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Artigo

Superman 19

Superman 19

18.02.2002, às 00H00.
Atualizada em 15.11.2016, ÀS 06H01

Ed. Abril – formato americano
Série mensal – 164 páginas coloridas

Sem dúvida a história mais aguardada da personagem (daqui por diante referido como “Super-Homem”; eu me recuso a chamá-lo de Superman) nos últimos anos, esta edição inclui um novo relato da origem do herói denominado “Retorno a Krypton”. Quando de sua publicação nos Estados Unidos, o arco em questão gerou enorme polêmica. Na época, a publicidade (leia mais aqui) levava a crer que a nova trama descartaria a gênese proposta por John Byrne em 1986 e traria de volta “o período clássico do Super-Homem”, ou, mais exatamente, sua versão na Era de Prata. Vale notar que o período clássico do Super é a Era de OURO, mas para que discutir minúcias&qt;&

No final das contas, a saga não é uma coisa nem outra.

O principal arquiteto desta história é o escritor Jeph Loeb, da revista (americana) Superman. Discípulo de Elliot S! Maggin (que escreveu o Super nos anos 70 e 80), Loeb tem grande admiração pelo Super-Homem “clássico” e batalhou por um longo período até conseguir fazer esta história.

Valeu o esforço&qt;& Veremos a seguir.

Nota: Se você pretende ler a revista, fique avisado de que a crítica abaixo revela vários detalhes importantes. Por outro lado, eu o aconselho a estar ciente destas infomáções antes de torrar seus preciosos 10 reais...

A primeira história da edição, por Loeb, Ed McGuinness – o desenhista oficial da Superman americana – e uma hoste de ilustradores convidados, é um conto de Natal. Nele, vemos o Super entregar presentes a cada membro da Liga da Justiça enquanto discute com eles o futuro do planeta, agora que Lex Luthor é o presidente dos Estados Unidos.

Não é um início auspicioso para a edição, ainda mais que as primeiras páginas mostram os Homens-Lineares, personagens que nunca garantiram boas histórias. A arte normal de McGuinness já não é das mais inspiradas, mas a seleção de ilustradores convidados é ainda pior. Composta principalmente por amigos de Jeph Loeb, inclui desenhistas medíocres como Rob Liefeld, Ian Churchill e Joe Madureira, apenas razoáveis como Humberto Ramos e Mike Wieringo e um único realmente talentoso: Arthur Adams (de Longshot).

Se artisticamente, a edição começa mal, o roteiro também não ajuda. As reações das personagens estão longe do seu comportamento habitual – Por que diabos a Mulher Maravilha quereria lutar com o Super-Homem quando ele vem conversar&qt;& – e o Super não me parece o tipo que dá presentes “engraçadinhos” como elásticos ao Homem-Borracha ou um polidor de anéis para o Lanterna Verde.

Neste primeiro episódio, também começa a mania de Lois Lane apelidar seu marido de “caipira”. Em sessenta anos da personagem, não me recordo de ter visto isto ocorrer uma única vez antes. Nem quando os dois estavam brigados. Pior: a cricri continua com a chatice mesmo depois do Homem de Aço pedir a ela que pare em uma das aventuras seguintes da edição. Seria o prelúdio do “Divórcio do Super-Homem”&qt;&

Bom, passemos à segunda história. Escrita por Mark Schultz, ela é ilustrada pelo fraco Duncan Rouleau, que parece incapaz de desenhar um rosto por duas vezes consecutivas sem modificá-lo completamente. Na trama, um dos Homens-Lineares (bem, uma mulher-linear, para ser exato) mostra ao Super o futuro da Terra caso ele deixe o planeta à mercê do Presidente Luthor.

Há algumas incoerências (eu não consigo ver o Homem-Borracha, criminoso regenerado, como cúmplice de Lex Luthor), mas nada de sério. Apesar da total falta de originalidade (os Homens-Lineares sempre fazem esse tipo de coisa todas as vezes que aparecem), não chega a ser uma história ruim. Apenas fraca. O único ponto interessante para o resto da Saga é que o prof. Hamilton, velho amigo do Super-Homem, detecta uma estranha comunicação em kryptonês vinda da Zona Fantasma.

Segue um oportuno texto explicando para leitores novos o que é a Zona Fantasma e a Cidade Engarrafada de Kandor. Ainda bem que as coisas eram mais “simples” na Era de Prata, não&qt;&

Finalmente, chegamos à origem (re)reformulada do Super-Homem. Mais uma vez, escrita por Loeb, a mescla inteira é desenhada por McGuinness, mostrando todos os defeitos de seu traço, uma mistura das piores características dos comics americanos e dos mangás japoneses. Logo na primeira página temos alguns dos antes raros erros da Editora Abril: A história, terceira da revista, é denominada “segunda parte” e um balão de diálogo aparece em branco! O resto da edição seria um pouco mais bem cuidado...

