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Quadrinhos, sedução e paixão

Quadrinhos, sedução e paixão

WV
19.03.2001, às 00H00.
Atualizada em 14.11.2016, ÀS 10H00
De uma certa forma, deve-se reconhecer que o Brasil não deixa de ser afortunado no que diz respeito às histórias em quadrinhos. Além de ter tido o privilégio de contar, já no século 19, com um artista do quilate de Ângelo Agostini produzindo estupendas histórias ilustradas para o deleite de fluminenses e paulistas, o país também conseguiu gerar um significativo grupo de pesquisadores voltados ao estudo dos quadrinhos. Entre os vários nomes de destaque nessa área, alguns ainda em plena e fecunda atividade – como Álvaro de Moya e Sonia Luyten –, ou outros que encerraram sua contribuição ao tema – Diamantino da Silva, Zilda Augusto Anselmo e Ionaldo Cavalcanti –, a figura de Moacy Cirne sempre se salientou como talvez aquela a ter a postura mais exigente, em termos epistemológicos, em relação a esse meio de comunicação de massa.

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Desde os seus primeiros escritos sobre o tema – no número especial da Revista de Cultura Vozes, de julho de 1969, e no livro A explosão criativa dos quadrinhos, publicado em 1970 pela mesma editora –, ele se colocou como um rigoroso crítico do meio, buscando, para análise dos quadrinhos, uma abordagem metodologicamente consistente com o rigor científico característico do ambiente universitário. E Cirne o fez sem jamais perder de vista a necessidade de manter um posicionamento político e social, declaradamente ideológico, no enfoque da produção quadrinhística disponibilizada no país. Para ele, essa postura sempre foi essencial ao processo de produção de conhecimento a que se dedicou em toda a sua carreira como pesquisador.

A SÍNTESE DE 30 ANOS DE PESQUISA

O trabalho de pesquisa de Cirne em relação aos quadrinhos sempre o aproximou dos estudos da linguagem e da relação com outros media, principalmente o cinema. Vários de seus livros, principalmente os primeiros, viajam nessa seara. Depois, principalmente durante a década de 80, aprofundou-se na análise crítica dos quadrinhos brasileiros, um estudo que gerou dois de seus livros mais engajados politicamente, Uma introdução política aos quadrinhos e História crítica dos quadrinhos brasileiros. Depois deles, o autor parece ter decidido dar uma parada na produção monográfica, dedicando-se mais à sua rotina como professor na Universidade Federal Fluminense, onde atua desde 1971. Quebra agora, finalmente, no início deste novo milênio, esse jejum voluntário, com a publicação de uma obra que, de uma certa forma, faz a síntese do trabalho desenvolvido em seus 30 anos de pesquisa: Quadrinhos, sedução e paixão.

Publicado pela Editora Vozes, o livro traz, como diz o escritor Dênis de Oliveira na apresentação da obra, um Moacy Cirne em sua maturidade, que busca equacionar “a racionalidade que clama por compreensão e a rebeldia que aquece o espírito”. Nisso, constrói um texto fascinante, que consegue, ao mesmo tempo, prender e desafiar o seu leitor, trazendo uma reflexão serena e instigante; o que evidencia, também, a evolução do autor: em vários momentos, nos 9 ensaios que compõem o livro, ele não hesita em revisitar antigas idéias, posicionando-se novamente frente a problemas que o instigaram há dez ou vinte anos, buscando novas e mais completas teorizações. Em alguns trechos, o Cirne de hoje concorda com o de ontem; em outros, reconhece que o discurso panfletário que anteriormente utilizara necessita ser contextualizado para o novo momento dos quadrinhos e do próprio ambiente onde são veiculados. Não abre mão, no entanto, de um posicionamento politicamente combativo por parte do crítico, algo que agora denomina “Poeticidade Libertária”. E o faz de forma enfática, quase raivosa, chegando em alguns momentos demasiadamente perto da arrogância intelectual e erigindo a sua postura como o ideal a ser seguido. É o que faz, por exemplo, à pagina 17, quando afirma que “para os estudiosos mais sérios, que não se deixam enganar pelo canto de sereia das nostalgia encantatórias, nem pelas facilidades egoneuróticas de muitos pesquisadores e colecionadores de gibis, os quadrinhos foram – e ainda são – pensados de forma rigorosa, mesmo levando em conta, como principalidade textual, o prazer da leitura que eles devem e precisam transmitir”. Afirmações semelhantes são repetidas em várias partes do livro, de uma forma que chega mesmo a ser cansativa. Alguns leitores talvez até se irritem.

