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O espírito da Amazônia

RM
13.02.2003, às 00H00.
Atualizada em 01.11.2016, ÀS 19H00

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O ESPÍRITO DA AMAZÔNIA? ONDE?

Na semana passada, foi divulgada a data de lançamento nos Estados Unidos da primeira mini-série totalmente produzida no Brasil. Era pra ser um motivo de júbilo tanto para fãs quanto para os profissionais da área, não? Afinal, um evento desses pode abrir portas para exportarmos quadrinhos - e não só ilustradores - tupiniquins para terras ianques. No entanto, o que era bom durou muito pouco, uma vez que a supracitada mini-série chama-se Spirit of the Amazon, mini em cinco partes, das quais apenas quatro foram publicadas no Brasil.

Spirits... é mau sinal não só porque foi publicada de forma incompleta no Brasil, mas por merecer levar o subtítulo: uma mini-série feita por brasileiros para americanos verem. Convenhamos, se você não conhece a mini-série, ou não sabe que apito ela toca, ao ouvir o nome da dita cuja, na certa, vai pensar que se trata de mais um gibi americano, não? Afinal, se é produzida no Brasil, por que não chamá-la de Espírito da Amazônia ou coisa que o valha? É evidente que, desde o começo, foi planejada de olho no mercado externo.

Outro ponto negativo é que, ao fim da leitura das quatro primeiras partes, eu me indaguei: Cadê o tal Espírito da Amazônia? Será que ele só dá as caras no epílogo? Porque até agora, de espírito mesmo eu não vi nada. Não vi, porque não tem.

A premissa é até que maneira, ainda que nada original: alertar às pessoas dos problemas e prejuízos que o progresso desenfreado traz à natureza e, conseqüentemente, ao mundo como um todo. O duro é que a tal premissa é logo jogada às favas e a trama - pelo menos até onde foi publicada aqui - resume-se a uma previsível guerra intergaláctica entre dois povos que desejam dominar a Terra.

E se faltou o espírito, também faltou a Amazônia. A região retratada em suas páginas é aquela que os americanos vêem e sobre a qual aprendem em algumas escolas: uma floresta gigantesca e internacional. Segundo essa perspectiva, a Amazônia é importante demais pra fazer parte do Brasil, um país que não consegue impedir que queimadas e contrabandistas de animais a destruam. Daí, cabe aos americanos protegê-la de todo e qualquer vilão, seja ele humano ou alienígena. Só faltou a plaquinha: Vende-se a preço de ocasião. Aceitamos espelhinhos, contas, lantejoulas e passes.

BRASIL, CAPITAL: BUENOS AIRES

Falando da história em si, ela começa quando o pajé dos waimirí-atroarí, uma das tribos da Amazônia, prevê que suas terras serão ameaçadas pelos brancos. Na mesma noite, uma companhia internacional dá as caras pra desmatar a terra e chacinar os índios. Detalhe: Os seguranças da companhia não são meros jagunços armados de espingardas e revólveres, mas sim agentes altamente treinados e com armaduras da mais avançada tecnologia. No entanto, mesmo cercados de bastante proteção, os mega-combo-jagunços temem as flechas dos waimirí. Vai entender...

De qualquer forma, a reação da Amazônia começa quando, durante a madrugada, surge Querup, o homem-onça, um híbrido meio felino, meio humano e causa sérias baixas entre os invasores. Num primeiro momento, achei que o tal Querup levava mais jeito de pantera negra do que de onça. Pra não cometer injustiças, consultei um biólogo e um veterinário. Os dois me garantiram que a pantera negra é parente próxima do leopardo, felino africano. Ou seja, os autores teriam cometido o erro típico ao transferir um animal tipicamente africano para a Amazônia. No entanto, a coisa não param por aí. Querup seria uma figura mitológica presente no folclore dos waimirí-atroarí, mas a criatura que luta contra os invasores é, na verdade, Aranos, um alienígena que veio se refugiar na Terra depois que seu mundo, Sirus 9, foi devastado pelos tecno-lordes, dos quais falarei mais adiante.

Ao longo da primeira e da segunda parte, somos apresentados às demais personagens. No lado dos mocinhos, temos, além de Aranos, Volko, um mago oriundo do planeta Volkar-1; Avalon, guerreiro vindo de Yar 4; Alanya, a alienígena anfíbia - e de pele azulada - proveniente do planeta Lessat, cujos dons incluem se comunicar com os seres marinhos, respirar debaixo d’água e ter sempre os longas cabelos cobrindo pudicamente seus mamilos, não importa quantos soldados ou baleeiros, ela enfrente. O time dos mocinhos completa-se com Shaula, que pode controlar as plantas e cujo uniforme (?) mataria de inveja as crias de Rob Liefeld; e uma outra mulher a quem o pajé dos Waimirí refere-se apenas como Mãe-Gavião e Guirá-Taí.

Do lado negro da Força, está o empresário alemão Sydow, presidente da multinacional Unicom, cuja única razão de ser é degradar a natureza. Típico empresário inescrupuloso, de tão maléfico, adora negociar com traficantes, bancos suspeitos e manipular leis ambientais para afrouxá-las a fim de destruir o meio-ambiente sem ser punido. Onde será que já vi isso antes?

