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A Vida Secreta dos Casais | Nova série da HBO se perde em propostas conflitantes

Família Ricceli

03.10.2017, às 17H40.
Atualizada em 03.10.2017, ÀS 18H00

Em outubro do ano passado a HBO Latina promoveu um tour pelos sets de seus principais lançamentos futuros e o Omelete estava presente entre os poucos veículos convidados. A última parada foi justamente em São Paulo, para uma visita às filmagens de A Vida Secreta dos Casais, uma série original que tinha a família Ricceli como principal produtora e criadora do conteúdo. Bruna Lombardi, Carlos Alberto Ricceli e o filho deles, Kim Ricceli, nos receberam para nos apresentarem o que seria essa nova investida do canal em uma produção 100% nacional.

Bruna e Kim criaram o conceito ao redor do título sugerido por Roberto Rios, principal nome do executivo da HBO que também acompanhava as filmagens. A ideia foi estabelecer uma ligação entre mistério e sexo por meio de uma história que remontava ao curso da civilização e à relação entre o sexo e o sagrado. “Queríamos trazer esses conceitos não explorativos do sexo para a modernidade, recuperar a ideia de que as sensações são sagradas”, disse Bruna durante a conversa sobre o piloto. Para isso, o tantra foi escolhido como cursor.

Fora da TV há muito tempo, Bruna falou sobre o fato de nunca ter sido esquecida pelo público e de sentir em suas redes sociais que precisava usar a dramaturgia como resposta para tantos que a pediam ajuda: “Não há fronteiras para os sentimentos”. Assim, nasceu Sofia, a sexóloga especialista em tantra que quer ajudar casais a resolverem seus problemas relacionados a sexo. "Queremos mostrar pessoas que não são vistas na TV”, disse Kim ao explicar que a cada semana a série vai abordar um problema conjugal diferente. “Se as questões sexuais entre as pessoas fossem resolvidas não teríamos tantos problemas”, completou Carlos Alberto.

Ao mesmo tempo, o que costura a série e que serve como amenizador do aspecto procedural, é sua trama policial, que usa um núcleo jornalístico para discutir corrupção e corporativismo, enquanto investiga um crime que está diretamente ligado ao instituto de Sofia. A proposta era a de correlacionar a expressão humana vivida através das energias sexuais com a evidência de que há algo de cultural na nossa predisposição ao ilícito. No dia 1º de outubro chegou a hora de avaliar se as melhores intenções desse conceito tinham sido impressas corretamente no roteiro. A resposta, infelizmente, é não.

A Verdade Nada Secreta

O piloto de A Vida Secreta dos Casais começa com uma longa narração de Sofia sobre como a sociedade vive um momento de sufocamento e sobre como todos guardam segredos. Esse é o primeiro sinal de uma série de problemas de coesão que a produção enfrenta desde a sua gênese. A começar pelo seu título, que invoca uma energia de sitcom e comédia que passam longe do produto final. O programa quer falar de sexo, de tantra, de casais com problemas conjugais, mas também quer falar de política, corrupção e mistério. O resultado é um híbrido deformado que não consegue falar de nada direito.

A tentativa de falar de relações interpessoais se choca com a tentativa de ser série policial. Os dois pilares criativos são tão conflitantes que não parecem existir na mesma história. A parte liderada por Sofia fica no campo da superficialidade, ela surge como uma sexóloga que não ajuda em nada, o caso aparece sem nenhuma profundidade textual e aí já fica claro que a ideia central da série já não tem a menor relevância. Tudo fica num campo tão rasteiro que a coisa toda soa como um exercício de delusional. Ninguém sabe o que está fazendo e todo mundo está aplaudindo essa ignorância.

As intenções são as melhores e todo o investimento no estudo tântrico acaba sendo o que o piloto tem de melhor a mostrar. Porém, quando esgota seu tom enciclopédico, o núcleo parece incapaz de se sustentar e sai de cena para dar lugar a outra storyline. Nenhum personagem é apresentado eficientemente e a própria Sofia – que empresta seus olhos à maior parte da horrenda abertura – é colocada numa luz reluzente que a endeusa e a afasta do aspecto humano que ela deveria absorver muito bem. Se não bastasse isso, ela ainda tem “poderes” sobrenaturais que só engordam essa lamentável bagunça de referências.

Tudo piora a olhos vistos quando a trama policial toma a frente dos acontecimentos. Os personagens desse núcleo são estereotipados e o texto sócio-político é didático e soa como um simples “discurso de facebook”. Toda e qualquer decisão do roteiro é baseada em clichês do gênero e quando as duas bases narrativas se encontram a dificuldade de tornar orgânica essa junção de pólos já transborda da tela. A Vida Secreta dos Casais não parece ser sobre nada que é secreto, não parece ser sobre casais, não parece ser sobre sinergia e tampouco parece ser uma série investigativa. A atmosfera sensorial proposta pela ideia do tantra se choca com a pasteurização jornalística e a série não diz a que veio justamente porque quis dizer muita coisa.

Os próximos episódios podem mudar essa dinâmica, mas se o que a HBO Latina queria era provocar o espectador com histórias diferentes, errou a mão ao comprar ideias de quem claramente ofusca a importância do que precisa ser dito com recortes tortos de uma dramaturgia completamente inconsistente.

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