Quanto à trama em si, ela se inicia com a queda de (mais!) um foguete no quintal de Jonathan e Martha Kent. O Super-Homem aparece e descobre que esse foguete - horrível, por sinal, com um design que já era ultrapassado na época da primeira origem do herói – foi o que transportou sua câmara matriz kryptoniana para a Terra. Nele, uma mensagem de seu pai biológico, Jor-El, revela que tudo que sabia de seu mundo não passava de uma mentira. A razão do logro era não permitir que nosso invulnerável protagonista ficasse “preocupado com o passado, deixando-o livre para pensar no futuro”. Não, o cientista kryptoniano não explica porque diabos resolveu contar isso agora.

Aparentemente Krypton tinha a mesma sociedade e aparência retrô estilo Flash Gordon típicas da Era de Prata, mas com algumas diferenças importantes: O General Zod não era um criminoso, mas o chefe de operações militares de Krypton (!) e a causa da explosão do planeta.

Antes, uma lembrança rápida:

  • Causa da explosão de Krypton na Era de Ouro – instabilidade no planeta
  • Causa da explosão de Krypton na Era de Prata – instabilidade no núcleo do planeta
  • Causa da explosão de Krypton nos anos 70/80 – instabilidade no núcleo do planeta
  • Causa da explosão de Krypton na “versão Byrne” – instabilidade no núcleo do planeta
  • Atual causa da explosão de Krypton - o planeta se desviou de sua órbita, aproximando-se demais do seu sol vermelho e foi destruído pelo empuxo gravitacional (!!!!!!!).

É assim que Jeph Loeb faz a origem ser mais “fiel” à Era de Prata&qt;& Sem falar que o calor da estrela erradicaria a vida naquele mundo muito antes da gravidade o destruir. Qualquer dúvida, pergunte ao planeta Mercúrio...

O mais surpreendente nisso tudo é o Conselho de Ciência de Krypton, aqui chamado de “Conselho Imperial” (quando foi que Krypton adotou a monarquia&qt;&). Como em todas as versões anteriores, a instituição recusa-se a aceitar os alertas de Jor-El. Isso prova que o pai do Homem de Aço, além de ser o mais brilhante cientista de Krypton, também era seu único astrônomo. Na “atrasada” Terra, um evento desses seria rapidamente percebido (até porque o sol pareceria maior e mais quente mesmo para as pessoas comuns...).

Bem, depois desse atentado à ciência, a origem desenrola-se de forma mais ou menos igual à de sempre. Quando o flashback termina, o próprio Super-Homem menciona as inconsistências entre essa versão e a anterior – como o Erradicador, por exemplo. A própria personagem apontando os defeitos da história&qt;& Isso é sempre um mau sinal!

Antes do final da aventura, McGuinness ainda nos mostra mais um exemplo de sua falta de talento. Ele desenha o General Frank Rock – o antigo Sargento Rock dos quadrinhos de guerra da DC Comics – com uns 30-40 anos de idade. O bem conservado militar, que comandou a Companhia Moleza na Segunda Guerra Mundial deveria ter, pelo menos 80 anos.

Caso o leitor ainda esteja decidido a continuar lendo, por masoquismo ou teimosia, o pior está por vir. Os capítulos subseqüentes mostram a saga “Retorno a Krypton”.

Este arco mostra o Super, acompanhado de Lois Lane, entrando na Zona Fantasma à procura da fonte da transmissão em kryptonês captado nos episódios anteriores. Lá chegando, ele é inexplicavelmente atacado por cópias negativas de si mesmo (!). Também sem qualquer vislumbre de explicação, Lois consegue se defender razoavelmente bem dessas criaturas, até ser agarrada por elas. O que dá ao Super uma das frases de diálogo mais infelizes de sua longa carreira: “Ninguém agarra minha mulher!”. Não é digna de lutador de jiu-jitsu em boate&qt;&

Eles são salvos pelo herói da Zona Fantasma, Valor (ex-Mon-El, atual M’Onel da Legião dos Super-Heróis), que aparece por exatamente um quadrinho, confundindo ainda mais os leitores que nunca ouviram falar da Legião (que não é publicada regularmente pela Abril há cerca de uma década...).

Durante toda a seqüência, Lois Lane imagina-se como o protagonista do filme De volta para o futuro (entregando para o leitor o resto da história...). Mesmo assim, ela diz preferir o ator Michael J. Fox no filme Garoto do futuro (Teen Wolf), no qual ele encarna um lobisomem adolescente. Mas por que razão, descontando mau gosto, ela preferiria um filme ao outro e que diferença isso faz para a história&qt;&

Simples! Garoto do futuro foi escrito e produzido por Joseph Loeb III. Jeph Loeb para os íntimos. O escritor da HQ.

Palavras são incapazes de descrever a sensação de nojo que isso me provocou. Em mais de vinte anos de leitura de HQs, eu nunca havia presenciado tamanha soberba.