Também chegam próximo a ser irritantes algumas das brincadeiras de gosto duvidoso que Cirne faz com palavras durante o texto. É quase como se, em alguns momentos, ele pusesse de lado a postura que erigiu para o pesquisador do início de um novo século e voltasse para o contestador das décadas de 70 e 80. Vira e mexe, escapa um “quadrinheiro’, um “meRdiocridade”, uma “classe méRdia”, que destoam do preciosismo de linguagem das demais partes do livro e que podem fazer com que alguns sintam-se um pouco decepcionados com o pesquisador. Mas essa é uma questão de estilo do autor, com o qual ele se habituou em dezenas de escritos anteriores e que provavelmente não mais impressionará os leitores, sejam quais forem. Seus aficionados provavelmente já admiram essa ironia desbocada e a aceitam como parte do carisma que o torna especial. Seus críticos, por seu lado, certamente já a vêem como mais um elemento desabonador e não a consideram de importância. No geral, pode até trazer prejuízos mínimos. Mas deve-se reconhecer que incomodam um pouco, no contexto de uma obra que se pretende dentro de modelos universitários de linguagem...

COERÊNCIA E EQUILÍBRIO

Essas pequenas excentricidades do autor, no entanto, são largamente compensadas pela postura rígida que transparece em todos os capítulos do livro. Fica evidente, pela leitura, que se trata de uma compilação ou reaproveitamento de estudos realizados em momentos diversos da última década, aos quais se procurou organizar de uma forma lógica. Em geral, todos eles têm uma construção interna bastante coerente e estão ordenados com muita felicidade, proporcionando uma cadência de leitura regular e agradável. Além disso, o rigor metodológico do autor na escolha dos diversos capítulos garantiu que não houvesse um desequilíbrio muito grande: apenas um ou outro destoa do conjunto, como o capítulo que trata de ficção científica e quadrinhos, que parece ter sido incorporado mais por se tratar de um tipo de literatura pelo qual o autor tem uma predileção especial, do que por acrescentar algo de muito valioso ao conjunto. Fala pouco, inclusive, de quadrinhos propriamente ditos, discursando muito mais sobre o ambiente da ficção científica. É o único que parece deslocado em relação aos demais capítulos. Todas as subdivisões incorporadas, desde a que fala do imaginário e especificidade dos quadrinhos, até, principalmente, o capítulo no qual se traça a relação entre cinema e quadrinhos, apresentam uma coerência mais que evidente. Este último, inclusive, é o capítulo mais extenso do livro, com mais de cinqüenta páginas.

UMA PROPOSTA AUDACIOSA

Um momento que merece ser particularmente destacado na obra é o capítulo 7, em que Cirne faz uma comparação entre quadrinhos e literatura, utilizando o discurso poético como elemento de mediação de seu olhar. O autor, nesse momento, chega a ser até lírico em suas palavras, fazendo o leitor viajar junto com ele pelo universo da literatura; como quando faz quase uma declaração de amor à poesia, dizendo que esta “enquanto tal, a partir de agenciamentos poetizantes, passaria pela relação entre o leitor/espectador e a obra a ser consumida: uma relação ora afetiva, ora crítica, ora angustiante, ora positiva, ora negativa; de qualquer maneira, sempre pulsante”. Ou, ainda, quando propõe um modelo de quadrinização de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. Nesse caso específico, o crítico dá lugar ao roteirista-poeta e parece se sentir muito bem nesse papel.

Cirne fecha o livro com uma proposta audaciosa: a proposição de um cânone para os quadrinhos. De olhos abertos em relação às possíveis repercussões que qualquer listagem de obras mínimas pode oferecer, ele se municia da opinião de três colegas, agrega sua própria visão e, das convergências entre as várias proposições, elege um grupo de textos quadrinhísticos essenciais. Com isso, propõe um tema para discussões apaixonantes sobre os quadrinhos.

Se, em tudo na vida, a paixão é importante, no que diz respeito aos quadrinhos, ela parece ser essencial. Essa é uma constatação que, a partir do mais recente livro do professor da Universidade Federal Fluminense torna-se quase obrigatória. Como obrigatória, também, é essa obra para todos aqueles que já se relacionam com os quadrinhos, seja na elaboração, na docência ou no gosto por sua leitura. E isso apenas confirma o que foi mencionado no início desta resenha: o Brasil é um país afortunado por contar com um estudioso do nível de Moacy Cirne dedicado às histórias em quadrinhos.

Quadrinhos, sedução e paixão.
Moacy Cirne
Editora Vozes
220p.
R$ 20.00



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