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Ao entrar no site da garota, o internauta não consegue deixar de se simpatizar com essa veterinária de 28 anos, que nasceu no Canadá. Muitos se cativam pelo seu jeito encantador de ser e elogiam a originalidade de usar desenhos feitos por seu amigo André Leal no lugar de fotos, criando certo mistério. Não faltam outras moças que se identificam e rapazes galanteadores que se apaixonam pela sardentinha...
Esse caso não seria muito diferente dos demais sites pessoais de outras garotas pela internet se não fosse o fato de Fernanda Breta ser uma personagem de histórias em quadrinhos, criada pelo seu amigo André Leal.
O pai fala do parto:
Eu queria colocar meus desenhos na net, para divulgar um endereço onde as pessoas pudessem ver meu portfólio, mas não queria fazer um site como todos os desenhistas fazem. Eu queria um negócio diferente. Então pensei: vou inventar uma garota pra ser o motivo dos desenhos, e o site será como se fosse a página pessoal dela. Isso foi no início de 2000. Rabisquei umas cinco ilustrações de Fernanda com várias pessoas diferentes pra começar a fazer o tal site. Escolhi esse nome Fernanda porque gosto (não tenho filha com esse nome, nem irmã nem nada). As outras pessoas foram ganhando papéis enquanto eu bolava o texto (as legendas dos desenhos, que é Fernanda falando em primeira pessoa). Pronto, era só isso, um portfólio diferente. Mas daí eu comecei a fazer mais desenhos de Fernanda e a detalhar a biografia dela. Fui aumentando o site, fiz algumas HQs e hoje ela se transformou na minha personagem principal.
O que começou apenas como um portfólio original, cujo intuito era projetar criatura e criador para as publicações tradicionais, ganhou uma dimensão até então inédita nos quadrinhos nacionais. Fernanda Breta adquirira vida num bem estruturado jogo de realidade e ficção.
Para construir o universo da veterinária, o desenhista começou a recrutar, entre seus amigos virtuais de São Paulo, os coadjuvantes das tramas de Fernanda. Pessoas reais, que reconstroem sua imagem no trânsito da comunicação via net, migram para as histórias em quadrinhos aumentando a ambigüidade da verdade e da imitação da arte, num modo reverso. Enquanto a garota é ficção que se confunde com o real, os amigos vivos de Leal são seu inverso, gente que vira cartoon.
Eu desenho pessoas reais como amigos de Fernanda para dar mais veracidade à personagem. Além de figuras famosas, que todo mundo conhece, eu ponho gente normal (anônimos comuns) que, a primeira vista, parecem também personagens, mas logo é constatada sua existência, por causa dos links para seus sites. E, às vezes, nas páginas dessas pessoas existem menções a Fernanda, aumentando o teor de realidade da personagem.
O site detém uma média de 30 visitas diárias (mas que já chegaram a 128 em único dia) e, de acordo com Leal, quase todos os visitantes pensam se tratar de uma pessoa real. Ele está realmente cadastrado como uma página pessoal de uma veterinária nos motores de busca, isso junto com o teor do texto, escrito como se fosse pela própria Fernanda, causa a impressão da garota realmente existir.
No guestbook (livro de visitas) dela, verificamos a habilidade de Fernanda para cativar corações. A maioria as manifestações são galanteios, devidamente deletados pelo autor, até certo ponto enciumado. Aqueles que sabem a verdade sobre Fernanda enviam e-mails com mensagens para Leal nas entrelinhas. Leal intervém também, usando da ficção mais uma vez, deixando recados dos parentes de Fernanda para a garota.
A produção de Fernanda Breta até agora resume-se a quatro histórias em quadrinhos produzidas e apresentadas para o projeto Front e uma série de tiras, as quais André chegou a publicar no correio da Bahia, numa iniciativa precocemente abortada. Já a A traseira será sua primeira história longa publicada em papel, na edição Front 13, abordando o tema da feminilidade.
