Com a Turma da Mônica, aprendi a ler. Com Asterix, aprendi sobre o tamanho do mundo, que ia muito além da aldeia gaulesa. Com Mafalda, aprendi a questionar.
Mafalda e sua turma tiveram histórias novas contadas de 1964 até 1973, mas elas só aportaram por aqui em 1982, editadas por Henfil. Lembro bem que passei tardes e mais tardes trocando os lados dos LPs e lendo as tirinhas que vinham da Argentina, mas ecoavam no Brasil mesmo 10 anos depois de deixarem de ser publicadas.
Eu dava risadas, de gargalhar. Mas nem sempre. Tinha coisa que eu simplesmente não entendia e tinha que fazer como a pequena Mafalda e ir perguntar para a minha mãe. Mas tudo bem, porque, afinal, ela que tinha me apresentado ao trabalho do argentino.
Cria dos anos 1960, com Guerra Fria, Beatles e ditadura na América do Sul com enormes dívidas junto ao FMI, Mafalda não deixava uma pergunta que passava pela sua cabeça sem verbalizá-la. Muitas vezes constrangia seus pais. Ora com questões que eles nunca tinham parado para pensar, ora com perguntas que não sabiam responder.
A personagem mais famosa de Quino mostrava inúmeras vezes a sua insatisfação com a humanidade e preocupação pelo mundo. Coisa de quem ainda tem esperança de viver em um mundo melhor. Um mundo em que não haja sopa! O prato, aliás, era usado comumente de forma metafórica para representar a ditadura e qualquer tipo de autoritarismo que temos de engolir a contragosto.
Mas mesmo sendo bastante política em seus questionamentos, Mafalda não deixava de ser uma criança de seis anos, com os problemas de quem está aprendendo a ler e escrever e tem, sim, seus anseios capitalistas, como uma TV. Nada comparado ao seu colega Manolito, descendente de espanhóis dono do armazém local, que só pensa em dinheiro e por isso é comumente desprezado pela menina.
Politizada, empoderada, questionadora, imparável, Mafalda foi uma amiga do fim da minha infância e início da adolescência. Uma amizade daquelas que vai ser lembrada para sempre.
Cheguei a encontrar seu pai uma vez. Foi em 8 de julho de 1999, no Sesc Consolação, no centro de São Paulo. Quino estava no Brasil para um bate-papo com seu amigo Ziraldo e autografou ali alguns livros durante a tarde, antes da palestra. Tenho o meu Toda Mafalda guardado em lugar de destaque na estante de casa. Com muito orgulho.
Mafalda, como eu e muitos fãs de Quino está triste, mas também muito orgulhosa pelo pai que teve.