agente especial Fox Mulder, personifica o mito do alquimista medieval. Este ícone une práticas científicas e místicas a fim de encontrar a pedra filosofal, a fórmula capaz de converter qualquer metal em ouro, e que, num sentido mais espiritual, seria a resposta para a transcendência humana. A alquimia era uma prática mística que utilizava tanto o ocultismo quanto a ciência. Sendo eclética, não hesitava em empregar diferentes caminhos em busca das respostas.

Mulder é crédulo. Acredita em fenômenos paranormais e, por meio deles, espera, compreender melhor a vida. Em momento algum, duvida da existência do inexplicável Mesmo assim, respeita a ciência, empregando-a, quando necessário, para comprovar suas “loucas” teorias. Nesse cativante agente do FBI, voltam a se encontrar misticismo e ciência, que, na Idade Média, uniram-se para desvendar o segredo da pedra angular. Em suma, Mulder é um homem holístico, sem limitações, aberto a novas descobertas.

Dana Scully, por sua vez, é a personificação do ceticismo. Ela precisa de provas concretas para crer no paranormal. E, mesmo quando as tem, recusa-se a enxergar a verdade. A personagem encarna o mito do cientista, ou seja, o pensamento lógico-racional, que, desde sua sistematização, na Grécia do Séc VII a. C., vem impondo o método científico como o único válido e rechaça toda e qualquer crença mística.

Scully é a representação do arquétipo que forma a base da ciência contemporânea. Como médica, sua conexão com o pensamento científico é ainda maior. Procura enquadrar os fenômenos paranormais, e sempre busca respostas cabíveis. Ao contrário de Mulder, tem a mente fechada, restrita por padrões e preconceitos.

Juntos, os agentes Mulder e Scully retratam o arquétipo do Par Supremo: macho e fêmea, dia e noite, calor e frio, sol e lua, bem e mal, credulidade e ceticismo. Em Arquivo X, é essa paridade que garante o equilíbrio da trama; o bem, representado pelos agentes, e o mal, personificado pelos inimigos da dupla, são opostos arquetípicos que conferem harmonia à série.

A tensão se faz presente, porque os opostos nunca se tocam totalmente. Mulder e Scully jamais se unem e a profundidade de seu relacionamento permanece um mistério. O mesmo se dá com o bem e o mal: os agentes nunca solucionam os casos por completo, o mal nunca é aniquilado por completo. A credulidade de Mulder não anula o ceticismo de Scully, e o contrário parece igualmente impossível.

Nunca Mais

O episódio Nunca Mais (Never Again) é um exemplo de como os mitos, os símbolos e os arquétipos laçam a atenção do público. Neste capítulo, Mulder tira férias e envia Scully à Filadélfia à cata de suspeitos. Ela está descrente dos Arquivos X, pois os casos nunca se solucionam por completo. Quando segue um suspeito até uma loja de tatuagens, encontra Eduard Jerse tentando se livrar de uma tatuagem feita na noite anterior. Ele acredita que fala com a ilustração e que esta o manipula, levando-o até mesmo a matar.

Amargurado com a perda da esposa e dos filhos, Jerse mandara tatuar uma garota em seu braço direito, junto à inscrição Nunca Mais. A imagem representa um arquétipo de iniciação que marca transições como casamento, nascimento e morte. Para algumas sociedades primitivas, muitos ritos marcam o fim da infância e o início da fase adulta. Realizam-se, entre outros, por meio de jejum, circuncisão, dente arrancado e o que nos interessa agora, tatuagem.

Ed cria seu próprio ritual de transição a fim de morrer como esposo e pai para renascer independente. A tatuagem em questão traduz sua libertação das mulheres, pois elas o fizeram sofrer – a ex-esposa e a chefe que o despediu. Também representa um arquétipo, a anima, que, de acordo com Jung agrega tendências psicológicas femininas na psique dos homens. Sua contraparte na psique das mulheres é o animus.

A anima pode se manifestar de forma positiva ou negativa. No último caso, acarreta pensamentos depressivos, apatia, medo e até mesmo suicídio. A de Ed influencia-o negativamente, fazendo-o odiar as mulheres.