Fora do âmbito da dualidade do real, tratando-se especificamente de histórias em quadrinhos, as opiniões são das mais diversas. Especialmente entre as mulheres, onde impera forte polêmica, na acusação de machismo da concepção:
Todo mundo critica porque parece que a Fernanda é um protótipo de mulher perfeita. E não é. Ela tem cabelo curto, é independente, bonita e gostosa, mas, em momento algum, eu quis dar o estereotipo de mulher perfeita. Como leitoras, as outras mulheres reclamam de que eu deveria inventar uns podres pra personagem, se eu quisesse deixá-la mais real (perguntam se ela não tem celulite, porque eu não desenho a celulite aparecendo). E quando pensam em Fernanda como pessoa, dizem que ela é independente, bonita e tem corpão, só isso.
E o autor se defende ainda mais:
As polêmicas surgem, porque (eu suponho) as mulheres pensam que faço de Fernanda um modelo de como enxergo o sexo feminino. E aí quando ponho Fernanda empinando a bunda numa HQ, as leitoras logo reclamam que as mulheres não são assim, que absurdo, blablabla. Claro que as mulheres não são assim, somente algumas são, e Fernanda é uma delas. Acho que o grande problema é justamente o trânsito de Fernanda entre o mundo real e as HQs. Para dar mais veracidade, eu não exponho os defeitos dela no site (porque, se é a própria Fernanda em primeira pessoa falando, é natural que não saia expondo os seus defeitos na internet) e aí, quando ela é vista como personagem, a menção dos defeitos torna-se importante pro interesse do público.
Talvez o fato mais curioso que se apresenta aqui seja o uso da internet como ponte para o papel. A manifestação digital de Fernanda nada mais é do que uma alternativa para o aleijado mercado brasileiro de histórias em quadrinhos, cuja renovação e expansão estão obliteradas há mais de uma década junto com o resto do setor produtivo cultural da nossa economia.
André Leal já ensaiou alguma coisa usando dos recursos próprios das páginas eletrônicas, como animações em Flash, porém adiou a continuidade dessas experiências por dificuldades de suporte tecnológico. Entretanto, sua ambição maior parece ser as publicações tradicionais.
Tanto é assim, que seus desdobramentos se aproximam de outras incursões nesse sentido, do pixel para o papel. A editora virtual Nona Arte já lhe abriu as portas. Leal apenas precisa elaborar uma história apta a um dado formato para se enfileirar à iniciativa de André Diniz.
Outra frente de resistência (ou sobrevivência) da HQ nacional na qual o artista está mui envolvido com o processo é o Projeto Front, a cooperativa de autores cujo produto é publicado pela Via Lettera.
Mas, mesmo com suas pretensões para com uma publicação de celulose, Leal não deixa de declarar sua paixão pela internet, especialmente como um campo para as potencialidades.
Dá pra fazer bastante coisa com quadrinhos virtuais. Além de pequenas animações em alguns quadros, ou ruídos reais no lugar das onomatopéias, existem também os quadrinhos interativos, em que o leitor escolhe que direção determinadA personagem seguirá. Uma maravilha, em tudo a ver, quadrinhos e internet.
Entretanto, apesar de toda familiaridade e afeição, Leal é lúcido ao verificar os limites da via da informação:
As vantagens são: facilidade de acesso, multiplicação das revistas (divulgação né?) eu te dou uma revista por computador e isso não retira a revista do meu acervo, tem o lance da animação, dos sons, da facilidade de armazenagem, do papel nunca ficar amarelado... a única desvantagem é que você precisa de um computador funcionando pra poder ler a revista. Essa é a única desvantagem.
Quem é Fernanda Breta?
Mais relevante do que responder essa pergunta é o questionamento das representações dessa personagem. O estágio da internet atual é apontado por muitos como primário e transitório. Freqüentemente, afirma-se que hoje temos um tímido desenrolar de uma próxima justaposição das mídias, que, preservando as fruições atuais, deve gerar novas sínteses de processos comunicativos. Nisto talvez esteja a importância e a atualidade de Fernanda Breta. Um construto ficcional, cujo hibridismo midiático está na freqüência da História, uma filha da Revolução da Informação...
Conheça melhor Fernanda Breta em seu site http://www.fernandabreta.cjb.net
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