Enfim, no prosseguir do que generosamente eu me refiro como a história, Lois e o Super-Homem chegam a Krypton. No passado, antes de sua explosão!!! Nenhuma explicação satisfatória para o acontecimento é dada. Eles chegam e ponto final. Bem, a essa altura o leitor já não deve mais estar se preocupando com lógica mesmo. O casal encontra (e salva) os pais biológicos do Super-Homem, Jor-El e Lara, e o cãozinho Krypto, legítima relíquia da Era de Prata.

O cientista fala de sua... Hã... brilhante descoberta de que Krypton estava se precipitando em direção ao sol e pede ajuda ao Super-Homem, que ainda mantém seus superpoderes. Ele os usa para acionar um par de gigantescos (e convenientemente colocados) motores iônicos e salva Krypton da destruição.

Sim, eu disse isso mesmo. Ele salva Krypton da destruição. Suponho que mês que vem a Abril publicará uma nova revista do Batman ao invés de Superman...

Mas o suplício não terminou. Apenas as histórias da dupla Jeph Loeb/Ed McGuinness (bem, já é um consolo).

Na seguinte, escrita por Joe Casey e desenhada por Duncan Rouleau, o Super, que tinha ficado à deriva no espaço sem poderes (ignora-se como ele não morreu) é resgatado. Porém, a ação chama a atenção do General Zod, chefe de operações militares de Krypton (Ugh!), que faz com que o Conselho Imperial (AAAAAAAAAAARGH!!!) ordene a prisão do clã El e dos “alienígenas”, que ficam presos no planeta depois de seu meio de fuga ser destruído por um ataque de forças do Conselho.

A história seguinte é escrita por Mark Schultz e desenhada por Doug Mahnke, criador do visual do Máskara. Acostumado às deformidades e ao grotesco que sua personagem anterior exigia, ele é uma terrível escolha para desenhar o Homem de Aço. E é o melhor artista de toda a saga...

O título da história é “O Jogo Mais Perigoso de Krypton”. Como não se trata da versão Kryptoniana de Flamengo X Vasco ou Palmeiras X Corintians, eu suponho que o título original seja “Krypton’s Most Dangerous Game” (A Caça/Presa Mais Perigosa de Krypton) e o tradutor Mario Luiz C. Barroso enganou-se. Não há como criticá-lo. Se ele realmente traduziu toda a revista, a dor e sofrimento por que estava passando certamente o impediram de perceber este detalhe. Tradutor também é ser humano!

Na história em si, Super e Lois, adotando as identidades dos heróis kryptonianos Asa Noturna e Flamejante (mais relíquias da Era de Prata, esses eram os nomes usados pelo Super e Jimmy Olsen quando combatiam o crime na Cidade Engarrafada de Kandor), vão coletar nas ruínas de Kandor o mineral que precisam para retornar à Terra. Lá, são atacados pelos cúmplices de Zod, Faora e Cru-El. A presença deste último, além de ser um trocadilho horroroso, insinua que a família El, a mais honrada dinastia de Krypton na Era de Prata, teria dado origem a um canalha barato. Bah! As personagens chamavam-se Zaora e Quex-Ul na Era de Prata. O casal terrestre é salvo pelos Xan, uma raça de campos magnéticos inteligentes (!) que habitava Krypton antes do surgimento dos kryptonianos.

Não, eu não estou inventando isso. Campos magnéticos inteligentes, sim, senhor. Não adianta me olhar com essa cara!

A última história é escrita por “Joe-Kel” (Joe Kelly) e desenhada por Kano-El. Kano&qt;& É um desenhista ou um vilão de Mortal Kombat&qt;& Fraco como se mostrou, tem mais que assinar com pseudônimo mesmo!

Na aventura, vemos os El protegerem-se do último ataque de Zod em uma fortaleza no pólo do planeta, completinha com chaves douradas gigantes como a antiga Fortaleza da Solidão. Zod é derrotado (e morto&qt;&) e Super-Homem e Lois voltam à Terra, em companhia de Krypto, o Supercão, que passará a integrar o elenco da série.

Parece inócua, não&qt;& Talvez seja um final decente para uma péssima saga&qt;&

Infelizmente, não é. Na última página Jor-El e Lara abandonam seu “jeitão Era de Prata” e assumem uma aparência que mistura esse visual com o de John Byrne. Toda a cena dá a entender que a DC estaria disposta a voltar à “versão Byrne” a qualquer momento, caso os fãs não aprovassem.

Quer dizer... as equipes envolvidas criam uma das piores histórias do Super-Homem em todos os tempos, embaralham o passado do maior herói dos quadrinhos, criam um Frankenstein que não se assemelha a nenhuma das versões, clássicas ou modernas, da origem do Homem de Aço e não têm sequer a coragem de bater o pé e impor essa proposta como a definitiva&qt;&

Nota Omelete
ZERO OVOS

É demais! Esta é, sem exagero, a pior história do Super-Homem jamais feita! Um filme de Ed Wood Jr. em formato de quadrinhos! Ninguém em seu juízo perfeito deveria comprá-la. Com essa conclusão, é meu triste dever dar a ela a nota mais baixa da história do Omelete: Zero.

Ela merece. Com louvor.

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