E é nesse pano de fundo que a série se arrasta, pelo menos, até o início da quarta parte, quando o extraterrestre Volko revela a história dos Tecno-Lordes, uma raça adepta da tecnologia e que espalhou morte e destruição por todo o universo até ser derrotada pelos nativos de Volkar-1. O alienígena teme que o presidente da Unicom seja um sobrevivente dos tecno-lordes e que trame recomeçar seus planos de conquista usando a Terra como ponto de partida. Dito e feito. O malvadão do Sydow chama-se, na verdade, Yatckar 21 e pretende devastar a Amazônia, pra que, com os humanos mais voltados pra tecnologia, possa recriar seu planeta.

E como ele quer destruir a Amazônia? Ora, simples! A Unicom envia dois submarinos carregados de ogivas nucleares para a floresta. Tudo transcorre sem problemas até que um satélite francês descobre a maracutaia atômica e alerta - tcham, tcham, tcham, tcham - o Pentágono, que logo desloca dois porta-aviões. E o exército brasileiro, você se pergunta? Fica mais perdido do que cego em tiroteio até ser avisado pelos americanos da ameaça nuclear bem debaixo do seu nariz. Na boa, pra pataquada ficar mais americana, só faltou a equipe criativa colocar um quadro mostrando a Casa Rosada e um recordatório com os dizeres: Buenos Aires, capital do Brasil....

De qualquer forma, ao fim do quarto número, os Estados Unidos, os alienígenas de Volko, um conclave de tribos indígenas liderado pelos waimirí armados de flechas especiais fornecidas pelo mago extra-terrestre e uma meia dúzia de soldados brasileiros travam uma verdadeira guerra contra a Unicom e suas forças de ciborgues e mercenários.

ENORME SUCESSO NO BRASIL

O desfecho? Sei lá, não foi publicada por aqui. O gibi passou despercebido pelas bancas, com periodicidade bissexta e não vendeu nada. Daí, o cancelamento prematuro. Não deixou saudades.

No entanto, não é essa a história que chegou aos veículos de divulgação americanos. Segundo o site ICv2.com e o catálogo de março da Diamond, O NW Studios lançará, nos Estados Unidos, em maio de 2003, o aclamadíssimo quadrinho brasileiro, Spirit of the Amazon A nota ainda alerta que O gibi, que traz um soberbo trabalho artístico a la Image, foi um enorme sucesso no Brasil, onde perdeu em vendas apenas para os X-Men. […] Qualquer um procurando gibis de super-herói com viés político deve checar a primeira parte de Spirit of the Amazon. Já a Matt Brady do Newsarama e ao site Universo HQ foi dito que, em 1998, depois de ser a nova sensação no mercado de quadrinhos brasileiro, o título viu-se obrigado a ser cancelado ao cabo de quatro edições. A produção e a distribuição de quadrinhos no Brasil é controlada por uma única empresa, que, depois de ver o enorme sucesso de Spirit of the Amazon, fez uma oferta para adquirir seus direitos autorais. Quando Orlando [Paes Filho] recusou a oferta, o distribuidor cessou as vendas e se recusou a distribuir o gibi. Como resultado, o NW Studio foi forçado a cessar a produção.

Epa! Vendeu quase tanto quanto X-Men? Aclamadíssimo e nem foi concluído? Viés político? Enorme sucesso? Oferta de compra de direitos? Peraí. É do mercado de quadrinhos brasileiro que estamos falando? Cáspite. É o mesmo Spirit of the Amazon que estão citando? Imagine só a expectativa do gringo que andou lendo o que circulou na mídia especializada dos Estados Unidos..

Os textos de Spirit of the Amazon - repletos de diálogos estranhos e viagens psicológicas fora de hora - são de Orlando Paes Filho. A arte, que se espelha bastante no jeito Image de ser, é de responsabilidade de Rodrigo Pereira, e Charles Carvalho, com arte-final de Nélson Pereira. No geral, é passável. Já as cores ficaram a cargo de Alexandre Jubran, Salvatore Aiala e Toni Caputo. Vai ter gente querendo me bater, mas, sinceramente, esse é um dos trabalhos mais fracos que já vi do Jubran. Reconheço que não sou um dos maiores fãs do cara, mas admito que ele domina como poucos o software de colorização com o qual trabalha. E talvez esse seja um dos seus maiores problemas. Tanto em Spirit... como na tosca Terra 1, o colorista abusa de texturas e - principalmente - de montagens em que preenche o fundo do desenho com fotos, o que causa uma sensação pra lá de estranha, comprometendo até as proporções das figuras.

É por essas e outras que eu não vejo vitória em Spirit of the Amazon ser a primeira mini-série tupiniquim publicada em terras ianques. Afinal, ela poderia muito bem ter sido escrita e desenhada por americanos. Assim, pelo menos, os autores teriam a desculpa de ignorar os verdadeiros aspectos políticos e sociais do país.

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