Como Ed, Scully também passa por uma transição. Sente-se insegura quanto aos Arquivos X, bem como oprimida por Mulder, com quem reedita a convivência com o pai, um autoritário oficial da marinha. Ao conhecer Eduard, crê estar em busca de algo novo que quebre o caminho sem fim de seu cotidiano. Jerse a desafia a fazer uma tatuagem, e com isso romper o vínculo com o passado. A ruptura é, na verdade, com o arquétipo do pai, representado tanto por seu genitor, já morto, quanto por Mulder. A imagem que ela escolhe, para seu próprio ritual de iniciação é uma urobóros, a serpente que morde a própria cauda; símbolo do renascimento e da transcendência, bem como da medicina. Este último significado agrega os pares opostos: morte/renascimento e enfermidade/cura.

Como símbolo da medicina, a serpente evidentemente relaciona-se à Scully, mas, na qualidade de animal telúrico, também representa o aprisionamento à terra, que aqui se traduz na fixação da agente à figura paterna. Por fim, é a marca de sua transcendência de uma vida linear, sem expectativas, para uma fase “circular”, o renascimento para novas perspectivas.

Curiosamente, a urobóros é o símbolo de Millennium, série também criada por Chris Carter, o produtor de Arquivo X.

No fim do episódio, Scully descobre que Ed “ouve” a tatuagem, porque a tinta usada pelo tatuador possui uma toxina, semelhante à mescalina, capaz de gerar alucinações auditivas, visuais e comportamentos violentos. Essa substância, um alcalóide presente no cacto peyote, é utilizada por tribos primitivas em rituais de transcendência. Quando Scully se tatua, Ed exige que o desenho seja feito com a mesma tinta, acentuando a importância da substância para o ritual.

A sociedade moderna perdeu o vínculo com crenças que nos guiam e conferem significado à vida. Em Nunca Mais, ambas as personagens sentem-se desorientadas. Ed perdeu a fé no casamento. Não há crença que possa ajudá-lo ou mitologia a que se apegar. Daí, ele cria seu próprio ritual. Scully, por sua vez, deixa-se levar pela crença de Ed e colabora para a ressurgimento de um ritual primitivo na sociedade civilizada. Mais uma vez, em Arquivo X, um arquétipo ganha nova representação e cativa os telespectadores.

A nova temporada

No oitavo ano da série, Fox Mulder, o alquimista que une a ciência e o misticismo, situa-se num plano mais elevado, ou melhor, flutua com a verdade. Pode-se dizer que encontrou a pedra filosofal, sua transcendência, as revelações da vida ou a verdade alienígena.

Enquanto o abduzido Mulder sofre nas mãos dos alienígenas, Scully faz o impossível para encontrá-lo. O impossível mesmo, pois agora ela toma as vezes de seu parceiro e assume o arquétipo do alquimista. Exatamente. A médica agora crê no paranormal. Após sete anos de “não acredito nem vendo” e “não acredito que estou vendo”, a agente cética e racional reconhece que a verdade está lá fora. Afinal, acreditar é a única forma de encontrar seu parceiro.

A agente tem o apoio de Skinner, o único que também acredita. E, como a série não pode perder seu ponto de equilíbrio, o astuto Chris Carter “contratou” um novo agente, tão cético quanto a velha Scully: John Doggett, interpretado pelo ator Robert Patrick – o vilão de Exterminador do Futuro II. Ele chega para coordenar as buscas e solucionar os casos do Arquivo X. Mas mais importante: veio completar o par credulidade/ceticismo, desde o início a força propulsora de Arquivo X.

Enquanto aguardamos a volta de Mulder – ele vai voltar!&qt;& – a série continua a utilizar os arquétipos que sempre lhe deram suporte. A própria decisão de David Duchoviny em se afastar de Arquivos X serviu para aguçar ainda mais a curiosidade dos telespectadores. Transposta para a telinha como a abdução de sua personagem, o agente Mulder, a ausência do astro acabou resultando numa excelente sacada, bastante de acordo com o espírito da série. Em outras palavras, Chris Carter continua pondo em prática a mesma fórmula, que os anos de sucesso provam que funciona.

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