Emocionalmente elástica, série prova que história de Amanda Knox ainda rende
Eloquência da biografada, que serve como produtora da série, ainda dá frutos
Créditos da imagem: Cena de A História Distorcida de Amanda Knox (Reprodução)
Difícil imaginar que alguém aperte o play em A História Distorcida de Amanda Knox, nova série do Disney+, sem saber quem é a mulher do título, o que ela passou ou, ao menos, reconhecer seu nome. Em resumo: em 2007, Amanda Knox foi acusada de assassinar a colega de quarto Meredith Kercher durante um período de intercâmbio na Itália. A seguir, passou anos tentando se inocentar e foi difamada de todas as maneiras imagináveis na imprensa ao redor do mundo. Quando conseguiu a liberação da cadeia em 2011, no entanto, Knox não escolheu o silêncio - ela escreveu, deu entrevistas e criou vias de ativismo ao seu redor, tanto para corrigir as concepções equivocadas do público quanto para conscientizar sobre os processos judiciários e jornalísticos duvidosos que levaram à sua condenação.
A eloquência de Knox, sua disposição para falar do que passou de forma apropriadamente enfática, mas nunca descontrolada, sempre foi o maior trunfo dos projetos que abordaram sua história. A História Distorcida segue a mesma linha, até por ter Knox como produtora executiva. A partir daí, dá para entender melhor porque o primeiro episódio pouco adere à seriedade que normalmente se dispensaria a uma trama real como essa. Existe uma vontade genuína, aqui, de mostrar a protagonista como uma jovem privilegiada e despreocupada, seduzida por um senso de aventura e descoberta, e mais tarde por uma vontade real de ajudar diante da tragédia. Uma Amanda Knox bem humorada, e real, surge na tela, e até por isso o impacto é maior quando o clima pesa.
Quem também ganha com essa escolha é Grace Van Patten, escalada para interpretar a personagem título. A atriz, mais conhecida por papéis em Nove Desconhecidos e Me Conte Mentiras, chega em cena de maneira integral, crível desde o primeiro instante como a inocente que nunca teve razão para temer o mundo ao redor. O teste do carisma vem já aqui - e ela passa -, mas a profundidade que Van Patten demonstra conforme a jornada de Amanda se desenha em direção descendente é ainda mais impressionante do que este vínculo imediato. Avessa a histriônicos, exatamente como a mulher que está interpretando, ela é bem-sucedida principalmente por nos convencer da absoluta normalidade das ações e reações de uma protagonista que precisa ter nossa aliança para a série funcionar.
No fundo, é através dessa elasticidade tonal que A História Distorcida convence mesmo aqueles que já conhecem bem a trajetória de Knox. Vendido na base de ser a primeira adaptação para ficção de uma história contada várias vezes na base do jornalismo e do documentário, a série escrita por KJ Steinberg (This is Us) se aproveita do espaço dado pela reencenação para expandir os limites da trama - ela começa antes para entender quem é sua protagonista, inclusive com base no seu humor e nos seus interesses, e se estende para depois a fim de analisar as consequências da via crúcis que já conhecemos. Nesse espaço alargado, ela consegue abraçar mais emoções, e passear por mais linguagens. Não é à toa que a direção de Michael Uppendahl (American Horror Story) se permite tantas brincadeiras visuais, aproximando-se do terror sem fincar os pés nele.
Pesa a favor de A História Distorcida de Amanda Knox, é claro, o fato da trama tocar em temas que seguem atuais. A luta da personagem real contra os vieses policiais afetados que a condenaram, e a sinergia sinistra entre a polícia e a imprensa que buscam e necessitam narrativas sensacionalistas para se satisfazer mutuamente, nunca acabou. Que a série tenha achado uma maneira de nos mostrar a humanidade compreensiva desse problema, em todos os seus tons, só depõe a favor dela.